2 de fev. de 2020

DESCER

não sei o que seria de mim
sem meus anti depressivos
eu aguento "just call me joe"da sinead
eu aguento "you may know him" da marshall
eu aguento tudo sozinho
e eu não sinto nem a febre
que vem antes do choro
o que terá acontecido?
o que queimou nosso filme?
hoje tenho agachamentos
com peso para fazer
tenho dois livros para entregar
eu não quero falar de sexo
porque ele parece que ficou
naquele filme que queimou.

um poema:


“Descer”

Mãe olha para baixo e vê a barriga murcha
O bebê se foi
O príncipe se foi

Fui dormir príncipe
Acordei uma pedra de gelo
E desci pelo ralo.


(Hugo Guimarães)

O gift de hoje é uma performance razoável de "Just Call Me Joe" da Sinead O'Connor"

XOXO

31 de jan. de 2020

COMO SE MELHORA O SALTO, MELHORA-SE A AFINAÇÃO






Vai-se a depressão
E vai-se o poeta?
Eu não sei cantar
E se eu aprender?
Posso rachar alguns espelhos
Mas o Nazarian ainda diz
Que sou um dos poetas bonitos
Que ele pegou
Tenho uma barriga para perder
E um maço de cigarro por dia
Para enfiar no meu traseiro
Hugo toma chuva
Mas entrega os livros
Um por um
Um por um
Sei que você lê esse blog
Sei agora
Só não sei como vou tirar
Do meu traseiro
A pessoa que você quer
Eu quero
Quero
Minhas pernas são enormes?
Minhas panturrilhas são enormes?
Por que o Lucas Jaeger já está saltando
E eu não?
Lucas Jagger lerá o livro
Lucas Jaeger lerá não
Lucas Jaeger lerá o livro
Lucas Jaeger lerá não
Até não sobrar uma pétala
Não vou ao Rio
Não dessa vez
E se o Rio
Vier a mim?
No prêmio Rio?
Meus dois anos
Imersos na cocaína
Foram resolvidos
Em dois meses
A internação funciona
E engorda
E lá você se corta
Mas não me corto mais, ok?
Não, não
Eu sou bonzinho
Bonzinho pra você
O atletismo
Ele de novo
Tenho ovos e esperança
São seis sessões de treino
Por semana
Que logo serão doze
Eu quero incomodar o Lucas Jaeger
E ter o corpo da Maria Abakumova (Google it)
Eu quero voltar ás aulas de letras
Falar grego como você fala seu português pobre
Ser um professor gay quarentão
Que saberá escolher roupas de muito bom gosto
Para dar as aulas
O gift dessa semana é uma performance de
“Batmobile” da Liz Phair.
Assim como se melhora o salto
Melhora-se a afinação.


XOXO

22 de jan. de 2020

SEIS HORAS DA MANHÃ


“Seis horas da manhã”

Eu quero ser uma senhorita
Do campo
Esfaqueada
Sangrando e repousando pela manhã

Eu sou uma mulher ruiva
Quando acordo
Arrancando bacon do porco
Amamentando uma espingarda de dois canos.


(Hugo Guimarães)

A gift:
Unravel, Bjork.

19 de jan. de 2020

PRIDE


#Trecho

Um louco motorista dobrou a Oscar Freire em alta velocidade e podia, podia parar, mas acelerou mais, para atropelar os comunistas de propósito. Tudo fora carregado como neve, mas como lixo ao invés de neve, entende? Mas eram cadeiras, salsichas, pernas humanas, braços, sapatos, sangue, pele queimada, pele arrastada pelo asfalto de uma forma que o asfalto gruda na pele, e você sabe como as enfermeiras tiram asfalto grudado na pele no hospital? Pois nem queira saber. Enquanto o trator de neve tentava empurrar toda aquela sujeira da frente, eu disse “é meu ônibus”. Gritei “espere!” e corri até a porta do ônibus. Bati na porta três vezes além de gritar. O motorista facínora abriria a porta muito mais facilmente para uma bela moça. Ele abriu a porta enquanto já esbravejava coisas como “esses putos vadios!”. Eu já desisti de argumentar com motoristas de ônibus, taxistas. Pensei “termine logo de empurrar o lixo e me leve para a faculdade”. Estômago; precisa estômago para viver uma situação onde o caos pode não justificar, mas explicar crimes e desentendimentos.

Aveia e proteína isolada.

Um rapaz bem vestido no ônibus, branco, com óculos de lentes redondas disse um tanto assustado “eu nunca tinha visto uma fratura exposta antes”. Sentei-me bem ao lado dele. Sentindo algo da raiva e apatia no coração bem sendo já costurado com agulha e fios, melado e gosmento; nojento, mas ficando curado, lá eu estava ao lado do rapaz, com a cara da Cyborg, a lutadora. Quando eu adentro o transporte público, sempre me sento ao lado da pessoa mais bonita. E você?
“Você sabe o que é pior do que uma fratura exposta?” o rapaz diz não e eu “fratura exposta na chuva”.

A gift:
St. Loius Blues, Billie Holiday




XOXO


3 de jan. de 2020

RETRAP

Eu sei. faz um longo tempo que não posto aqui. por desânimo. por não ter o que dizer. mesmo tendo o que dizer, mas é difícil difícil levantar da cama quando se te depressão, difícil fazer qualquer coisa. nesse período aconteceram duas coisas muito importantes. passei dois meses em uma clínica para dependentes químicos e acho que dessa vez me livrei do vício em cocaína. a experiência foi muito traumática. estar em uma clínica é exatamente como estar na cadeia. uma vontade infernal de fumar e os monitores só te dão um maço de cigarros por dia. A comida é ruim e repetitiva, mas devolveram meus 70kg, que é meu peso ideal. No fechar das cortinas contrataram um monitor novo que agride as pessoal, agrediu o melhor amigo que fiz dentro da  clínica, e eu prontamente liguei para a família dele para dizer o ocorrido para que eles pudessem, visitar e averiguar o que estava acontecendo. A clinica se chama Plenitude e fica em Itu no interior de São Paulo e não, não recomendo para ninguém.

no fechar das cortinas do ano, depois de um longa gestação e parto apressado, dei a luz ao meu quinto filho, a auto ficção "Igor na Chuva". Sempre maravilhoso publicar mais uma vez. O lançamente não foi mais cheio quanto eu esperava, mas mesmo assim fiquei satisfeito e estou começando a vender cópias pelo facebook.

