6 de fev. de 2020

O CLUBE DO TABACO



Sangue por sangue?

(segundos de silêncio)
Sangue ao quadrado?
(risadas)
Não há ressaca moral
Não há perda da gymn
Há o cinzeiro cheio
O clube do tabaco
Eu puxo o fumo
Ora forte
Ora fraco
Ora na claridade
Ora no escuro
E mais um criação
Mais um livro
É entregue
E quem diria?
Quem?
Que eu sairia da cama hoje?
Peguei duas linhas de metrô
É preciso coragem pra isso
Muita coragem pra comer
Pedaços de pão e café
Para a gymn que acabou
Por não sendo, mas eu fui
Alguém saiu da coleira hoje
Alguém que estava preso na coleira
Há algumas semanas
Será que podemos
Chamá-la de demônio?
Passei o dia inteiro na cama
Dormindo, muito triste
Quer voltar para a clínica, Hugo?
Minha mãe me disse
Na porta do quarto
Mommy and daddy ple-e-ease
Send his love to me-e-eee
Ontem a depressão estava na coleira
Aguentei todo o treino pesado
O treino para lançadores
Não aguentei a última série
De circuito, perdi o ar
Fume. Dessa vez a Flora só pensou
Fiquei sentadinho olhando
Os outros completarem o treino
Daí o Lucas Jaeger passa por mim
Vamos dar uma pausa para o cigarro, sheela-na-gig
You exhibitionist!





“Igor na Chuva” vai bem.
Veja trecho que saiu na Mallarmargens.com (revista de poesia e  arte contemporânea) neste link: http://www.mallarmargens.com/2020/01/jeans-trecho-do-livro-igor-na-chuva-de.html?fbclid=IwAR2A5PIH-rEMm76XBX_GOcthP6lSXfL6d_W7QE-MQDJSAmSmsdbNPB8Xvto e na revista Ruído Manifesto:

 Jeans

Deuses mudam. Homens são os deuses. / .

Pesadelo três: saí bem rápido de casa para cuidar de duas crianças, não lembro quais crianças. Logo, lá estava eu na sala cometendo a inconveniência do homem moderno: mostrando filmes que ninguém pode ou quer ver, o fazendo para dois amigos que por alguma razão, não podiam olhar para a televisão ao mesmo tempo. Pouco antes, vi uma espécie de casal discutindo no metrô, uma caipira bem jovem e um velho japonês tímido. Ela dizia que ele a estava levando para as drogas. Maconha parece pepino quando você está fatiando. Ela dizia isso de forma tão rude e enfática, abrindo aquele livro sobre religião para ele. Dizendo que era uma erva preta podre o que ele andava dizendo a ela. Um cara do meu lado comentou “Como é difícil entender uma religião, não é?”. Quando deixamos o vagão, eu tentei seguir o cara para conversar mais com ele, mas não o encontrei. De volta às crianças, eu tomava conta delas enquanto elas brincavam; não sei se eram meus olhos ruins, mas dei o escudo para o garoto que era o Batman, não para o garoto que era o Capitão América, quando acabou a brincadeira. Fui para casa e a família esperava por nós. Ninguém falava comigo. Dei os dois bonés que comprei para os garotos. Dentro de casa disse “boa noite para você também, mãe”. Ela olhou para mim com uma face muda e raivosa. Meu pai disse que se recusava a participar do natal com aquela atmosfera. Eu disse “eu que devo ir embora, pai, não você”. Abandonei o jantar dizendo à minha mãe que dessa vez seria diferente, que eu não ia esquecer, eu ia tomar nota daquilo nas minhas letras miúdas. Ela começou a chorar. Minha mãe então abandonou também o jantar e veio atrás de mim, veio, sim. Fizemos um passeio mágico pela noite de natal, como se um passeio de tapete mágico, não havia ninguém na rua. Fizemos uma viagem histórica sobre a comida. Minha mãe relembrava todas as comidas estranhas que já tinha cozinhado na minha infância, ou comidas estranhas em festas. Minha mãe colocou como foto de perfil no Facebook uma foto dela do lado de um cavalo, mas a imagem era tão ruim de velha que mal dava para perceber que era ela e um cavalo na imagem, e eu não fiz chacota, fiquei imaginando o quanto aquele cavalo era especial para ela. Fomos à velha casa da minha avó onde ninguém mais mora, onde passei boa parte da minha infância. Então chegou o garoto louro, sim, o que tenho me relacionado; ele, começando a falar inglês com a minha mãe e eu disse que ela não fala inglês, apenas um pouco de francês. Ela começou a cantar curtas canções em francês, o garoto louro fazia chacota, dizendo que ela cantava errado, com a melodia errada. Eu acordei do pesadelo e soube que precisava visitar minha mãe desesperadamente. / .

