Três de maio.
Faz quase um ano desde que escrevi “Maydays”, também um diário online,
nesse mesmo blog. Maydays era um estranho passeio entre paixão não
correspondida, rejeição por uma equipe de atletismo e desemprego.
Agora, um ano depois, tenho um namoro de quatro meses, um doce garoto
que eu gosto o bastante para não me deixar louco e há um contraste interessante
entre ele e eu: ele é feliz e eu sou triste mas. Desde que tenho estado com
ele, não tenho desejo de suicídio, mas abandonei o atletismo e parei de
escrever. Agora é só nós dois e a neve e talvez isso não seja ruim. Tenho um
emprego. Trabalho em uma multinacional chinesa que me paga bem, uma vez por
mês, mas bem, e minha vida está reduzida a trabalhar lá e no meu namorado.
Eu poderia continuar a treinar atletismo, mas a paixão acabou, acho
que ganhei tudo o que eu merecia naquela cena universitária, nos quatro anos
que treinei aquilo. Agora é tempo de passar adiante, de fazer outras coisas. Mesmo
se é só meu trabalho, meu namorado e a neve sobre nós.
Nesse momento, acabei de chegar do trabalho, não tenho muito tempo de
escrever por lá. Muito trabalho. Só comi dois pedaços de pão e alguns biscoitos
no almoço e amanhã passarei o dia sem comer porque é o dia do meu pagamento e
tenho planos melhores do que comer.
Quarto de maio.
A coisa mais esquisita é que não ando esquisito. Estou fumando
regularmente porque meu namorado fuma. Durante a semana o cigarro me ajuda a
dormir. Hoje não preciso me preocupar com comida porque tive um bom café da manhã,
então posso passar o dia bem acordado. Hoje é sexta-feira. Meu namorado está me induzindo a sair. Quero ficar
em casa, acho. Sempre quero ficar em casa. Acabei de terminar meu
horário de almoço que dura meia hora fora de uma hora e meia que os chineses me
dão. Quero acumular banco de horas. Não posso escrever aqui tão
confortavelmente porque vendi um livro para um dos chineses que trabalha aqui. Ele
apareceu na cozinha e pediu para eu assinar uma cópia do meu “O Tiro de um
milhão de anos” de 2015, então ele pesquisou sobre mim e ele sabe sobre mim e
sobre meu blog. Não posso perder o emprego. Meu namorado também lê o blog, o
que me faz com que eu escreva com as mãos atadas então talvez eu possa criar um
bruxo adolescente se não posso me expressar sobre a realidade como eu costumava
fazer. Sim, um adolescente bruxo.
Cinco de maio.
É difícil escrever aos fins de semana porque passo a maior parte dele
na cama com meu namorado. Ficamos lá causando dano ás nossas saúdes, jogando
cartas, damas ou qualquer outro jogo trivial; assistimos filmes e é cada vez
mais difícil decidir sobre qual filme ver, difícil conversar quando a relação
passar de quatro meses. Ainda não treinamos a rotina para que cada um de nós
tenha sua rotina separada e não fazer as mesmas coisas juntos sempre. Tenho passado
muito tempo sem escrever que temo que não sou mais um escritor. São cinco da
tarde aqui na multinacional chinesa e depois de fazer algum mau á minha saúde,
decidi escrever um pouco, já que nesse exato momento não tenho nada para fazer (o que é raro), sempre tenho
muito trabalho a fazer.
Dezoito de maio.
A internet caiu e meu coração quase parou. Hoje e ontem á noite
respectivamente. Por causa da
internet, lembrei desse diário. Não sei mais como escrever. Acho que vou
ser demitido do trabalho por faltar. Meu coração quase parou por causa do meu
estilo de vida. Preciso de um corte de cabelo urgente para me sentir mais jovem
de novo. Quando voltei do almoço, eu reclamava sobre como vim parar nessa vida
desgraçada de analista de logística, que falhei como escritor, falhei como
atleta e vou passar o resto da vida preso em um escritório. Se eu for demitido,
está ok. Terei quase sete mil reais até eu conseguir outro trabalho. Sou bom em
entrevistas de emprego. Na verdade, meu objetivo ontem era apenas acordar hoje.
Disse ao meu namorado “estou com medo de dormir e não acordar mais, e você sabe
por que”. Temi que estava vendo a cara dele pela última vez, que eu estava
vendo luz pela última vez, que eu estava deixando só meu amável namorado. Dei a
ele o número da minha mãe antes de dormir. Apenas no caso. Mas acordei e minha preocupação era apenas chegar
ao escritório ao invés de estar vivo. Hoje o plano é mudar o estilo de vida,
dormir muito e acordar em um sábado.
Dezenove de maio.
Só estou aqui porque prometi a mim mesmo que escreveria hoje. Minha mudança
de estilo de vida durou só um dia. nesse momento, pareço uma gema de ovo jogada
em uma vasilha de farinha de trigo. Estou tremendo um pouco. Meu namorado está
ouvindo música enquanto escrevo, mas eu não quero dizer a ele que isso
prejudica a minha concentração, mesmo tremendo um pouco. Não posso acreditar
que o sábado á noite e meu fim de semana está quase acabando. Logo será
segunda-feira e eu vou conhecer um chinês que fará uma estranha visita ao meu
trabalho. Ele é um funcionário
de logística. Mesmo assim, minha gerente foi para casa ontem e não me
demitiu. Não posso escrever e falar ao mesmo tempo. Tanto que essa escrita
termina aqui.
Trinta de maio.
Eu sei eu sei que não tenho escrito. É porque não tenho tempo no meu
trabalho. E também porque quando chego em casa só quero fumar, nada mais. Isso até
meu namorado chegar em casa e eu me preparar para dormir enquanto ele não está
com sono. Encontrei meu psiquiatra hoje por acaso e ele me disse o quão magro
estou, faziam seis meses que eu não o via. Ele me lembrou que larguei o
atletismo, que deixei de escrever e que meu estilo de vida deveria mudar. Disse
que minhas roupas estavam largas, que minhas roupas estavam soturnas de pretas,
olhe as suas roupas ele disse. A preocupação acabou, passei da barreira de três
meses no emprego e não me demitiram como eu temia. Não fui jogar tênis nos dois
últimos domingos como eu planejava. A mudança é a casa, a casa; vou me mudar
domingo para um nova casa, também compartilhada, mas uma casa melhor, com um
banheiro só para mim e meu namorado. Ele também passou da barreira dos três
meses no emprego dele e agora de fato temos emprego, mesmo que nada mais que
isso. Tenho planos de publicar meu livro “Igor na chuva” até 2020, não estou
com pressa. Eu já esperei cinco anos para publicar um livro antes e eu sei que
posso ganhar algum edital ou que algum editor independente goste do livro por
mais que eu tema que minha carreira como escritor acabou. Vou acordar em uma
nova casa na segunda-feira, isso é fresco. Espero mudar o estilo de vida
também. Esses pickles depois de um hiato sem publicar no blog são um agridoce
começo.
XOXO