Veja na íntegra, de presente, o primeiro capítulo do meu mais no pupilo:

 
Imagem de um martelo de arremesso.


Martelo de atletismo de bronze 7,26 kg 110 mm para lançamento. Pode ser usado em competições e treinamento. Cabeça com diâmetro de 110 mm com acabamento rígido de bronze (resistente à ferrugem) e núcleo de chumbo, peso e diâmetro precisos, formato esférico, equilíbrio perfeito e superfície totalmente lisa. Cabo de aço galvanizado com 3,2 mm de espessura e 987 mm de comprimento. Empunhadura curvada com suporte e anel de aço e apoio de mão de alumínio. Peso total (incluindo cabo e empunhadura): 7,265 a 5,285 kg.










































CAPÍTULO UM / Lambendo metal












Sou o último homem de uma geração de homens e eu não me importo. Só consegui pegar no sono ás sete da manhã devido ao ódio. Só ás dez eu consegui finalmente me arrastar para fora da cama. I can’t go on. Can’t go on. Everything I have is gone. Stormy weather. Stormy weather. Stormy. Stormy[1]. Inverno de país tropical tsc tsc. As orelhas da gata e meus pés evoluem a esfriar noite adentro. Tão repentino é como vem o frio. Ei, por que você não cobre essas orelhas, gata? Vá, me deixe cobri-las com o cobertor, não seja tão difícil, tão vaidosa. Por que gatos evitam os cobertores? Por que apenas deitar-se sobre um corpo é suficiente? Muita sorte, muita sorte que meu martelo de arremesso pesa sete quilos e duzentos e sessenta gramas, muita sorte. A sorte é que eu não me deito toda noite em uma cama de madeira, mas em uma cama macia. Desta forma, o martelo não vem rolando até a minha cabeça, pois ele descansa na maciez, sabe? Se fosse uma cama de madeira, teria eu um problema; desde que me viro para a direita, esquerda, para cima e para baixo e mesmo assim a gata que pesa oito quilos mantém-se por cima de mim seja qual for a posição em que me mudo, me aquecendo tanto a gorda peluda – daí com todos esses movimentos o martelo rolaria contra a minha cabeça (Sim, eu durmo com o meu martelo). Corpo tão quente e orelhas ainda tão geladas, é muito desproporcional ao ser humano, desisto de entender gatos, mas. Devo assumir que o que de fato tirou meu sono foi o ódio, o ódio que eu sentia. / .

Deve estar muito frio lá fora, meu quarto virou uma sauna natural, nunca abro as janelas. Não abria tanto antes e não abro desde que a chuva começou. Tão longas chuvas. Vivo em uma cidade onde chuvas de dez dias seguidos acontecem (Não como essa, que já duram sete, chovendo vinte e quatro horas). Desconfio ter algo em mim que quer mudar para Lima, mas não o faria porque lá está cheio de peruanos. [deus. Ó deus e. E se essa chuva não parar nunca como andam dizendo? Lima é tão alto, não? Lima fica nos Andes ou fica ao nível do mar? Deus... A coisa é que teremos que nos tolerarmos lá em cima nos Andes. Deus... Logo não haverá mais vazão para tanta água em cidades a setecentos metros acima do nível do mar como essa que estou. Fingir é uma tática? E se eu encontrar os mesmos peruanos lá em cima? Os que eu tive desavenças recentes? Ei, o que você está fazendo em nosso país seu xenófobo de merda? Por que não tenta sobreviver na sua cidade amiga dos gays, amiga da assepsia, em uma boia colorida com cabeça de girafa? Seu veado de merda!] Uau! Que pesadelo. Mantenho as janelas fechadas por causa das suas orelhas geladas, amada gata. Preocupo-me também que fique toda gelada. Passo quase o dia todo fora de casa. Obrigado. Eu sabia que você entenderia por você me dever tanta gratidão por eu ter tirado você de um orfanato, você se lembra? hehe, é o que eu sempre lhe digo quando você me olha com essa cara turrona. “Eu vivo há tanto tempo com você porque você não sabe falar”. Hehe, pensei até em te homenagear no Facebook com essa frase e um retrato seu mas. Ai, o feminismo... Pensando que você é uma fêmea, minhas amigas feministas me chamariam de misógino, iriam facilmente concluir que quis dizer que todas as fêmeas passam melhor caladas. Um equívoco. / .

Quer? Você quer saber o que eu tenho a dizer sobre mulheres? É que gosto de homens, homens, homens. Deus ó, homens, homens e homens, pois. Uma nuvem escura do meu tamanho flutua aqui sobre mim nessa cama. É o que minha tia bruxa (ou médium) diz sobre as más energias que me mantém muito tempo na cama. É como se o carma, a paixão, o sentimento. A nuvem é uma forma física da minha pessoa sonhando, não subtraindo, mas dando energia para seguir na cama, esfregar as mãos e as pernas nessa cama sem lençóis. Até quando vai continuar esse sonho? Fui eu, fui eu uma má, uma má feminista na passada vida? Esse carma. Eu sonho acordado, é o pior jeito de sonhar. Mencionei que não tenho sorte? Sorte com homens? Vá facilitar a loucura, digo a mim mesmo. Tome alguns remédios para o cérebro, abandone os remédios, retome, abandone de novo, e repita e ciclo – é um trator que não consegue empurrar tanto entulho, com tanta chuva. Ei garoto, preste uma breve atenção: dou-lhe um doce se você encontrar alguns pênis nesse exercício literário que faço. Sim, alguns pênis em perfeita ereção, é um jogo de adivinhação e. Bah! Desconsidere, essa camiseta cheia de esperma seco nessa cama faz com que ás vezes eu me sinta mais ainda cansado e humilhado como ao ser espancado por um homem gay passivo; e o agravante do mal estar de me encontrar dando uma bela lambida na cabeça do meu martelo coberto de bronze. É... Uma bela de uma lambida enquanto abraço o cabo do martelo. / .