Inferno na terra: deuses mudam. Homem são os deuses. Deus da segunda-feira. Deus da quinta-feira. Deus árabe. Deus japonês. Louro. Deus de jeans. Deus de caquis. Deus pelado então. Deus é um objeto? É... Porque deus é feito de massa. Então deus existe? Se você o aceitar do jeito que ele é... Que seja. Uma massa. Um objeto. Sim, eu vejo deus. Eu vejo deus em todo lugar. Até que eu não sou um ateu. Não tenho nada de pagão como você acreditava; você que me julgava, você nunca viu nada, e eu sei disso. Uma massa, uma massa visível, um objeto visível feito de água, carne, fios, rocha. Mas é sobre beleza, só beleza. Então você não enxerga deus se você não consegue identificá-lo. Eu consigo. Eu vejo deus em todo lugar, toda hora. É um pouco diferente. Quando você o vê, você não idealiza encontrá-lo de acordo com seu comportamento, fé, ou o seu conceito de fé. Não, eu ando entre deuses o tempo todo, não estou em uma posição de subjugar e não, eu não tenho fé. Mas todo dia eu tento. Juro. Sério. Indo até lá, naquele lugar gay, com minha tatuagem no peito escrito “trust no one” que eu não posso esconder, procurando relaxar, eu nunca relaxo, já que aceito qualquer homem desde que tenha cocaína. Não quero me alongar nesse pesadelo já que ele é sempre tão simples, tão trivial, tão vazio, tão triste. Quando eu começo a beber álcool e cheirar repetidamente, eu começo a chamar deus. E eu sei o nome dele. Sabia o nome dele naquela noite. Comecei a repetir o nome dele. O primeiro, o do meio e o último nome. O fiz em cada intervalo de cada bebida e de cada tiro. E então aceitando homens mais e mais feios. Daí indo ao inferno. E chamando deus. Mas deus nunca responde. Mas você nunca responde. E ri bem gostoso. E aí, venceu a prova? Ganhou a medalha? Are you so fucking cool fucking cool now did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya go tell your fucking friends! 1 / .

Deuses…/.

Tentei uma saída falsa, mas não funcionou. Não preciso explicar o que é uma saída falsa, não? É quando você começa a corrida antes que o árbitro dê o tiro. A questão é que no atletismo isso é trapaça, você é desclassificado se fizer isso, é convidado a se retirar, mas na vida não, você tem que voltar. Houve fortes, estranhos ventos, ventos gelados, a temperatura talvez não passasse de dez graus; não que eu não soubesse disso, temendo Noah, jamais teria certeza, nunca checo o clima no meu telefone. O que eu faço com meu telefone? Faço e recebo chamadas. Aliás, com pouquíssima frequência, pois apesar de pai e mãe, eu não tenho amigos. Para estranhos, prefiro escrever e-mails. Onde estão as meias de cano alto? Não quero essas que vesti. Sujas, claro. Só tenho tempo para a máquina de lavar uma vez por semana, o dia que em que não treino. Às vezes eu perco a vez no dia da lavagem e então empilho, estoco roupa suja. Às vezes uso roupas sujas. Sim, pego de volta na pilha. Como tenho olhos ruins também tenho nariz ruim, cheiro ruim não me incomoda. Bem, afinal se eu não tivesse perdido o dia de lavar, eu teria problemas do mesmo jeito. Não há uma lava e seca nessa casa. O local coberto para secar as roupas é insuficiente para a quantidade de pessoas que moram aqui e chove há sete dias sem parar, a situação se torna inviável. Detesto meia bailarina para calçados que não são esportivos. Andar na rua de botas com meias desse tipo machuca o Aquiles, mas que se lasque. / .

