30 de jul. de 2017

VOCÊ NA TERRA

Adição ao sonho:

Quero fechar os olhos pela última vez aqui. Se eu puder escolher o lugar que eu fechar os olhos pela última vez. No canteiro central muito arborizado da rua que beira a raia olímpica da USP. Colocaram lâmpadas de led no chão do canteiro, é ainda mais bonito andar ali de noite. Acho que não há outro lugar que eu me sinta tão bem quanto aquele, quando vou andando do cepeusp até a estação de trem. Comentei com a minha mãe que quero que ela deixe minhas cinzas ali.

Adição ao pesadelo:

Ao raciocinar por um par de minutos, eu concluí que não foi culpa sua o fato de eu ter tido uma péssima noite de sábado. A culpa também não foi minha, foi da vida.

***

Não consigo entender o que acontece com o meu corpo. Mesmo tendo uma péssima semana de treinamento, consegui sair do cepe ontem com salto triplo de 11,78m (fiz apenas duas sessões de treino essa semana, das oito que eu deveria ter feito) com um considerável vento contra! Incrível. Incrivelmente trivial, como diria Claire. Ainda assim salto menos do que a Nerisnelia, que conta 12,80m nessa temporada. Você sabe quem é a Nerisnelia Sousa? É a melhor triplista menor de idade do Brasil. O que uma mãe tem na cabeça de colocar um nome desses na criança?

Casa nova, emprego novo – but a change is gonna come pretty soon ;) [daí essa semana vou poder pedir para a Nádia dizer ao Leandro que melhorei um pouco de vida, que agora estou vendendo pipoca formigão e amendoim japonês nos trens da CPTM (nem vou querer ouvir falar mais e; Alberta. Esse é o nome de uma das protagonistas do Melancholia do Lav Diaz. Cheguei a pensar que a freira e a prostituta eram feitas pela mesma atriz, já que aquelas mulheres filipinas tem todas a mesma cara. Só depois de ver a freira e a prostituta juntas em cena é que vi que eram duas atrizes diferentes)]

Porém, depois da noite de sábado pude passar a tarde de domingo com o meu pai, bebendo cerveja e comendo salame. O bom de beber cerveja de garrafa retornável é que jamais saberão quantas cervejas você tomou, pois é você que esvazia as garrafas.

Porém, no início da noite eu pude finalmente sentar no sofá e ver televisão. E ter uma imagem para inspirar a semana: a cerimônia da entrega de medalhas da prova dos 400 metros medley feminino do campeonato mundial de desportos aquáticos, prova vencida pela atleta da casa, a húngara Katinka Hosszu. Bronze para a atleta do Canadá, o mundo inteiro conseguiu ver o sorriso falso e amarelo dela; veja só, apenas vinte anos de idade e já ganha uma medalha em um mundial. Prata para a atleta da Espanha; e a Joana Maranhão só sabe fazer polêmica, não? nadar não nada. E ouro para a Katinka, e o momento mágico do hino e das bandeiras subindo. “Olha lá o maridão!” diz o narrador quando a imagem fecha no marido da Katinka. Também... Um maridão desses empurra qualquer atleta!

Ainda consegui assistir a prova final, a do revezamento 4x100metros medley para homens. As equipes saem de um túnel todo colorido (não que eles não sejam estrelas). Vem Belarus, essas nações soviéticas ainda resistem..; vem Brazil zil zil veja que agradável surpresa ver a nossa equipe na final..; vem China, afinal em que final eles não estão? Vem Japão, sempre ocupando mais espaço na elite do esporte mundial. E vem Estados Unidos com mais um prodígio prestes a ganhar a sétima medalha de ouro no mundial (que tédio). Bem, a hora mais legal é quando esses trinta e dois homens tiram os agasalhos e se posicionam para nadar, mas infelizmente a TV cobre pouco dessa hora. E devo dizer: a natação é tão nobre quanto o atletismo, a prova foi muito emocionante mesmo com os americanos vencendo de novo. Depois ainda deu para ver um pouquinho dos atletas molhadinhos e ofegantes fora da água, uns comemorando outros com cara de cu, mas todos molhadinhos e ofegantes: é a segunda hora mais legal da prova.

Por fim, vim embora. Sem não antes conseguir dar um beijo na minha mãe, que chegou do trabalho ás oito. Na rua, é impossível não notar o desperdício de um prédio tão grande para um ladrão sem vergonha manipular um monte de otário. Na bilheteria do metrô ainda tenho que aturar a mendiga:
Mendiga: o senhor não teria uma moeda para me ajudar?
Eu: não, não tenho.
Mendiga: que deus lhe dê em dobro! (ou seja, nada)
Eu: que o universo te devolva essa praga que você está me rogando.
Eu: enche a boca com a palavra ‘deus’ e é essa vidinha de merda que deus está te dando?
Eu: não é porque estou recebendo o troco da bilheteria que estou com dinheiro ‘sobrando’.
Eu: aliás, eu sei lidar com dinheiro um pouquinho melhor que você, afinal é você que está mendingando e não eu.
Eu: viado.

Por fim, vou citar aqui o hino cristão que eu acho mais legal:

“Sou feia, mas tô na moda”

JESUS!
Ai ai
Ai ai hum!
Ai ai
Ai ai hum!