Por acaso esqueci-me de mencionar a sujeira? Esqueci-me de mencionar o suor? Ou mesmo urina de gato? Claro, eu deveria primeiro revelar a febre, que passeia por mim durante a noite, e que também dificulta meu sono; creio que é a negligência á própria saúde, acho que é o metal, a contaminação que devo ter já sofrido por lamber a cabeça do martelo por alguns anos. Sim, pois eu lambo com tal força que me dê um gosto temperado aceitável do bronze, que me satisfaça, e me acalme. Por suar raiva, por sujar tecidos com pomada para acne mas. Agora sofro uma melhora, eu, a pele está mais calma, meu rosto está melhor agora. Sabia que o cheiro do seu suor é pior se você está sentindo raiva? A expressão “Suar raiva” vem disso, é uma cultura útil que aprendi com uma colega enfermeira. Eu sim. Eu suo muito raiva, mas ok. Faço isso muito na musculação, na pista de atletismo; de outra forma eu já teria me tornado um homem bomba se não suasse toda essa raiva por lá, aposte. Ok vá embora, homem. Vá embora, homem bomba. O homem árabe que esteve por ultimo na minha cama, nunca mais voltou, nunca conversou mais. Que bomba. Que descontentamento bombástico. Meu último namorado me disse sobre meu suor, mas só disse depois que eu o abandonei. É... Mesmo cheirando como um porco eu é que o abandonei, não o contrário. Talvez ele gostasse do cheiro secretamente. Gosto, opinião. Veja lá como os europeus cheiram tão naturalmente e está tudo bem, veja. Gosto. Outro dia, um rapaz começou a fazer sexo oral em mim; ficou lá por um tempo e cuspia, continuava e então cuspia de novo. Merda. Apenas pensei “Que bela merda”. Tentei depois empurrar minha espinha para baixo para tentar o auto sexo oral mesmo sabendo que jamais consegui, para checar se o gosto era de fato tão ruim, pois que. Logo depois veio outro rapaz e ficou me fazendo sexo oral por meia hora sem cuspir uma só vez. Homens (...). Veja Drácula, amigo; suga sangue do pescoço e sai sorrindo, não? Homens.../.

Quando vou a um encontro sexual, eu normalmente não me banho, apenas lavo o pênis em uma pia. Assim como um homem. Assim como um hétero? Não, mas apenas como um homem. Qualquer homem. Eu não sou um homem? Imagine uma mulher negra, filha de escravos, na América dos anos de 1900, tentando participar de um movimento feminista argumentando “Eu não sou uma mulher?” com aquelas senhoras brancas de longas saias. Claro que ela é. É o mesmo que digo aqui. Eu não sou um homem? Um homem estranho, mas ainda um homem. Veja: ainda sobre cultura útil, eu sempre respondo para a enfermeira com cultura inútil, sou o rei da cultura inútil hehe; Eu lembro que disse a ela sobre o processo de antropoformização, processo esse em que um animal tende a sentir-se e agir como se fosse um ser humano. Os veterinários dizem que é muito comum acontecer em animais domésticos que não tem contato com outros animais. Faz sentido ao que determinado animal desse tipo deve pensar “se só há seres humanos à minha volta, então eu também sou um ser humano!”. Eu não me comporto como um animal e não sofri o processo de zoomorfização, perdão lhe desapontar se você pensou que era isso que eu ia dizer na sequência. O que eu ia dizer é que sofri um processo similar quando fui aceito na melhor universidade do país, quando comecei a treinar atletismo por lá e por consequência conviver com garotos tão bonitos todos os dias: acho que passei a achar que eu também era um garoto bonito e, logo, ter “acesso” a eles. Apenas não, apenas não sei explicar, desde que sou um ser como o macaco e sim, eu vejo o meu próprio reflexo no espelho. / .

E quanto ao tempo? E quanto ao limbo, de novo? Costumo finalmente perceber que preciso sair da cama quando o telefone vibra. E ele vibra de prima quando é meu gerente escrevendo ou ligando. Quando estou na cama sonhando acordado, não consigo perceber que devo chegar ao trabalho no mesmo horário que os demais, juro, eu só percebo o prejuízo quando estou de pé e vestido, penso que é o estado de “pré-mania” como disse a psiquiatra por último. De pé e vestido para já começar o dia sentindo culpa, se o dia já não tivesse começado ruim por ter de acordar sozinho. Por que não? Por que não posso ter um comportamento romântico? Por que, querido amigo homo? É utópico demais o desejo de amar alguém? O desejo de ter alguém para conversar? Ter um e apenas um parceiro sexual? Ter ciúmes? É muito másculo, muito alfa, não? O problema, a doença do gay moderno é desejar comportar-se, parecer um homem hétero, certo? Ganhar belos músculos como um, vestir-se como um, esconder, tentar imitar como tal fala, conversa, para então não objetivar ser aceito por uma sociedade tal, conservadora, mas para ser aceito por outros homens gays. Essa lamentável doença também sintoma de safar-se, de agradecer a tal sociedade por não ser espancado, ou espancado até a morte apenas por ser gay. Você anda lendo muito Foucalt ou não anda entendendo muito bem o que ele diz? Ou só anda aos nervos porque um homem gay com uma atitude um pouco mais masculina que a sua não quer mais ir para a cama com você? Você é muito jovem? Anda se comportando como uma feminista genérica? Somos uma gangue? Todos os homens gays juntos formam uma gangue? Temos de comportar-nos igual? Onde está o raio da pluralidade? Veja quanta gente hétero, ninfomaníaca, que não almeja a reprodução, frequentam clubes de orgias. Eu quero ir. Eu quero ir para a orgia bissexual. Eu quero ir para o carnaval mas. Apenas até eu descolar um marido, ok? . / .

Morto de bruços, eu me viro, eu olho para o teto e quero morrer (como se não fosse melhor morrer de bruços). Acho que é aquele garoto. Por. Quando penso nele lembro que eu queria dizer olhando bem nos olhos dele: “Eu não acredito que só existem sete maravilhas no mundo”. Isso acontece depois de uma masturbação, a qual inclui o imaginário de sexo real com homens feios, com homens até bonitinhos e fantasias com homens realmente belíssimos como o sonho virando verdade. Imaginar para ajudar a imagem a se realizar, como o budista recomenda, não funciona. / .