1 Ápice da canção “Anti Pleasure Dissertation”, da banda de punk rock feminista americana “Bikini Kill”

***




Alexandre Melo fez um ótimo texto sobre “Igor na Chuva” que está disponível no Google reads e neste link: https://www.goodreads.com/review/show/3151426200?fbclid=IwAR1oCIY8oPKYXJbC2hqd3FlbCexE-NCB8ne8utqm3xEHSaTORC-yFbV-QDA




Alexandre Melo's review
Jan 20, 2020

really liked it

Chove lá fora e aqui. Faz tanto frio. Faz tanto faz, a chuva cai sem parar quando li e a chuva ia e vinha conforme as páginas desaguavam uma versão de mim que eu nem sabia existir.

Igor na chuva e eu na cisma de que aquela história podia ser minha. Parecia minha. Parece minha. Minha história se parece com a dele? Ou a dele se parece com a de tantos outros que vivem na chuva de sexo, amor, app, sexo, amor, drogas, sexo, amor, cidade fria, sexo, amor, chuva feroz, sexo, amor, busca que não busca nada, sexo, amor, vontade de acabar com o mundo apunhalando o centro do planeta gente.

Igor carrega pela cidade alagada seu peso-martelo feito um penitente. Ele ao menos tem esse peso real a lhe dar a medida exata de seus problemas reais ou não, o peso-martelo está ali, acompanhando feito cachorro obediente, estimação, doenças do corpo e alma de estimação, estima. Quantos de nós não sabem o peso-martelo que carregamos e ficamos andando pela cidade-casa-trabalho-casa-cidade apenas acumulando pesos-martelos?

Há um quê de loucura. Que loucura? Quem é louco? O louco que sabe que é louco ou o louco que acha que loucos são os outros? Que é ser louco? Conversar consigo para tentar obter algum diálogo que faça sentido quando as pessoas só querem falar com seus onliners? Querer sexo gostoso porque sexo é bom mas se vier com algum tipo de amor-de mentirinha-mas pode ser de verdade-até de margarina-mas passe devagar que sou pão delicado não seria melhor? Não necessariamente, sexo apenas é apenas sexo e nada mais e isso é bom, gozar é viver e eu ontem sonhei com vocês.

A cidade berra através da chuva e do concreto armado que atira na cara de todos nós. Concreto armado, calibre grosso, veia grossa, estupro cimento, violação de esgoto, vomitar o que não serve e comer tudo de novo. Igor na chuva e eu na sua. Igor na chuva e eu atrás dele para ver que a cidade é uma besta-fera-bela-escrota-damadanoite-donadodia-senhora-mãe-puta-madama que deseja apenas nos comer e comer e comer e comer, não nossas almas que já as demos quando aqui nascemos mas nossa carne que é dela que sai o suco que sacia a sede da cidade doida e depois o doido sou eu ou somos nós.

Igor na chuva. Talvez ela limpe tudo. Pelo menos lava. Se lava bem ou mal já não sei, não é comigo. Não fiz a chuva. Apenas a consumo. Somos consumidores. De Igor na chuva. Da chuva de Igors que andam pelas avenidas-veias-abertas-sujas-imensas da cidade que chove em nós todos os dias sem dó ou piedade.

Somos a chuca dessa cidade que põe Igor na chuva.

