Três tarjas
pretas azuis não é nem uma mini intenção de suicídio mais. Tomei já tanta droga
assim que, a resistência me fez acordar em duas horas para continuar a ouvir
música triste.
Uma técnica:
tentar a acabar com o presente dia é mais inteligente do que tentar acabar com
a própria vida.
Ainda assim, o
vício de voltar a olhar o telefone o tempo todo não cessa. Ele não toca, não
vibra, e duvido que vibrará nos próximos vinte minutos quando eu olhar de novo.
Ao contrário dos
ansiolíticos que não confortam, a besta me conforta. Sim, uma besta, uma besta
muda – minha gata siamesa que se chama tatyana rumanova lebedeva, assim como a
grande saltadora russa que ainda hoje é recordista mundial do salto triplo em
pista coberta. Minha gata é minha melhor amiga, ela nunca disse nada, é meu
relacionamento mais duradouro, temos uma amizade de oito anos, a que todos os
dias em que estou miseravelmente melancólico, a gata se torna mais presente,
fica mais carinhosa, tenta fazer com que eu siga em frente, por mim e por ela. Isso diz um pouco sobre a minha relação com os
seres humanos.
Isso é muito
bom, pois são quase 3 da manhã e não conheço ninguém que está disposto a me
ouvir para eu dizer que desejo morrer. Por outro lado é bom. O esporte me ensinou
muitas coisas, é melhor retirar-se no auge, não na decadência, o que dizer de Fabiana
de Almeida Murer, que aposentou-se no mesmo ano em que bateu o recorde
sul-americano, marca essa que é uma das dez melhores da história?
Espere até
fevereiro, fevereiro é um bom mês, o pálido fevereiro, assim não se estraga o natal
de ninguém, o réveillon de ninguém, sim, até lá você terá emprego, o tratamento
com o lítio terá respondido bem melhor, terei meu estimado garoto louro que
tanto gosto de volta com um pouco de sorte, estarei em forma para competir em
março, tudo estará bem, estarei em um mini auge, não há necessidade de fazer
alarde, então. Outro livro, sim, outro livro. Da última vez que dei um livro de presente de aniversário para a minha mãe ela disse “outro livro, Hugo?”. As
pessoas não gostam de livros. O que me faz detestar o transporte público,
pessoas lendo jojo ou “a culpa é das estrelas” e essas pessoas lamentavelmente
estão se achando cultas apenas por ler, ler qualquer coisa. Sim, terminei de escrever outro
livro. Outro de livro de poesia. Se estou orgulhoso dele? Sim, muito. Mandei o
arquivo para uma dezena de pessoas. Sim, eu escrevo para uma dezena de pessoas
e. você está feliz por terminar mais um livro, Hugo? e por que eu deveria estar
feliz? Ana Cristina Cesar se jogou do oitavo andar pouco depois de publicar o
clássico “A teus pés”, por que eu deveria estar feliz?
Talvez tudo
estivesse bem se eu estivesse na índia. Vacas, elefantes na rua, mas soltaram
as vacas aqui, bem debaixo dos meus bigodes.
Das vacas vem o
bife. Sim, eu consegui. Consegui competir no último 06 de novembro. Mesmo melancólico,
eu consegui. Consegui lançar um dardo de metal que mede 2,43m e pesa 800g a uma
distância de 34,37m. Não é difícil. Treine por nove meses e você também
consegue. Ganhei uma medalha de bronze. No salto em distância, fiz um salto de
5,80m. Também não é difícil. Outra medalha de bronze. No fim das contas, não
ganhei um centavo, tenho de aturar a antipatia de um monte de gente durante os
treinos e as competições, mas afastei alguns fantasmas da minha cabeça. Sim,
pois quando treino, penso menos na morte e na condição humana.
Quando você vai
publicar seu livro novo, Hugo? não faço ideia. Continuo tendo prazer em
escrever, mas não tenho mais o menor tesão em publicar. Primeiro, porque não
tenho público (O meu texto tem público, mas o Hugo Guimarães é que não tem). O meu
texto é impopular e eu sou uma pessoa impopular. Não é pose, eu sou uma pessoa
originalmente impopular. É difícil entrar em outra jornada para publicação,
conseguir, ter um trabalhão para divulgar um lançamento, e no dia não aparecer
quase ninguém. Não quero mais esse constrangimento para mim, nem para o editor.
“Moon drungo”, meu livro novo de poemas é bom, gosto muito dele. Vou inscrevê-lo
em editais no ano que vem. Talvez eu publique eu mesmo, em papel reciclado, ou em
papel de embalar pão francês, em 100 cópias.
Gente recolhendo
bosta de vaca, de elefante por toda parte na vizinhança. Estou na casa da minha
mãe aos 30, esperando um novo emprego. Não ganhei um centavo pelas medalhas do
bife. Apenas ganhei e mantenho um belo corpo musculoso, mas parece que meu belo
corpo, meu pau grosso, não é suficiente para compensar os problemas na minha
cabeça, meu namorado me pediu um tempo, não sei se ele vai voltar. Estou com
medo de sair na rua para ir comprar pastel, medo de ser atingido por uma vaca,
de pisar em bosta de vaca.
No ponto de ônibus,
no trajeto de duas horas da casa da mamãe até a pista de atletismo, a
humilhação dos 30 anos de idade martela minha cabeça. Nada deu certo na minha
vida desde então e não adianta começar nada de novo agora. Não se começa nada
aos trinta. Se começa aos vinte, daí se fica bom aos trinta. A única coisa que
comecei bem antes dos vinte, foi escrever. Eu deveria ter começado a tocar
piano aos treze, ou começado a jogar tênis. Devo me lamuriar por minha
literatura nunca ter me rendido absolutamente nada? Não, devo apenas aceitar
que minha literatura apenas não é boa o bastante, e que joguei fora quase duas
décadas da minha vida para conquistar duas dezenas de leitores, no máximo.
Na Bolívia ainda
tem uma reserva bem grande de lítio, ainda bem. Depois da última crise que tive
dez dias atrás, não tenho parado mais de tomar meu lítio. Hoje me sinto apenas
um pouco triste por causa do cotidiano em si, mas há sim uma base de equilíbrio
que me protege da inconsequência, que me garante que acordarei vivo pelo menos
amanhã. Usam lítio para baterias, mas logo inventarão baterias mais modernas. Assim
vai sobrar bastante lítio pra tratar gente louca, sempre vai haver muita gente
louca, e vai haver muito lítio.
XOXO