Eu
Fiquei três meses sem quebrar o barraco
Sou feia, mas tô na moda
Tô podendo pagar o hotel para os homens
Isso que é o mais importante

Eta lê lê
Eta lê lê
Sou feia, mas tô na moda

(Tati)


XOXO

10 de jul. de 2017

O DEDO PARA FORA DA COVA

Se antes ele tinha um dedinho que fosse para fora da cova, agora ele dragou-se de vez para as profundezas da santidade para sempre. Falei com ele pela última vez, me desculpando por ser eu mas. Agora é tarde para não ser eu.
Sigo até o dia de hoje acreditando no tempo, que ele cura, que eu devo “passar por esse processo” mas. Existem as fases da desilusão amorosa: o amor, a recusa, a desilusão, a raiva, a indiferença e por fim o nojo. Assim aconteceu com os outros homens que me apaixonei mas. Como ter raiva de alguém como ele?
No domingo eu estava fazendo macarrão com queijo, segurando as lágrimas porque o coração ainda dói muito. As lágrimas eram por não conseguir tê-lo e essa era uma falha, uma falta difícil de suportar e de carregar.

Um homem e uma missão. Eu tenho uma missão assim como uma mulher ruiva que viaja o país carregando um piano, para fazer as teclas chorar e emocionar a todos. Sim, porque sempre que ouço som de piano tenho a impressão que cada nota é uma lágrima. A minha missão foi cumprida. Publiquei três livros de literatura e isso é o mais importante, pois o dom que me foi dado foi o da escrita, pelo menos foi a esse dom que eu mais me dediquei. O esporte é uma ciência exata e embora eu sempre tenha demonstrado talento, talvez eu não me tornasse tão relevante quanto fui à literatura. Eu acredito que fui um escritor melhor do que atleta, se eu tivesse dedicado minha vida inteira para ser atleta. A música eu só a fiz no coração, não passou de intenção. Sei que nunca é tarde, mas é tarde.

Na segunda-feira eu vou embora. Casa nova, emprego novo, but if it’s not asking too much, please send me someone to love…

Passei menos de quinze dias na casa da minha mãe e é tão triste ser recebido como um estorvo, um inconveniente, um fracasso, porque eu tinha a obrigação de estar “ganhando muito dinheiro” e não precisar ficar na casa deles por parcos quinze dias. A incoerência é que eles não me deram educação suficiente para “ganhar muito dinheiro”. Se dependesse dos meus pais, eu estaria atrás de uma baia de telemarketing até hoje. Estudei sozinho para me formar em uma faculdade pública e estar cursando a segunda. Aprendi a falar inglês sozinho. É realmente desanimador o quanto eles não se importam com o meu bem estar, com a minha “felicidade”, dando palpites fora da realidade, da minha realidade. A literatura é uma loucura da minha cabeça, não? O hobby do atletismo universitário é apenas uma perda de tempo, tempo que eu deveria estar investindo em “ganhar muito dinheiro”. Não importa se o atletismo é uma das poucas coisas que me dá prazer e bem estar na vida, pois a única coisa que importa é “ganhar muito dinheiro”. Disse a minha mãe que estaria indo embora da casa dela pela última vez e que só voltaria morto, e eu não quis brigar com ela, só quis ser prático.

Agora eu consigo ter uma vertigem do quanto o atletismo é insignificante na minha vida. Porém, ele serve para matar o tempo. Domingo não fui fazer a musculação que eu deveria fazer. Passei o dia todo melancólico na cama, o que não teria acontecido se eu tivesse ido treinar. Passei o dia chorando em cima do macarrão por não poder ter o homem mais maravilhoso que já conheci, por não ter conseguido tê-lo por mais de três noites na minha vida. Essas três noites inclusive, são parte da minha “missão” na terra, e foram cumpridas.

Agora há a questão da escolha e da missão. Eu tenho muita dúvida se devemos fazer como os animais que, não antecipam a morte, apenas seguem o seu caminho até o fim. A minha gata está aqui me mostrando isso. Lambendo-se, tossindo, engordando, ela pode pular da janela alta com a cabeça direto no azulejo lá embaixo, mas não.
Será que eu devo apenas seguir em frente para ver o que está reservado para mim? Se há algo reservado para mim? Ou apenas me dar por satisfeito com tudo o que fiz até o momento tendo a elevada desconfiança de que o que virá pela frente será apenas repetição do que já aconteceu na minha vida. Ou seja, não acontecerá mais nada de diferente ou relevante e que a única coisa importante que eu tenho para fazer é contribuir para a saúde da previdência.

Eu não penso que é uma questão de gratidão pelo que a vida me deu até agora. Tenho um corpo perfeito (não estou falando de beleza), posso enxergar, ouvir, falar, andar, não tenho nenhuma deficiência ou limitação, tenho acesso a comida, água potável, tenho uma cama para dormir todas as noites (nunca houve um dia em que eu não tive uma cama para dormir e algo para comer na manhã seguinte). Além disso, sou branco, sou homem (apesar de gay), tenho boa aparência, sei me comunicar razoavelmente bem, tenho um QI acima da média e sou razoavelmente carismático.
Apesar de tudo isso, me incomoda viver. Dói viver. Meu coração dói e não passa, e está sendo difícil esperar a dor passar. É uma justificativa muito simples e plausível para eu antecipar a minha morte se assim eu vier a decidir.

Domingo á noite, eu compus uma música de rock após mais de uma década, acho. Eu tenho um buraco na pele do meu dedão da mão direita por gostar das cordas de aço do meu violão, teimando não troca-las por cordas de náilon para a prática.

Tocar e cantar ao mesmo tempo é uma tarefa difícil, porém possível.


XOXO