[1] Trecho da canção “Stormy Weather”, escrita em 1933 por Harold Arlen e Ted Koehler

9 de jul. de 2019

JULIA

Leia abaixo "Julia", um conto inédito de Hugo Guimarães:

“Julia”

            Ipswich, Inglaterra, 1963:

            Sabe aquela canção de Lennon & McCartney chamada ‘Julia’? Pois bem, aquela Julia sou eu, e não a Julia Lennon como muitos acreditam. Bem, eu também devo dizer que fui estuprada e assassinada antes de tudo e você sabe como é isso, Hugo? Pois nem queira saber. Não conhece essa clássica canção dos Beatles? Bem, é que estamos todos tão habituados a chamar qualquer canção dos Beatles de clássico que. Bem, talvez não seja essa um clássico visto que você muito provavelmente não a conheça se você não é um fã dos Beatles mas. Bem, é bem melhor do que ser a ‘Jude’ não? Ei Jude... Ei Jude o quê? Hehehe quá quá quá. Aquela ‘Jude’ sempre me faz pensar em uma mulher velha, além do mais eu não gostaria de ser responsável pela pior canção dos Beatles, um grande desapontamento para mim seria, mais do que me tornar a mulher velha que nunca fui.

            Era exatamente assim. Metade do que os garotos dizem, não faz sentido. Ah sim, o primeiro verso da canção ‘Julia’ dos Beatles é assim: ‘Half of what I say is meaningless’; prosseguindo, eu diria ‘Metade’? Não, não diria, mas. Muito do que os garotos dizem não faz sentido. Sentido algum. Era por causa do meu suor, meu suor pós-treino, do treino de voleibol e. O como eu costumava ir para casa, ir em direção à parada do ônibus com aquele suor ainda em mim, e com a minha mochila nas costas, essa com um chaveiro com bichinho de pelúcia pendurado, balançando enquanto eu andava, e meu cabelo, voando por cima da cabeça com o vento e. Aquele suor lentamente secando sob as minhas panturrilhas, minhas panturrilhas nuas, á mostras, e os garotos as vendo... deus... Céus...

            São Paulo, Brasil, 1995:

            Sendo eu feminino, parte louco, tendo de fingir ignorar um homem rude que me olha ele rude eu feminino, ele que eu vejo com o rabo do olho; Sento no lugar do ônibus onde eu melhor posso me esconder, e tento esconder o meu rosto de doze anos de idade com o boné.
            Acho que essa face sugou a barba. E não vai vomitar de volta. Então vou eu evoluir á paranoia quando adulto, me punindo com fome para combater essa ascendência indígena que faz dessa face um tanto redonda. Fome, só fome para sugar essas curvas dela. E o terror de ser um homem e ter de provar que sou um homem fez meus testículos retraírem-se, esses que viraram ovários, “Ovários ao coração, pelo menos”. Diga algo, a esse jovem garoto que nada vê, nada percebe. Sim, mesmo assim devo dizer que pensamentos destes andavam comigo, naquele período bem breve em que eu me sentia como uma garota.

            Ipswich, Inglaterra, 1963:

            Visto que eu era uma lésbica, e uma lésbica nos anos de 1960, nos interiores da velha Inglaterra, eu sempre quis me mudar para Londres. E eu quis ainda mais quando me apaixonei pela Carla. Sim, ela era brasileira, por isso tinha esse nome estranho; Londres e mais que isso, Londres com a Carla. Décadas atrás, tinham já construído muitos prédios em Londres, não tão altos, é claro e. Droga... Os apartamentos eram tão pequenos e caros para nós, garotas que éramos, tão jovens e. Mudar-se, mover-se, fugir, fugir, eu tinha de fugir, queria pelos infernos deixar a casa dos meus pais e. Essa é a natureza do homem, não? A viagem, quero dizer. Desde que as primeiras histórias escritas pelo homem falavam tanto de viagens, não? A Odisseia, Camões, deus... Acho que não estou só; Muitos dos homens querem apenas dar o fora de onde estão de onde pertencem, não há nada de nobre nisso; digo, nada de nobre em desbravar, enfrentar o mar, com chapéus bonitos, espadas, nada de nobre, era apenas um desejo muito primitivo de ir embora, dar o fora, ou até desaparecer, eu estava preocupada, preocupada com o mar que eu estava por enfrentar, Carla, aquela exótica garota; Eu queria fugir de casa para me juntar mas. Eu era jovem e verde, mas eu sabia que eu não podia fugir de quem eu era. Tampouco desaparecer.

            São Paulo, Brasil, 1995:

            Eu evito olhar para o lado de fora, pela janela do ônibus. Por gosto, evito olhar para qualquer lugar onde alguém haja. Sei, sei que essa extrema vaidade embaixo do boné é fêmea, e isso só gera um sentimento estranho, um contorno, sombra, cheiro, alma sei lá, de garota em mim mas. Você não consegue perceber que esse boné é talvez muito grande para a sua já grande cabeça? Tem uma propaganda desenhada nele de algo que você sequer conhece, já lhe ocorreu? Ah, sei, você gostou da cor (...). A parte dura desse boné barato também não é flexível e a parte de trás não é fechada, tem aquela bandagem de plástico que ajusta ao tamanho da cabeça, não consegue ver o quanto você fica ainda mais feio com ele? Melhor seria não usar nada na cabeça. Ah, esqueci que seu corte de cabelo consegue ser ainda pior e isso você sabe bem por que, não é? Sim, você ainda tentava não cortar mais o cabelo do jeito que o seu pai mandava; algo grosseiro e tanto ilógico, posso bem ver nessa imagem: um garoto afeminado com um cabelo mal cortado por uma cabeleireira rancheira que não deve conhecer mais do que duas formas de cortar os cabelos de um garoto e não havia uma cabeleireira melhor naquela lamentável vizinhança suburbana. Também as roupas eram tão inapropriadas quanto, o quanto ilógico: eram roupas mais que de garoto, eram roupas de “mui” garoto. Mas se você não é “mui” garoto, roupas de “mui” garoto não lhe vestem lá tão bem, pois. Eu parecia uma garota em roupas de “mui” garoto, uma garota negra que fuma crack no centro da cidade, usando roupas de garoto para evitar o estupro ou; uma garota mestiça indo a cortar cana-de-açúcar com as mesmas roupas que homens iam a, pois é inapropriado e pouco lógico cortar cana-de-açúcar com roupas de mulher, mas era eu uma jovem garota da cidade, pois. Podes ver? Lá eu me encontrava em um episódio de problema de gênero, adentrando o ônibus, ás vezes, muitas vezes descendo no ponto errado por evitar pedir informações a estranhos, para não ouvirem minha voz de garota, não verem meus gestos de garota, o quanto eu movia os braços enquanto falava e o quanto o todo isso eu ignorava mesmo então. Havia os garotos negros rindo de mim do lado de fora do ônibus e era o que meus pais me diziam sempre: ignore os problemas, como um homem.