***




Jorge Ribeiro, conhecido revisor, professor e escritor também publicou um belo texto sobre meu livro no Facebook:

Texto que escrevi sobre o livro de um amigo.
O livro Igor na Chuva, de Hugo Guimarães, editora Folhas de Relva. Autobiografia? Ficção? Autoficção? Fiquemos com esta última, sem nos atermos à complexidade de sua conceituação, mas procurando encontrar no conteúdo algumas evidências que o situam no terreno complexo da autobiografia ficcional.
O narrador, um protagonista cheio de ódio e de dúvidas que narra suas aventuras e suas reflexões, em primeira pessoa, desde o amanhecer no quarto onde mora, até sair às ruas e chegar ao centro de esportes da USP.
A chuva. Sempre a chuva. Sexo. Humor.
A ambiguidade narrativa desafia o leitor a se situar entre a realidade e a ficção. Chove no que é real. Chove no que é irreal. E o literário fica sempre em primeiro plano com metáforas e ironias desde o início e durante toda a narrativa. “Sou o último homem de uma geração de homens, e eu não me importo. Só consegui pegar no sono às 7 da manhã devido ao ódio”. “...comecei a chorar desesperadamente dentro das minhas duas mãos”. O ódio explícito do protagonista e o choro diante das inusitadas situações no transcorrer do enredo são recorrentes e revelam pouco a pouco sua conturbada personalidade.
Igor caminha por conhecidos endereços de São Paulo, encontra poucos personagens, conversa com alguns, apenas olha uns outros e esses encontros funcionam como pretextos para suas reflexões de crítica, de raiva e também para provocar e instigar o leitor que se vê mergulhado entre o que é e o que não é. Mas nesse mergulho no poço da contradição da fantasia e do real realiza-se um envolvimento que conduz o leitor a uma leitura ininterrupta como que hipnotizado pelo fluxo narrativo do narrador. O protagonista não é Igor, ele é apenas uma estratégia textual para mostrar o mundo do autor, Hugo Guimarães. Portanto, Igor é o alter-ego do escritor.
Este é um livro sem doçura, sem afagos. Conteúdo indigesto. Uma narração sem piedade de quem lê, escrita para incomodar com palavras e imagens. Para surpreender com um ritmo em que jorram ideias que ora estão no presente, ora voltam ao passado e constroem a vida do protagonista, revelando sua infância, sua adolescência e seu momento atual.
O narrador, ao contar a história, avança e retrocede durante todo o percurso e utiliza o tempo para expandir a percepção do leitor em um mundo ficcional ambíguo, expresso com linguagem que encanta e preocupação estética que alicerça a história com eficácia poética.

O gift de hoje é uma performance razoável de “What Ever Happened” dos Strokes.

XOXO


4 de fev. de 2020

O GAROTO 83

Minhas pernas de saltador em processo de recuperação.

Hoje saiu sangue de mim
Enquanto isso você, sim você
Está feliz com o arranque
Estou melancólico
Por carregar vinte novos livros
Na mochila para vender
Sim, vinte novos Igor na chuva
Tomei chuva
Não, hoje eu não quero
Fazer sexo anal
Sabe o quanto a rua cerro corá
É longe? É bem longe
Staut estava de mau humor
Não me deixou usar o banheiro
Para secar meus cabelos
Me atendeu na portaria
Devo tê-lo desapontado
Como o garoto 83
Desapontou meu coração
Quebrou-o foi em onze pedaços
Onze é o número de demônios
Que eu preciso inventar
Para um projeto literário
Bispo terrorista
É isso o que você é
Um bispo terrorista
Você não disse que viriam
Mais sete demônios de volta para mim
Se eu não frequentasse os cultos?
Pois estou aqui
Bem aqui
Podem vir
Acho que posso explicar a tristeza
Nesse momento
Antes ela estava dentro de mim
Agora, parece que ela anda do meu lado
Como se fosse um poodle dentro de uma coleira
Deus salve a medicina
Mesmo tendo todos os motivos
Para estar melancólico
Teve um dia aí que tomei
Dois banhos no mesmo dia
E ouço muita música
E eu trabalho para vender
Meu excelente livro
O que é excelente
E as vendas estão excelentes
Além disso,
Acabo de me tornar corretor de imóveis
E no próximo sábado vou entrar na aula de canto
Vai fazer isso também, Hugo?
Assim como Bjork quase cega
Trabalhando em dois turnos
E ainda fazendo aulas de drama
E eu quero mais
Mais.

