I
Para mim estava tudo certo virar as costas para eles para sempre no dia trinta. Eu não fui atrás, mas eles então vieram atrás de mim, vieram em uma profusão acima da média o que, por um instante, me fez acreditar em demônios. Pois eu aceitei ir no dia cinco só para ter certeza que eles de fato não valia a pena, quando voltei para casa em um pós horrível, tendo de andar três quilômetros até achar um ponto de ônibus em uma zona norte caótica debaixo de um calor de trinta e cinco graus, me perguntando “Valeu a pena, Hugo”?
De volta ao pântano, no sofá que nunca me pertenceu, na casa que nunca me pertenceu, na casa onde sou um estranho, em um lugar tão remoto onde é quase impossível ter vida social, principalmente sem ter dinheiro, onde o mercado de trabalho insiste em não me absorver, eu pensei que a coisa estava resolvida. Era só uma questão de subtrair infernos, somar infernos, administrar infernos. Novamente eu não fui atrás deles, mas no dia sete eles vieram atrás de mim de novo, como a polícia de costumes do Irã entra no metrô atrás de uma mulher iraniana sem véu e saí do vagão com a mulher desacordada, alegando que ela passou mal por falta de açúcar no sangue.
No dia sete eles me mandaram um carro para atravessar a cidade. E onde está a minha capacidade de dizer “não”? Ou apenas não dizer nada? Nunca aprendi e sigo sem aprender. Entrei no carro. Cheguei lá, fui usado e de madrugada não havia mais nada. Nem ele, nem o outro. Pensei que passaríamos o domingo, mas logo vi que fui coagido e descartado. Possivelmente eu fui enganado. Apareceram coisas muito boas no app, sim apareceram. O que mais me chamou atenção foi um garoto meio-japonês chamado Tisho, exótico, bastante másculo e eu posso ir à casa dele durante a semana, ele já disse que sim. Também me chamou atenção um garoto louro bem jovem chamado Enzo, que ao perguntar das minhas preferências, ele sugeriu que sentasse na cara dele até sufoca-lo, o que me pareceu muito bem.
Acho que cheguei ao dia nove bem. Espero que eu tenha mesmo ganho alguns belos brindes e que o mundo não é branco e ele não se esfarela.
II
“The Boy Zone”
(Letra: Hugo Guimarães/Música: Hugo Guimarães)
III
“Conheça o ódio”, Hugo Guimarães.
CAPÍTULO UM: “Da alma à carne”
Sou Audrey Hepburn agora. Na alma, mas sou. Da última vez que tentei decepar minha narina, só consegui um banho de sangue e é melhor esquecer, por hora.
Uma vaca pode ser uma égua, sei lá. A verdade é que eu nunca quis saber por que não se deve usar a palavra vaca. Veado não se deve usar e se usa sem nenhum constrangimento e já que nada sabemos, é só odiar igual, não só a leiteira, quem me odeia eu odeio igual, mas e se não fosse a mulher? Claro que não, claro que você não pediu, mas e se não fosse ela? Já recusou a luz mil vezes, não? E ainda continua destruindo o sonho dos outros por esporte? Talvez, ninguém tenha o direito. Uma médica que te odeia por você ser podre, veado e ainda por cima por aceitar suborno, médica que tem nojo de ir trabalhar, fazer o mínimo para fazer essa gentalha acreditar que aquilo foi uma perícia e eu estou quase comprando uma casa maior em Angra com o meu marido.
Pedi para o meu pai recorrer e eu não deveria odiá-lo, uma hora é antes uma hora é depois, mas eu já sei bem a região para onde vão vir as facadas, eu prefiro acumular as feridas abertas dessa camiseta branca, deve ser por isso que minha mãe me manda ir tomar banho o tempo todo, ele volta a falar comigo como se nada tivesse acontecido, traz doces como se aquelas porcarias comprassem minha honra e quando canso dessa merda toda, deixo minha mãe subir comigo até o banheiro, arrancar a camiseta grudada de sangue na pele, aceito o banho e ela mesmo costura o que sobrou. Minha irmã me deu uma televisão que eu vou vender para comprar um filhote de São Bernardo. Wannabe.
