19 de fev. de 2011

TIGERLILY

eu disse 'não o pegue pelo nariz assim' quando a caixa do super mercado tentava encontrar o código de barras do meu tigre de pelúcia de 1 metro que comprei ontem. 'vai machucá-lo assim' e segui por todo o caminho levando-o nas costas com os munícipes me observando. tempos atrás, eu levava um cachorro morto nas costas para passear, o que gerou meu poema "o sono".

em casa, na cama, não é possível abraçá-lo de uma forma que não pareça estar sufocando-o. a cabeça aumenta quando aperta a barriga, e as pernas somem quando você as coloca entre as suas. é inconfortável. pareço estar matando meu novo amiguinho o tempo inteiro.

essa manhã, os homens de fato diminuíram. visto que, o homem que tens nos braços ao momento, sintetiza todos os homens do mundo. voltei para casa ontem recusando rotineiros convites para sexo. hoje de manhã então, meu homem diminuiu de tamanho para 1 metro, e mudou de carne e pele para pelúcia. o rabo dele mede 20 centímetros, mas também é de pelúcia.

mas,
o tigre de pelúcia não pula a janela, não vai embora. fica deitado na minha cama, imenso, e quando minha mãe o vê, ela tem mais um motivo para me achar estúpido, ridículo, irresponsável e feio. eu conheço a única mãe do mundo que acha o filho feio e não tem a menor intenção em poupar o filho dessa informação : a minha.

toda a vez que corto os cabelos, minha mãe me chama de ridículo. quase toda a vez que me visto, minha mãe me chama de ridículo. fiquei internado quatro dias pouco antes do natal passado, e ela não foi me visitar, provavelmente por achar que eu estava com AIDS. aliás, minha mãe acha que TODOS os homossexuais do mundo tem AIDS, ela é esse tipo de gente...

tentei possuir o corpo, a mente dela ontem. lá dentro dela, existe uma mulher que não pode tolerar a fraqueza, a quase inexistência da própria feminilidade. há uma mulher áspera do interior, que não pode tolerar o fato de o filho ser mais feminino do que ela mesma. não sou feminino, tampouco afeminado, mesmo assim ela enxerga uma aura cor de rosa sobre a minha cabeça, ela pensa que a qualquer instante posso me tornar uma mulher melhor do que ela é, sempre foi, e que jamais conseguirá ser. ela enxerga isso tudo escorrendo pela minha pele, por isso ela nunca me dá um abraço.

hoje de manhã, com meu tigre, fiquei mais uma vez experimentando a minha relação tensa com a música. fiquei me dividindo entre o quanto poderia ser van morrison e o quanto não sou van morrison. bob dylan, menos ainda. natalie merchant, tampouco.

agora estou sentado. uma frase dita ontem pela minha colega de trabalho rafaela martins, traduz esse exato momento 'estou com sono. quero beber café, mas estou morta de preguiça de levantar da cadeira para ir pegar'.



3 de fev. de 2011

A ÚLTIMA VIOLÊNCIA

imagine nunca poder tocar um garoto incrível, ímpar, que acabas de conhecer. imagine não tocá-lo uma duas três vezes. certa noite você decide seguí-lo, ele então caminha em direção ao cemitério e desaparece exatamente nos portões.
era alguém que não acreditava em nada além da vida, ainda preso nela.

deus não existe. estou cada vez mais certo e mais seguro disso. já posso cometer assassinatos e estupros. roubos.
finalmente, após tantas marcas pretas e roxas de cintos; tantas marcas que criaram feridas com casca de fivelas; tanta espanação, esfoliação facial depois, lá estarei eu no meu velório.

não haverá concessão.
a cerimônia será feita exatamente, violentamente como meus pais quiserem, o contrário do que eu desejo para ela.
as tatuagens estúpidas, não serão removidas para servirem de porta - pires. os legistas vão rir, e meus pais: consentir.
depois de vestir roupas de defunto por tantos dias durante minha longa e amarga vida, não terei uma trégua no dia do meu ingresso á morte: serei velado e enterrado de terno.

na frança, no norte da frança exatamente, cheguei a pesquisar e ver alguns velórios no qual colocam o morto sentado ao invés de deitado, abrem lhe os olhos e dão um jeito para parecer que estão olhando para o céu.
mas o que minhas tias iriam pensar?
o que a comunidade budista local iria pensar?

mortos não comem. haveria muita comida. o contrário do que acho justo e respeitoso para a ocasião.
eu jamais comeria em um velório.

um homem branco com pêlos castanhos claros dentro de um terno preto, uma camisa branca: parece um bolo decorado do pentágono.
será que vão demorar muito para cortar o primeiro pedaço?

deus não existe mesmo.