O gift dessa semana é uma performance de “Winter lady” do Leonard Cohen.




XOXO

2 de fev. de 2020

DESCER

não sei o que seria de mim
sem meus anti depressivos
eu aguento "just call me joe"da sinead
eu aguento "you may know him" da marshall
eu aguento tudo sozinho
e eu não sinto nem a febre
que vem antes do choro
o que terá acontecido?
o que queimou nosso filme?
hoje tenho agachamentos
com peso para fazer
tenho dois livros para entregar
eu não quero falar de sexo
porque ele parece que ficou
naquele filme que queimou.

um poema:


“Descer”

Mãe olha para baixo e vê a barriga murcha
O bebê se foi
O príncipe se foi

Fui dormir príncipe
Acordei uma pedra de gelo
E desci pelo ralo.


(Hugo Guimarães)

O gift de hoje é uma performance razoável de "Just Call Me Joe" da Sinead O'Connor"

XOXO

31 de jan. de 2020

COMO SE MELHORA O SALTO, MELHORA-SE A AFINAÇÃO






Vai-se a depressão
E vai-se o poeta?
Eu não sei cantar
E se eu aprender?
Posso rachar alguns espelhos
Mas o Nazarian ainda diz
Que sou um dos poetas bonitos
Que ele pegou
Tenho uma barriga para perder
E um maço de cigarro por dia
Para enfiar no meu traseiro
Hugo toma chuva
Mas entrega os livros
Um por um
Um por um
Sei que você lê esse blog
Sei agora
Só não sei como vou tirar
Do meu traseiro
A pessoa que você quer
Eu quero
Quero
Minhas pernas são enormes?
Minhas panturrilhas são enormes?
Por que o Lucas Jaeger já está saltando
E eu não?
Lucas Jagger lerá o livro
Lucas Jaeger lerá não
Lucas Jaeger lerá o livro
Lucas Jaeger lerá não
Até não sobrar uma pétala
Não vou ao Rio
Não dessa vez
E se o Rio
Vier a mim?
No prêmio Rio?
Meus dois anos
Imersos na cocaína
Foram resolvidos
Em dois meses
A internação funciona
E engorda
E lá você se corta
Mas não me corto mais, ok?
Não, não
Eu sou bonzinho
Bonzinho pra você
O atletismo
Ele de novo
Tenho ovos e esperança
São seis sessões de treino
Por semana
Que logo serão doze
Eu quero incomodar o Lucas Jaeger
E ter o corpo da Maria Abakumova (Google it)
Eu quero voltar ás aulas de letras
Falar grego como você fala seu português pobre
Ser um professor gay quarentão
Que saberá escolher roupas de muito bom gosto
Para dar as aulas
O gift dessa semana é uma performance de
“Batmobile” da Liz Phair.
Assim como se melhora o salto
Melhora-se a afinação.


XOXO

22 de jan. de 2020

SEIS HORAS DA MANHÃ


“Seis horas da manhã”

Eu quero ser uma senhorita
Do campo
Esfaqueada
Sangrando e repousando pela manhã

Eu sou uma mulher ruiva
Quando acordo
Arrancando bacon do porco
Amamentando uma espingarda de dois canos.


(Hugo Guimarães)

A gift:
Unravel, Bjork.