Agora quero um homem, um perito homem, todo engomadinho o desgraçado, por que? Tenho de ter trinta internações por transtorno bipolar para conseguir esse benefício? Olha se eu tivesse tantas internações assim, eu sequer estaria em condições de ter me deslocado até aqui. Sendo assim, vocês negam o benefício por A ou por B.
Eu me formei em uma faculdadezinha medíocre, pública, mas medíocre, trabalhei quatorze anos em um ofício que eu odeio para ter esse maldito benefício, para pedir trégua em um momento como esse.
Eu estou falando!
Eu estou falando!
Eu sou digno de bullynig, sem dignidade. Como é pra você? Ver um pobre de peruca achando que pode pisar ainda mais na cabeça? Você, que médico do JEF, de boa família, ganha bastante dinheiro, não deve faltar nada pra você, mas pra mim, falta. Quer minha CTPS? Faz dois anos e meio que não trabalho! Sabe por que? Porque ninguém me aceita mais. É difícil levantar da cama para fazer uma entrevista? Em setenta por cento das vezes é, mas eu não consigo convencer que eu sou o melhor candidato para a vaga, pois de fato eu nunca sou.
Essas psicólogas de RH não são burras, depois do último trabalho, fiz vinte entrevistas, reprovado em todas elas, até que fui aprovado em uma, demitido no segundo dia. O dono deve ter me visto pela câmera pegando cocaína na janela de um carro na porta da empresa.
Sim, não, sim, não. É o tipo de droga de resposta que vocês induzem para negar um benefício, não? Corruptos! Uma pessoa como eu vai para casa se matar quando você termina o laudo. Morrer é difícil, eu sei, mas quando se tenta, tenta, tenta, uma hora dá certo quando você nem queria de fato morrer.
Está muito claro na minha cabeça colocar veneno na sopa, me trancar no quarto e esperar pra morrer, mas um ridículo também sonha, não estou falando “dele” que voltou a me perturbar, outros homens que não me perturbem, principalmente se for só uma coca cola, não me fascina. Veio de uma amiga branca uma das piores definições do motivo pelo qual ela nunca transaria com um homem negro, ela disse que imaginava um cocô entrando nela.
Talvez nunca vou me livrar de você, penso muito em você, que tudo poderia ser mágico e é tão amargo sair desse sonho, onde sou insignificante, sempre fui e sequer tive o direito de saber por que. Um lixo, por incrível que pareça, tem sonhos e é por isso que a sopa fica em modo off, tenho uma ideia para causar polêmica e ficar famoso, rico, espere e veja, como Audrey Hepburn vai da alma à carne.
IV
Riot
Conheça “Sue Sue”.
– Ô, sr. Jojo. A sua filha apareceu aqui no boteco com os peitos de fora outra vez!
– Eu não acredito!
– Pois acredite!
– Eu vou pôr a Suzanne na cadeia cedo ou tarde, escreva o que estou te falando!
Sue chega em casa e vai fumar no quarto. Jotabê entra lá em fúria.
– Suzanne, você quer me matar de vergonha?
– Vergonha tenho eu de você, vá ocupar a vida! Vá fazer um curso de inglês!
– Pelo menos eu não ando por aí com a pistola de fora.
– O que foi dessa vez?
– O dono do bar me ligou dizendo que você foi lá com os peitos de fora!
– Ele filmou? Fotografou?
– Não.
– Então, um beijo e um queijo.
– Mas e a palavra dele? Não conta? Pois para mim conta, Suzanne. Portanto você esteve lá sim com os peitos de fora.
– Pai, você anda sem camisa, não anda?
– Mas eu sou homem!
– E daí? Por eu ser mulher eu também não posso? Eu também sinto calor, está fazendo trinta e quatro graus, eu tiro a camisa, mas eu escondo as mamas, onde está o problema então?
– Ah, não me venha com esse papinho feminista, não! Se alguém chamasse a polícia, você iria presa!
– Mas não chamaram e eu não fui. Existe uma coisa chamada resistência. E a única que você conhece é a do chuveiro.
Depois de muito tempo chega a viatura.
V
Do we carry on?
* Um homem feio sem pó e sem Photoshop não existe no censo, é uma necropsia no app.
* O que falta na nossa constituição? O direito de não voltar para casa.
* Bᴭg.
XOXO
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