Se antes ele tinha
um dedinho que fosse para fora da cova, agora ele dragou-se de vez para as
profundezas da santidade para sempre. Falei com ele pela última vez, me
desculpando por ser eu mas. Agora é tarde para não ser eu.
Sigo até o dia de
hoje acreditando no tempo, que ele cura, que eu devo “passar por esse processo”
mas. Existem as fases da desilusão amorosa: o amor, a recusa, a desilusão, a
raiva, a indiferença e por fim o nojo. Assim aconteceu com os outros homens que
me apaixonei mas. Como ter raiva de alguém como ele?
No domingo eu estava
fazendo macarrão com queijo, segurando as lágrimas porque o coração ainda dói
muito. As lágrimas eram por não conseguir tê-lo e essa era uma falha, uma falta
difícil de suportar e de carregar.
Um homem e uma
missão. Eu tenho uma missão assim como uma mulher ruiva que viaja o país
carregando um piano, para fazer as teclas chorar e emocionar a todos. Sim,
porque sempre que ouço som de piano tenho a impressão que cada nota é uma
lágrima. A minha missão foi cumprida. Publiquei três livros de literatura e isso é o mais
importante, pois o dom que me foi dado foi o da escrita, pelo menos foi a esse
dom que eu mais me dediquei. O esporte é uma ciência exata e embora eu sempre
tenha demonstrado talento, talvez eu não me tornasse tão relevante quanto fui à
literatura. Eu acredito que fui um escritor melhor do que atleta, se eu tivesse
dedicado minha vida inteira para ser atleta. A música eu só a fiz no coração,
não passou de intenção. Sei que nunca é tarde, mas é tarde.
Na segunda-feira eu
vou embora. Casa nova, emprego novo, but if it’s not asking too much, please send me
someone to love…
Passei menos de
quinze dias na casa da minha mãe e é tão triste ser recebido como um estorvo,
um inconveniente, um fracasso, porque eu tinha a obrigação de estar “ganhando muito
dinheiro” e não precisar ficar na casa deles por parcos quinze dias. A incoerência
é que eles não me deram educação suficiente para “ganhar muito dinheiro”. Se
dependesse dos meus pais, eu estaria atrás de uma baia de telemarketing até hoje.
Estudei sozinho para me formar em uma faculdade pública e estar cursando a
segunda. Aprendi a falar inglês sozinho. É realmente desanimador o quanto eles
não se importam com o meu bem estar, com a minha “felicidade”, dando palpites
fora da realidade, da minha realidade. A literatura é uma loucura da minha
cabeça, não? O hobby do atletismo universitário é apenas uma perda de tempo,
tempo que eu deveria estar investindo em “ganhar muito dinheiro”. Não importa
se o atletismo é uma das poucas coisas que me dá prazer e bem estar na vida,
pois a única coisa que importa é “ganhar muito dinheiro”. Disse a minha
mãe que estaria indo embora da casa dela pela última vez e que só voltaria morto,
e eu não quis brigar com ela, só quis ser prático.
Agora eu consigo ter
uma vertigem do quanto o atletismo é insignificante na minha vida. Porém, ele
serve para matar o tempo. Domingo não fui fazer a musculação que eu deveria
fazer. Passei o dia todo melancólico na cama, o que não teria acontecido se eu
tivesse ido treinar. Passei o dia chorando em cima do macarrão por não poder ter
o homem mais maravilhoso que já conheci, por não ter conseguido tê-lo por mais
de três noites na minha vida. Essas três noites inclusive, são parte da minha “missão”
na terra, e foram cumpridas.
Agora há a questão
da escolha e da missão. Eu tenho muita dúvida se devemos fazer como os animais
que, não antecipam a morte, apenas seguem o seu caminho até o fim. A minha gata
está aqui me mostrando isso. Lambendo-se, tossindo, engordando, ela pode pular
da janela alta com a cabeça direto no azulejo lá embaixo, mas não.
Será que eu devo
apenas seguir em frente para ver o que está reservado para mim? Se há algo
reservado para mim? Ou apenas me dar por satisfeito com tudo o que fiz até o
momento tendo a elevada desconfiança de que o que virá pela frente será apenas
repetição do que já aconteceu na minha vida. Ou seja, não acontecerá mais nada
de diferente ou relevante e que a única coisa importante que eu tenho para
fazer é contribuir para a saúde da previdência.
Eu não penso que é
uma questão de gratidão pelo que a vida me deu até agora. Tenho um corpo
perfeito (não estou falando de beleza), posso enxergar, ouvir, falar, andar,
não tenho nenhuma deficiência ou limitação, tenho acesso a comida, água
potável, tenho uma cama para dormir todas as noites (nunca houve um dia em que
eu não tive uma cama para dormir e algo para comer na manhã seguinte). Além disso,
sou branco, sou homem (apesar de gay), tenho boa aparência, sei me comunicar
razoavelmente bem, tenho um QI acima da média e sou razoavelmente carismático.
Apesar de tudo isso,
me incomoda viver. Dói viver. Meu coração dói e não passa, e está sendo difícil
esperar a dor passar. É uma justificativa muito simples e plausível para eu
antecipar a minha morte se assim eu vier a decidir.
Domingo á noite, eu
compus uma música de rock após mais de uma década, acho. Eu tenho um buraco na
pele do meu dedão da mão direita por gostar das cordas de aço do meu violão,
teimando não troca-las por cordas de náilon para a prática.
Tocar e cantar ao
mesmo tempo é uma tarefa difícil, porém possível.
XOXO
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