19 de jan. de 2020

PRIDE


#Trecho

Um louco motorista dobrou a Oscar Freire em alta velocidade e podia, podia parar, mas acelerou mais, para atropelar os comunistas de propósito. Tudo fora carregado como neve, mas como lixo ao invés de neve, entende? Mas eram cadeiras, salsichas, pernas humanas, braços, sapatos, sangue, pele queimada, pele arrastada pelo asfalto de uma forma que o asfalto gruda na pele, e você sabe como as enfermeiras tiram asfalto grudado na pele no hospital? Pois nem queira saber. Enquanto o trator de neve tentava empurrar toda aquela sujeira da frente, eu disse “é meu ônibus”. Gritei “espere!” e corri até a porta do ônibus. Bati na porta três vezes além de gritar. O motorista facínora abriria a porta muito mais facilmente para uma bela moça. Ele abriu a porta enquanto já esbravejava coisas como “esses putos vadios!”. Eu já desisti de argumentar com motoristas de ônibus, taxistas. Pensei “termine logo de empurrar o lixo e me leve para a faculdade”. Estômago; precisa estômago para viver uma situação onde o caos pode não justificar, mas explicar crimes e desentendimentos.

Aveia e proteína isolada.

Um rapaz bem vestido no ônibus, branco, com óculos de lentes redondas disse um tanto assustado “eu nunca tinha visto uma fratura exposta antes”. Sentei-me bem ao lado dele. Sentindo algo da raiva e apatia no coração bem sendo já costurado com agulha e fios, melado e gosmento; nojento, mas ficando curado, lá eu estava ao lado do rapaz, com a cara da Cyborg, a lutadora. Quando eu adentro o transporte público, sempre me sento ao lado da pessoa mais bonita. E você?
“Você sabe o que é pior do que uma fratura exposta?” o rapaz diz não e eu “fratura exposta na chuva”.

A gift:
St. Loius Blues, Billie Holiday




XOXO


3 de jan. de 2020

RETRAP

Eu sei. faz um longo tempo que não posto aqui. por desânimo. por não ter o que dizer. mesmo tendo o que dizer, mas é difícil difícil levantar da cama quando se te depressão, difícil fazer qualquer coisa. nesse período aconteceram duas coisas muito importantes. passei dois meses em uma clínica para dependentes químicos e acho que dessa vez me livrei do vício em cocaína. a experiência foi muito traumática. estar em uma clínica é exatamente como estar na cadeia. uma vontade infernal de fumar e os monitores só te dão um maço de cigarros por dia. A comida é ruim e repetitiva, mas devolveram meus 70kg, que é meu peso ideal. No fechar das cortinas contrataram um monitor novo que agride as pessoal, agrediu o melhor amigo que fiz dentro da  clínica, e eu prontamente liguei para a família dele para dizer o ocorrido para que eles pudessem, visitar e averiguar o que estava acontecendo. A clinica se chama Plenitude e fica em Itu no interior de São Paulo e não, não recomendo para ninguém.

no fechar das cortinas do ano, depois de um longa gestação e parto apressado, dei a luz ao meu quinto filho, a auto ficção "Igor na Chuva". Sempre maravilhoso publicar mais uma vez. O lançamente não foi mais cheio quanto eu esperava, mas mesmo assim fiquei satisfeito e estou começando a vender cópias pelo facebook.

Veja na íntegra, de presente, o primeiro capítulo do meu mais no pupilo:

 
Imagem de um martelo de arremesso.


Martelo de atletismo de bronze 7,26 kg 110 mm para lançamento. Pode ser usado em competições e treinamento. Cabeça com diâmetro de 110 mm com acabamento rígido de bronze (resistente à ferrugem) e núcleo de chumbo, peso e diâmetro precisos, formato esférico, equilíbrio perfeito e superfície totalmente lisa. Cabo de aço galvanizado com 3,2 mm de espessura e 987 mm de comprimento. Empunhadura curvada com suporte e anel de aço e apoio de mão de alumínio. Peso total (incluindo cabo e empunhadura): 7,265 a 5,285 kg.










