            Ipswich, Inglaterra, 1963:

            “O mundo desmoronando de novo”; bem... Não são as nevascas, nem os velhinhos em Taiwan morrendo de frio, pois se esqueceram de se agasalhar porque não perceberam que o frio chegou, é mais patético que isso, é aquela garota. A que eu queria que espalhasse pomada na minha panturrilha pós treino, devo eu estar voltando á adolescência, quase isso, tenho vinte e dois e talvez seja eu muito velha para aquela garota, não sei bem, fico procurando imperfeições no meu corpo para encontrar algo para culpar mas. É só o mundo desmoronando de novo. Já aconteceu antes e. Quando os fortes ventos e as fortes chuvas começaram a jogar as casas de madeira para o ar, um pedaço de teto de madeira parou bem perto de mim e lá me segurei, me abriguei e foi como me segurei na vida por toda a adolescência. Relaxe e respire fundo, não vai ser diferente especialmente agora.
            “As imperfeições estão na minha mente, não no meu corpo”.
            “Eu quero viver deliciosamente, como uma bruxa selvagem”;
            Devo essencialmente dizer que Carla me deixou tão rápido quanto me teve, quanto veio á minha vida, sugerindo planos, sugerindo Londres. Eu, inocentemente, dizia a ela coisas como “Odiar homens? E por quê?” – Perto dos meus ovários, do meu útero, há principalmente o estômago; lá é vazio e escuro, e há um canhão de luz no chão, o que sugere, o que leva um ato. Lá dentro também, há um homem de lata e ele está terrivelmente solitário, isolado, miserável. Ele se debate pela epilepsia e faz um barulho que tira meu sono, me machuca (Está ok para explicar a depressão?)
            “Eu não quero viver um ato”
            “Eu quero viver deliciosamente, como uma bruxa selvagem”.

            O diabo em forma de bode preto veio a mim e disse ‘Como queira... Você viverá como uma bruxa selvagem em São Paulo, no Brasil, no corpo de um homem. Mas não deliciosamente. Tudo ao seu tempo. Vamos cuidar disso na próxima vida’.

            São Paulo, Brasil, 1995:

            Sonhar acordado. É o que faço em muito do tempo em que pareço um idiota na face. Os meninos altos da escola, as meninas, todos riem dela, da face, por eu parecer um idiota, mas é só porque estou sonhando, entende? Não sou um idiota, posso ser legal, fazer até piadas, praticar esportes mas. Mesmo minha mãe pensa assim e o pior: ela é uma mulher idiota que acha seu filho um idiota.
            Quando você vai deixar de usar este boné ridículo, garoto cafona? Ah sim, quando você tiver cabelos o suficiente para esconder a cara, certo? Nenhuma resposta... Desculpe entrar nesse flashback mas, esse cafona garoto nunca abre a boca para nada, aliás ele foi educado, treinado para tal. Os prédios passando do lado de fora do ônibus... Essa sim é a cidade, não o subúrbio feioso e selvagem onde ele vive, até os prédios o assusta se quer saber, é como se ele temesse que algum prédio o perguntasse algo, falasse com ele e temia responder pois temia falar, contudo. Um prédio bem grande com pernas sentaria ao seu lado no ônibus e comentaria ‘Como está calor hoje, não?’, mas o garoto, o cafona garoto primeiro diria ‘Han?’, tal exclamação é a primeira manifestação sonora, de susto, que ele emite quando uma pessoa estranha o dirige a palavra. Provavelmente, logo depois ele responderia ao prédio ‘Hum’, o que significa uma tímida afirmação, seguida por um cafona sorriso, como um sorriso de Judeu, sabe? Aquele cafona garoto sorria como um Judeu mesmo sendo um falso católico, algum padre hipócrita lhe respingou uma água suja na cara quando bebê e nada havia de santo naquela água, nada de bênção na mão daquele comum homem e eles nunca dizem francamente, abertamente, didaticamente que aquela droga de ritual de batizado é apenas simbólico, e nosso garoto falso católico foi forçado a estudar o catolicismo por sua mãe, falsa católica idem, e nunca aprendi nada a não uma sensação de estar sendo observado por deus, especialmente durante a masturbação, a paranoia leve, e então o prédio com pernas não diria mais nada, viraria os olhos para cima, se levantaria e iria sentar se um outro assento onde não houvesse alguém tão idiota, mas uma pessoa em que se pudesse talvez conversar.
            Sonhando acordado embaixo do meu boné feio eu estava, estava sim. Depois que um estranho fala comigo, a febre no meu rosto passa em alguns minutos. Tenho um pouco de dor de cabeça, pois meu cabelo abafado passou a noite anterior preso em lotes de cadarços de tênis, sim, pego eu seis ou sete cadarços de tênis e amarro com força pequenos tufos de cabelos para que eles cresçam mais rápido. (...) Meu sonho sempre foi ter cabelos compridos, mas eu sabia que meu pai os cortaria quando crescesse, ele sempre o fazia. Uma mulher velha me perguntou uma informação, mas eu estava tão catatônico enquanto sonhava, gaguejando ao ser incomodado como sempre, eu disse a ela para descer no ponto errado. O comportamento idiota está tão anexado a bondade que eu não era apto a dizer ‘Não sei o que você está perguntando, não posso lhe ajudar, desculpe’.
            Garoto cafona, seu completo imbecil: você não percebeu que durante a viagem do ônibus os prédios repentinamente viraram árvores? Sim, percebi, acalme-se, por favor. Eu percebi, percebi que de repente a paisagem lá fora era de árvores ao invés de prédios, mas, você sabe, na minha mente completamente imbecil, eu pensei que magicamente outros prédios viriam depois das árvores e eu desceria no ponto certo. Minha mãe me disse para perguntar ao trocador do ônibus sobre o ponto, eu deveria ter perguntado a ele sobre as árvores, mas eu estava envergonhado de falar com ele por causa da minha cara de garota, minha voz de garota, meus atos de garota e como eu falava com as mãos o tempo todo e.
            E nada! O ônibus finalmente parou na droga do zoológico, que fica bem longe. Parabéns, idiota. Agora você não tem dinheiro nem informação para retornar ao ponto onde deveria ter descido, onde você deveria se candidatar a um emprego de empacotador de supermercado aos doze de idade, ok, ok, sabemos que você não precisava de tal emprego, aos doze, mas seu pai acha que você deve trabalhar imediatamente porque ele foi uma criança trabalhadora do campo. Aquela criança trabalhadora do campo tornou-se um psicótico homem adulto e este é seu pai, a quem ligaste de um telefone publico em frente ao zoológico pedindo ajuda, pois claro, você não podia abrir a boca para pedir informação ou ajuda a ninguém. Quando seu pai chegou de carro para lhe apanhar, ele lhe espancou com desnecessária força, ao modo que seu boné cafona voou longe e caiu na rua, enquanto as crianças com pipoca na fila para entrar no zoológico, ficaram assistindo aquela cena e aquilo era muito mais legal de ver do que macacos, elefantes, girafas. Depois de eu ser muito espancado, as crianças jogaram amendoins para mim.
     
