26 de jan. de 2016

O TERAPEUTA BRANCO

estou revisitando muito da minha infância e da minha adolescência no meu próximo romance, que está em processo de criação. sempre me dá vontade de chorar. claro que nunca choro, acho que já comentei por aqui que não consigo chorar. muito do pior da minha infância e da minha adolescência. talvez seja mais vergonha que tristeza, eu não sei mas. do livro eu não tenho vergonha, não tenho medo de dizer nada para ele. do terapeuta sim. eu sempre começo a mentir na segunda sessão. e já que mentir não faz sentido para o propósito, então talvez seja melhor falar só com o livro. desisti de todos os psiquiatras do meu plano de saúde. são todos bem ruins. o último, quis ouvir minha respiração, me mandou tirar a camisa, e ainda ficou falando comigo como se eu fosse uma criança, demonstrando pena tanto na expressão quanto na voz. uma bicha gorda. fiz uma reclamação ao plano de saúde e não volto lá nunca mais. 

chorar. faz tempo que não vou ao sebo. é algo que me deixa feliz. porém, o sebo fica no mundo, no mundo cheio de pessoas e o mundo me deixa triste, as pessoas me deixam triste. o idealismo de um fim de semana perfeito tem sido a porta do meu quarto, trancada. e contar com a sorte de não encontrar com ninguém quando desço até a cozinha, ou até a área de serviço. mas ir ao sebo era uma ideia de algo nostálgico que faria muito bem, pensei. pude ir porque finalmente o sindicato a que pertenço decidiu a porcentagem de reajuste e pude receber os atrasados referente ao aumento. (...) eu acho que estou desenvolvendo a misantropia. eu lembro que a karol, uma estagiária do jurídico que trabalhava comigo em uma indústria química em 2011 me perguntou se eu era misantropo. eu pareço misantropo? pois bem, ela veio fazer amizades comigo e o tempo em que permaneci trabalhando por lá, almoçávamos juntos quase todos os dias. raridade, pois fora ela, eu não tinha relações pessoais com mais ninguém naquela empresa. normalmente, prefiro ficar quieto, me cansa falar com as pessoas até, quiçá fazer amizades. e é pior ainda com homens, pois eu nunca consigo diferenciar quando um homem está apenas sendo gentil ou se está flertando comigo. sempre acabo me desapontando e é por isso que tenho me tornado cada vez mais amargo, mas talvez eu esteja mesmo desenvolvendo a misantropia [ eu não sei explicar, mas passei o domingo inteiro na cama, não consegui levantar para fazer a musculação. era só o mundo desmoronando outra vez, as nevascas, os velhinhos morrendo de frio em taiwan porque não perceberam que o frio chegou e não se agasalharam. minha gata, que não tem tido muita paciência em me fazer companhia, até abriu uma exceção, passou o domingo inteirinho na cama do meu lado tentando me confortar. ela sabe, ela sempre sabe. parece que ainda permanece aquela ilusão de que vou ter alguém para abraçar depois de levar mais de trinta socos, como uma lutadora de mma após perder a luta ]. gente, todo tipo de gente me incomoda. ou talvez eu seja exigente demais. eu tenho me estressado muito com os serviços, as pessoas que ficam atrás do balcão, especialmente. é por isso que eu quero tanto ir embora de são paulo. eu sei que não sou assim, tão amargo, mas. são paulo e suas pessoas amargas, mal educadas, mal humoradas e maus profissionais, me enlouquece mais um pouquinho a cada dia. me recusei a dar dinheiro ao primeiro sebo, de imigrantes andinos, mal educados. será que eles pagam impostos? também não quis deixar dinheiro no segundo, tocava música gospel e o dono, tentava empurrar um dicionário vagabundo para uma estrangeira negra por um absurdo de dinheiro. crente pilantra. sem contar o cinema. cobram 30 pilas por uma sessão dentro da prezada crise e a funcionária estúpida da bilheteria do espaço itaú do shopping frei caneca diz que estou na fila errada, que é para eu ler a placa para saber a fila correta. posso não saber ler, mas por bem, não sou eu que estou do outro lado do balcão. não, não disse isso por mais que eu ache que ela mereça. sem contar a funcionária negra da ofner, que só diz boa noite para os clientes que estão bem vestidos. coloque todos em um roteiro e faça um filme fiel sobre são paulo. subi a augusta e entrei naquele sebo perto da loja colaborativa endossa, perto da paulista. saí de lá com seis cd’s, todos importados, baratos e em bom estado. a mulher loura e simpática do caixa, parece ser a dona. chorar. o “poses” do rufus wainwright, a canção “poses” já é suficientemente emocionante quando só o rufus está cantando, daí ainda por cima entra a irmã dele cantando. é para chorar mesmo. bem na hora que chega a minha pizza. tive que descer para buscar com os olhos cheios de lágrimas. sim, outra pizza.

XOXO


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