CAPÍTULO UM / Lambendo metal












Sou o último homem de uma geração de homens e eu não me importo. Só consegui pegar no sono ás sete da manhã devido ao ódio. Só ás dez eu consegui finalmente me arrastar para fora da cama. I can’t go on. Can’t go on. Everything I have is gone. Stormy weather. Stormy weather. Stormy. Stormy[1]. Inverno de país tropical tsc tsc. As orelhas da gata e meus pés evoluem a esfriar noite adentro. Tão repentino é como vem o frio. Ei, por que você não cobre essas orelhas, gata? Vá, me deixe cobri-las com o cobertor, não seja tão difícil, tão vaidosa. Por que gatos evitam os cobertores? Por que apenas deitar-se sobre um corpo é suficiente? Muita sorte, muita sorte que meu martelo de arremesso pesa sete quilos e duzentos e sessenta gramas, muita sorte. A sorte é que eu não me deito toda noite em uma cama de madeira, mas em uma cama macia. Desta forma, o martelo não vem rolando até a minha cabeça, pois ele descansa na maciez, sabe? Se fosse uma cama de madeira, teria eu um problema; desde que me viro para a direita, esquerda, para cima e para baixo e mesmo assim a gata que pesa oito quilos mantém-se por cima de mim seja qual for a posição em que me mudo, me aquecendo tanto a gorda peluda – daí com todos esses movimentos o martelo rolaria contra a minha cabeça (Sim, eu durmo com o meu martelo). Corpo tão quente e orelhas ainda tão geladas, é muito desproporcional ao ser humano, desisto de entender gatos, mas. Devo assumir que o que de fato tirou meu sono foi o ódio, o ódio que eu sentia. / .

Deve estar muito frio lá fora, meu quarto virou uma sauna natural, nunca abro as janelas. Não abria tanto antes e não abro desde que a chuva começou. Tão longas chuvas. Vivo em uma cidade onde chuvas de dez dias seguidos acontecem (Não como essa, que já duram sete, chovendo vinte e quatro horas). Desconfio ter algo em mim que quer mudar para Lima, mas não o faria porque lá está cheio de peruanos. [deus. Ó deus e. E se essa chuva não parar nunca como andam dizendo? Lima é tão alto, não? Lima fica nos Andes ou fica ao nível do mar? Deus... A coisa é que teremos que nos tolerarmos lá em cima nos Andes. Deus... Logo não haverá mais vazão para tanta água em cidades a setecentos metros acima do nível do mar como essa que estou. Fingir é uma tática? E se eu encontrar os mesmos peruanos lá em cima? Os que eu tive desavenças recentes? Ei, o que você está fazendo em nosso país seu xenófobo de merda? Por que não tenta sobreviver na sua cidade amiga dos gays, amiga da assepsia, em uma boia colorida com cabeça de girafa? Seu veado de merda!] Uau! Que pesadelo. Mantenho as janelas fechadas por causa das suas orelhas geladas, amada gata. Preocupo-me também que fique toda gelada. Passo quase o dia todo fora de casa. Obrigado. Eu sabia que você entenderia por você me dever tanta gratidão por eu ter tirado você de um orfanato, você se lembra? hehe, é o que eu sempre lhe digo quando você me olha com essa cara turrona. “Eu vivo há tanto tempo com você porque você não sabe falar”. Hehe, pensei até em te homenagear no Facebook com essa frase e um retrato seu mas. Ai, o feminismo... Pensando que você é uma fêmea, minhas amigas feministas me chamariam de misógino, iriam facilmente concluir que quis dizer que todas as fêmeas passam melhor caladas. Um equívoco. / .