Ipswich, Inglaterra, 1963:

            Logo o mundo parou de desmoronar. Eu me virei até que bem. Não desmoronei também. Os nossos amigos da ONU vieram recolher os destroços, limparam tudo, trouxeram água, e tudo acabou até que bem. “Hoje estou tão feliz, faz sol, sinto como se o mundo inteiro fosse uma fábrica de chocolate”, eu estava andando por aí com a minha mochila nas costas, com o chaveiro de bichinho de pelúcia balançando com ela, minhas panturrilhas grandes, indo a treinar; então, naquele dia, os garotos me interceptaram.

            São Paulo, Brasil, 1995: Uma Desobediência.

            A semente do mal estava plantada. A semente do mal estava plantada em mim.
            Você sabe a parte boa e a parte ruim de ser um idiota? A vulnerabilidade, é claro. Sendo um, você pode ser facilmente oprimido e acorrentado, mas também pode ser facilmente convencido a praticar o mal, a desobediência, o deboche e fálica visão política ou “cegueira política”, se assim o queira.
            A planta que eu viria a ser crescida era exótica e nunca iria dar nenhum fruto. Você sabe do que estou falando, não?
            Ó meu deus, como estive quieto por tantos anos. Como chutei a bola para fora do gol. A treinar futebol e ter de aceitar aqueles garotos me insultando no treino. Eu nunca pude responder porque há algo, algo dentro da minha boca que me detém, detém a palavras mas: naquele dia, naquela quente dia eu teria uma voz, foi o que eu pensei quando dei o sinal para o ônibus.
            E isso é um sonho.

            Um homem e uma mulher. Um homem. E uma mulher. Não eram bem as bíblias de bolso que eram distribuídas nas escolas públicas nos anos 1990. Sim, fizeram isso. Nesse laico estado. Nesse hipócrita estado. Nesse tolo estado. Nesse selvagem estado. Até que não é estado, na prática. Bem, não eram as bíblias de bolso, mas eram as mentes, as mentes daquela comunidade, daquela comunidade suburbana, era meus pais, o homem da padaria. Um homem e uma mulher e se você não pode ser um homem, então você só pode ser uma mulher e foi como eu pensei que eu deveria ser uma mulher, ou me tornar uma aos doze, entende?
            Um homem árabe? Um homem árabe ensinando catecismo? Um homem árabe ensinando catecismo para crianças? Soa estranho, mas não soa estranho desde que esse não é um estado, mas habitat do homem neolítico, talvez. Pedofilia não soava assim tão mal porque eu sabia o que era o sexo aos doze e eu queria muito, mas muito ser tocado por aquele homem árabe professor de catecismo.
            E isso é um sonho.

            Desculpe, sinto muito desapontar todos vocês. Mas não rolou. Pois eu era um freak na essência e para mim estava ok morrer naquele momento. Pois eu estava apenas apaixonado por aquele homem e eu podia fazer qualquer coisa por ele, o que ele me pedisse. Além de ser um idiota, eu era um adolescente e é assim que os adolescentes amam.
            Homem árabe: Tem certeza que você quer fazer isso?
            Eu: Tenho.
            Quer saber? Não há mesmo razão para alguém fazer algo assim. Assim como não há explicação lógica para o amor, se você pensar racionalmente. Eu já andava meio triste desde o meu aniversário em onze de abril, quando meu pai passou o dia fingindo que não era meu aniversário e quando eu perguntei sobre meu presente ele respondeu, rude como sempre, para que eu não o perturbasse e me deu dinheiro para que eu comprasse a droga do presente, e a pior parte disso tudo é que eu de fato comprei o presente. Eu era uma criança imbecil capitalista e materialista, do contrário eu deveria ter dito para ele enfiar aquele dinheiro no cu. Ele quebraria meu maxilar, mas ok, é assim que se aprende a se expressar de acordo com o que se pensa e o que se acredita, mas eu não era capaz de pensar e/ou acreditar naquela época. E também eu fiquei tão tocado pelo que aconteceu em Oklahoma City dias depois que eu...
            Bem, se a última refeição da sua vida, no corredor da morte, não pode custar mais do que vinte dólares então por que eu deveria ter dinheiro para gastar no aniversário, não?
            Sim, entrei em um desses ônibus cheios de São Paulo com o colete de bombas e matei um monte de gente como prova de amor ao homem árabe e de ódio ao estado, seja lá o que isso signifique.
            E isso é um sonho.

Ipswich, Inglaterra, 1983: Um aniversário.

Uma segunda Julia, ouvindo Joan Jett o tempo todo, trancada no quarto, me ocorreu. Segunda-feira, o pior dia para um aniversário, estava a chegar e na sexta-feira antes, Julia decidiu recusar a fútil festa de aniversário que ela tem todos os anos. Tocariam Cindy Lauper na festa, tocariam alto e isso não é o pior, mas as primas, as cafonas, dançando ao som. Ok, certo, não certo, bem dizendo, e seu eu não aparecer na minha própria festa? Vou para um hotel pequeno, vou comprar um bolo de chocolate branco pequeno para eu só; sim, pois minha mãe não gosta de bolo de chocolate branco e ela é tão egoísta que escolhe o sabor do bolo todos os anos. Além disso, ela não sabe fazer um bolo bonito. Lembra-se do meu aniversário três anos atrás? Ela fez um bolo tão feio que as meninas da escola até tiraram fotos dele, e fizeram bullying comigo por causa daquele bolo por um ano, tiraram até fotos de mim soprando a vela. Além do bolo, vou comprar a cerveja cara que eu gosto, só para eu só, melhor do que ter de tolerar meu pai embebedando-se com litros daquela cerveja barata que parece água para mim, como vodka parece água aos russos e. Ah, sim, eu estava quase esquecendo de dizer um detalhe muito importante sobre mim: Sou heterossexual.

