esse era um ano especial para a minha atleta favorita. ela voltava de uma atroscopia que a afastou das pistas por um ano inteiro, fez duas competições no ano mas a mais esperada delas era o Troféu Brasil. acabei em casa vendo pela televisão o triunfo de Fabiana Murer falhando em três tentativas de um novo recorde nacional de 4,90m.
acho que eu e Maurren, no final dessa temporada, fomos para casa, nostálgicos, recapitulando a presença no estranho mundo do atletismo brasileiro. eu, no estranho mundo das pessoas brancas no atletismo brasileiro.
eu tinha treze anos quando ela fez um dos dez melhores saltos em distância de todos os tempos com um incrível esforço de 7,26m no dia 26 de Julho de 1999, nas perfeitas condições para prática de saltos de Bogotá, Colômbia: Altitude e vento de 1.8 m/s. um mês depois ela ficou famosa ao vencer os jogos pan americanos de Winnipeg, Canadá, saltando bem menos e mostrando seu lindo sorriso e suas unhas pintadas com bandeiras do Brasil. Lá estava uma “entertainer” e não somente uma atleta.
eu não sabia muito sobre atletismo naquela época. mesmo essa modalidade sendo a base de todos os outros esportes e o mais incrível de todos eles, eu infelizmente nasci em um país onde jogadores de futebol assassinos são celebridades, onde pensam que automobilismo é um esporte e que Ayrton Senna é um herói.
fui informado do fracasso de Maurren nos jogos olímpicos de Sidney, Australia, apenas alguns dias depois de ela desaabar na caixa de areia com seu quadríceps contundido ainda nas eliminatórias. a excelente e assombrosa Maurren Higa Maggi não teve a importância reconhecida naquele momento específico.
então eu fui trabalhar em uma grande seguradora. então eu fui um adolescente explorado no trabalho. então eu tive gastrite. Então eu tive depressão e tive de custear meus próprios remédios com o dinheiro do meu trabalho mal pago. Ganhei muitos quilos. fiquei ausente da prática de esportes até 2003 quando entrei na faculdade. eu tinha 18 anos.
nodia 15 de junho de 2003 eu comprei um exemplar do jornal Folha de São Paulo. no caderno de esportes havia um especial sobre a Maurren. tudo porque ela tinha feito a melhor marca do mundo naquele ano e era a principal atração do XVII Troféu Brasil de Atletismo que aconteceria naquele mesmo dia. infelizmente, depois de vencer a competição ela foi flagrada em um exame antidoping para clostebol. mesmo sendo um doping involuntário, mesmo todos acreditando em sua inocência, ela recebeu uma suspensão de dois anos.
eu começava então a entender um pouco de atletismo lendo aquele jornal e apenas um dia depois tivemos todos a notícia chocante do doping. nosso país perdia um herói. o futuro era incerto para essa incrível atleta. lembro que fiquei extremamente triste vendo a chorar em entrevistas, acompanhando o caso nas semanas decorrentes. ela de fato não escapou da punição.
então eu comecei a saltar.
primeiro, no quintal da minha casa, medindo meus saltos com uma régua de 30 centímetros e vendo que eu era bom. depois na quadra da faculdade vendo que eu era realmente bom, recebendo parabéns dos meus colegas e nunca sendo superado por nenhum deles.
saltando, rompi os ligamentos do meu joelho esquerdo em 2004. Ok
logo melhorei e finalmente fui aceito no centro olímpico do Ibirapuera (no Constâncio Vaz Guimarães) na minha segunda tentativa. estava bem feliz e otimista mesmo tendo muita dificuldade para treinar: eu trabalhava de manhã das 08 ás 14 ia para a faculdade das 15 ás 18 e desembocava no Ibirapuera ás 18h30 para o treino. era muito cansativo.
etão lá estava eu treinando com todos aqueles negros. me saía melhor do que muitos deles. eles não gostavam de mim não só por ser branco, mas por ser homossexual, claro. eu não tomava banho com os outros depois do treino, porque eu sou tímido e porque eu não queria me expor a nenhuma situação desagradável. no fim do treino eu fazia um trajeto de uma hora e meia até minha casa, de ônibus. fazia isso todas as terças e quintas. eu ainda jogava handebol no time da faculdade ás segundas-feiras e voleibol ás sextas. tinha uma boa barriga, coxas e braços.
bom... tenho de terminar esse texto, certo? estou bem envergonhado... bom, eu vivo em um país onde jogadores de futebol assassinos são celebridades e onde as pessoas pensam que automobilismo é um esporte e que Ayrton Senna é um herói e ele NÃO é. não pude continuar treinando por causa disso. diz tudo.
então eu fui para casa.
então Maurren Higa Maggi saiu de casa em um belo dia do ano de 2005 e foi para a pista dizendo que queria voltar a treinar, depois de ter acabado o período de punição, depois de ter tido um bebê. virei tiete novamente. e então ela se tornou a primeira mulher brasileira campeã olímpica em prova individual da história. então eu não fiquei tão decepcionado assim no último domingo. então, não estou mais decepcionado.
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