Deixe dizer um pouco sobre mim: Algumas vidas atrás eu sequer podia imaginar, mas agora eu me vejo como uma parte de um mundo perverso e feminicida, onde o cheiro de toda a nossa massa vaginal chega ao meu nariz como nunca. Assim, eu observo e admiro algumas mulheres que são estranhamente, desafiada mente vivas. Nossa tola cultura de compartilhamento de informação de tinta de cabelo começou a imprimir em mim a imagem de uma dominatrix – uma figura devorante que ri do casamento, ‘da produção masculina independente de cadeiras e da produção feminina de bebês’.
            Mais: os desencontros e os infortúnios do amor ou da foda; ou amor e foda, não fazem de mim uma pessoa que odeia mais a vida, mas uma pessoa que se odeia ainda mais. Agora que estou completamente sozinha e ok, sinto falta de mim mesma quando eu era completamente humilhada pelo meu amante, um idiota. Eu coleciono feridas nessa vida medíocre que tenho levado por anos. Só tenho ressentimentos.

            É o vício. O que há de se fazer? Fui durante todo o caminho pensando o que eu ia escrever na minha placa do protesto das feministas. A vadia. A vadia não vai pensar numa frase melhor que a minha dessa vez, não dessa. Eu odeio a Cindy Lauper, puta que o pariu!! Pensava eu no momento em que prestava uma felação a um homem, no carro, no encostamento da estrada. É o vício... O que há de se fazer?
            Minha prima Martha vai á minha festa de aniversário, claro. Martha, a católica. Trouxa. Sei que foi ela. Me mandaram uma carta, com um nome de remetente qualquer, mas sei que foi ela. Dentro da carta havia um papelzinho escrito ‘Hipócrita’, nada mais, veja se pode... Que ódio, fiquei até com febre. Veja bem, por essas e outras eu tive uma brilhante ideia e resolvi ir á minha própria festa.
            Meus poucos amigos, eles me dizem o tempo todo que devo ser feliz, e eu não consigo fazê-los acreditar o quão triste sou, e o quanto estou desapontada e decepcionada com a vida. Eles não conseguem me levar á sério, não conseguem; e eles dizem ‘Você nunca dá festas, Julia’.
            A razão disso é muito simples: festas sempre me deixam doente do estômago. O dia seguinte me traz o início de uma sequência de dias nada festivos, e nem mesmo me pergunte “A constante busca por dias festivos me faria doente para sempre”.
Convidei todas as garotas e não me opus a minha família.
            ‘Esse é o seu vestido de domingo!’ minha mãe disse, referindo ao vestido azul claro florido que usei uma única vez, eu acho, e também acho que foi na segunda-feira, não no domingo que usei. Pois bem, eu nunca vi tanta felicidade antes em alguém. Dentro daquele vestido, eu estava dizendo sim para ela depois de tanto tempo de desaprovação, desacordo. E também eu estava trazendo amigos para casa, opondo-me á minha natureza de nunca trazer qualquer tipo de felicidade para casa. Até minha carga falsa e cínica não estava comigo: eu não estava usando batom.            
            A mãe, secretamente: ‘Como esse vestido engorda a Julia... Eu não havia reparado antes’
            O bolo:
            - Choc
            - Essa massa já com essência de morango... hummm
            - Chocolate br
            - Olha o tamanho desses morangos para decorar
            - Chocolate branco!!
            - Essa calda caramelizada vai harmonizar tão bem com esses morangos e
            - Por que não coloca uma banana e dois ovos em cima do bolo também? Palhaça! – esbravejou Julia deixando a cozinha.
            A mãe, pálida. Pálida ficou. Nunca tão pálida.        

***
           
            Começou o inferno. Chegou um, dois, os tios gordos, essa formalidade conservadora que detesto. Os gordos com olhos gordos para a minha circunferência abdominal. Sim, estou gorda mesmo, mas vocês não vão dizer, certo? Melhor passar a semana seguinte comentando, mas não vai ter semana seguinte, seus leitões! Ah! A Martha, claro que ela não iria faltar.

            A política.
Ai, ai, quando é que o I.R.A. vai jogar uma bomba na Margaret Thatcher, hein?
            Martha: ‘Ridícula... Que tipo de gente simplesmente se senta em uma cadeira para ler jornal durante a própria festa de aniversário? Com todos os amigos e a família para dar atenção?’
            A mãe interviu:
            - Já tomou seu antidepressivo hoje, Julia? A que respondeu:
            - Já foi á puta que o pariu hoje?

            A Cindy Lauper.
            Eu sabia! Sabia que a filha de puta da Martha ia pedir para tocar essa merda. Caiu uma lágrima quente na minha bochecha, não pude evitar, mas. Pois dance, dance, vá explodir de alegria.
            Alegria mesmo é o meu primo safado usando a pélvis para dançar esse sonzinho ridículo. Só não vou chupar lhe a piroca porque ele vai querer ficar me pegando, pegando na minha circunferência abdominal, especialmente; e especialmente hoje, isso não será possível, do contrário... Sim, do contrário ele vai perceber o colete com as bombas que eu coloquei debaixo do vestido e está quase na hora de detoná-lo. Na hora de cortar o bolo, claro.

            E agora, esse é seu palco, esse é seu público, essa é a sua hora e não e não é só a hora do seu aniversário, Julia. Em frente á mesa, eu olhei para aquela combinação lamentável de seres humanos e anunciei que faria um discurso.
            Parabéns a você. Parabéns a você, mulher inglesa. Que segurou a barra da economia na primeira guerra mundial com o trabalho remunerado enquanto os homens rumavam a perder a cabeça. E agora?
            - Ah, discursinho feminista de novo, não! Disse a desinibida Martha.
            A réplica veio em seguida:
- Você só está usando essa calça enfiada no rabo por que alguém enfiou a cara na sociedade na época do sufrágio lá pelos anos de 1910 e
            Martha cruzara os braços, batera os pés. ‘Vaca’, pensara.
            E o episódio da primeira guerra em especial, serviu para nos mostrar que as transformações na sociedade só são conseguidas com força, luta, derramamento de sangue e
            E mulheres de atitude com a Cindy Lauper!!! – Gritou Martha por deboche.
            Eu pretendia continuar o discurso, mas não me contive em detonar o colete de bombas naquele mesmo momento ao que me subiu o sangue de uma forma que não pude evitar.
            Todos na festa morreram. Até alguns vizinhos. Todos os policiais com chapéus engraçados daquela pequena cidade inglesa foram até lá, e policiais com chapéus engraçados de cidades vizinhas foram lá para ver também e

            Bem, não virei uma estrela, de qualquer forma. Contudo, você sabe qual é o singular talento de Julia? A arte de não brilhar.
Aquele foi o dia em que eu esperava me tornar uma fada no céu, mas não foi bem assim.

            Pior do que nascer de novo, foi crescer.

Você pode ter dois finais se você quiser.


 XOXO

31 de mar. de 2019

VILA CLEMENTINO RÚSTICA




Vendi dois livros meus e que luxúria! Um autor independente vendendo livros por aí. Encontrei o querido professor E. antigo amigo de antigas felações e entreguei os livros para ele hoje, os dois ainda disponíveis, por 57 reais. Fomos beber no bar onde ele tinha conta. Ele pediu uma dose de cachaça, mas só não esperava vomitar tudo no meio do caminho pra casa. Não só ele precisa cuidar da saúde. Eu tenho uma secreção e uma dor no pulmão de tanto fumar e vou ter de tomar antibióticos por 5 dias, além de aguentar a minha mãe controlando meus cigarros.
Ao invés de comprar qualquer outra coisa com o dinheiro dos livros, preferi obviamente a opção de ficar acordado até tarde. O professor, que comprou os livros, no bar, disse que “Seremos os próximos”. Que seremos sim reconhecidos. Ele não tanto como escritor, mas sim como crítico literário. Eu, como escritor. E que somos todos assim. Uma turma de bêbados e drogados, é o que somos. Bom ouvir isso de um professor. Bom mesmo.
Minha sobrinha ensaiou bem sua apresentação na reunião de palestra budista de hoje (Que faltei para encontrar o professor), vestiu um belo vestido vermelho e conquistou a todos. Minha mãe pode usar a ocasião para usar sua matadora saia de couro preta, já que raramente ela a usa.
No daimoku da manhã, pedi um trabalho, muita proteção e saúde para a minha família. No daimoku da manhã se pede, no daimoku da noite, se agradece.
Just a little patience, yeah, yeah... não vejo a hora de voltar para a Vila Mariana e deixar essa Vila Clementino rústica que é o bairro dos meus pais. Uma indicação no linkedin e comecei tratativas com uma grande empresa. Posso dar conta da vaga e estou bem confiante para que me aceitem.



Amanhã é o dia da primeira etapa do TUNA de 2019. O TUNA como já disse aqui algumas vezes é a competição de atletismo mais forte que a FFLCH compete. Eu quis tanto um medalha do TUNA que larguei minha faculdade da letras em segundo plano para treinar e conseguir uma (tempos em que eu postava nudes com mais frequência). Pois eu consegui em agosto de 2017. Agora estou aqui sedentário, fumante, fraco, desempregado, sem vínculo com a USP por não ter tido créditos em 2018 (Vou tentar o difícil reingresso em maio, caso contrário eu regressarei á USP só no começo de 2020 após prestar FUVEST de novo). Mas isso não tira o brilho daquele 18 de agosto de 2017. Lembro com ontem. Cheguei atrasado á competição. Todos os outros atletas estavam já se aquecendo enquanto eu apareci lá de jeans e fui o último e confirmar a inscrição. Daniel Imbassahy e Lucas Jaeger me olhavam com aquela cara de interrogação para mim, provavelmente se perguntando (O que um cara de humanas faz salto triplo e faz bem?). Porque eu tenho paixão pelo atletismo. Pois bem, não consegui me aquecer na área coberta e tive que aquecer na pista mesmo com todos os outros atletas bem mais aquecidos do que eu. Em compensação eu cansei menos e fiz menos força durante o aquecimento, que eu usei na prova. Estava muito bem preparado, tinha sido campeão paulista máster da prova na categoria M30 uma semana antes, já tinha passado de doze metros no treino algumas vezes (No máximo 12,06m) e estava confiante em saltar 11,77m para entrar para o ranking dos dez melhores do ano da USP. Estava frio, chovia um pouco, a pista estava molhada, mas nada disso tirou minha concentração. Logo no primeiro salto, saltando com a ponta dos pés nos três saltos (Sim nosso exigente técnico estava lá), mandei 12,20m (Minha melhor marca ever). Com isso passei para a fnal em quinto lugar após queimar o segundo e o terceiro salto. No quarto salto, foi o salto em que coloquei mais velocidade na corrida ever, as pernas aguentaram o tranco e mesmo sem verticalizar o último salto, consegui fazer incríveis 12,50m (44cm a mais do que minha melhor marca ever). Foi o suficiente para eu bater o Daniel Imbassahy (MED-USP) , o Felipe da FMABC, o Lucas Jaeger (POLI), o Cauê Oliveira (POLI) e o Fernando Salhani (POLI). Um tapa na cara da sociedade, eu ter sido o melhor atleta da USP-SP na prova. Fiquei atrás de um atleta da UNIP e de um atleta de MED Ribeirão, mas ganhei minha sonhada medalha de bronze que tanto queria. Pronto. Agora vou voltar para FFLCH para terminar meu curso, me tornar um professor e não ficar dependendo só do comércio exterior para pagar as contas.

O incidente:
Quinta-feira passada, eu passei a noite com um homem. Ainda acordados, ele adivinhou coisas da minha vida. Quando fomos dormir eu questionei como ele sabia daquelas coisas sobre a minha vida e ele respondeu “Eu tenho um cigano dentro de mim que me diz coisas”. Quando ele adormeceu, começou a falar durante o sono coisas como “Isso tem que parar... Isso tem que parar” e em seguida uma voz que não era a dele proferiu “Nunca mais volte nessa casa, veadinho”. Levantei da cama todo desequilibrado e disse que era minha hora de ir. Na confusão, acabei por vir embora com a cueca dele e deixei minha cueca lá. É por isso que tenho pedido tanta proteção para o gohonzon.
Bem, está aí a minha experiência negativa com aplicativos. Todo mundo tem a sua, não?

XOXO