Quer? Você quer saber o que eu tenho a dizer sobre mulheres? É que gosto de homens, homens, homens. Deus ó, homens, homens e homens, pois. Uma nuvem escura do meu tamanho flutua aqui sobre mim nessa cama. É o que minha tia bruxa (ou médium) diz sobre as más energias que me mantém muito tempo na cama. É como se o carma, a paixão, o sentimento. A nuvem é uma forma física da minha pessoa sonhando, não subtraindo, mas dando energia para seguir na cama, esfregar as mãos e as pernas nessa cama sem lençóis. Até quando vai continuar esse sonho? Fui eu, fui eu uma má, uma má feminista na passada vida? Esse carma. Eu sonho acordado, é o pior jeito de sonhar. Mencionei que não tenho sorte? Sorte com homens? Vá facilitar a loucura, digo a mim mesmo. Tome alguns remédios para o cérebro, abandone os remédios, retome, abandone de novo, e repita e ciclo – é um trator que não consegue empurrar tanto entulho, com tanta chuva. Ei garoto, preste uma breve atenção: dou-lhe um doce se você encontrar alguns pênis nesse exercício literário que faço. Sim, alguns pênis em perfeita ereção, é um jogo de adivinhação e. Bah! Desconsidere, essa camiseta cheia de esperma seco nessa cama faz com que ás vezes eu me sinta mais ainda cansado e humilhado como ao ser espancado por um homem gay passivo; e o agravante do mal estar de me encontrar dando uma bela lambida na cabeça do meu martelo coberto de bronze. É... Uma bela de uma lambida enquanto abraço o cabo do martelo. / .

Por acaso esqueci-me de mencionar a sujeira? Esqueci-me de mencionar o suor? Ou mesmo urina de gato? Claro, eu deveria primeiro revelar a febre, que passeia por mim durante a noite, e que também dificulta meu sono; creio que é a negligência á própria saúde, acho que é o metal, a contaminação que devo ter já sofrido por lamber a cabeça do martelo por alguns anos. Sim, pois eu lambo com tal força que me dê um gosto temperado aceitável do bronze, que me satisfaça, e me acalme. Por suar raiva, por sujar tecidos com pomada para acne mas. Agora sofro uma melhora, eu, a pele está mais calma, meu rosto está melhor agora. Sabia que o cheiro do seu suor é pior se você está sentindo raiva? A expressão “Suar raiva” vem disso, é uma cultura útil que aprendi com uma colega enfermeira. Eu sim. Eu suo muito raiva, mas ok. Faço isso muito na musculação, na pista de atletismo; de outra forma eu já teria me tornado um homem bomba se não suasse toda essa raiva por lá, aposte. Ok vá embora, homem. Vá embora, homem bomba. O homem árabe que esteve por ultimo na minha cama, nunca mais voltou, nunca conversou mais. Que bomba. Que descontentamento bombástico. Meu último namorado me disse sobre meu suor, mas só disse depois que eu o abandonei. É... Mesmo cheirando como um porco eu é que o abandonei, não o contrário. Talvez ele gostasse do cheiro secretamente. Gosto, opinião. Veja lá como os europeus cheiram tão naturalmente e está tudo bem, veja. Gosto. Outro dia, um rapaz começou a fazer sexo oral em mim; ficou lá por um tempo e cuspia, continuava e então cuspia de novo. Merda. Apenas pensei “Que bela merda”. Tentei depois empurrar minha espinha para baixo para tentar o auto sexo oral mesmo sabendo que jamais consegui, para checar se o gosto era de fato tão ruim, pois que. Logo depois veio outro rapaz e ficou me fazendo sexo oral por meia hora sem cuspir uma só vez. Homens (...). Veja Drácula, amigo; suga sangue do pescoço e sai sorrindo, não? Homens.../.

Quando vou a um encontro sexual, eu normalmente não me banho, apenas lavo o pênis em uma pia. Assim como um homem. Assim como um hétero? Não, mas apenas como um homem. Qualquer homem. Eu não sou um homem? Imagine uma mulher negra, filha de escravos, na América dos anos de 1900, tentando participar de um movimento feminista argumentando “Eu não sou uma mulher?” com aquelas senhoras brancas de longas saias. Claro que ela é. É o mesmo que digo aqui. Eu não sou um homem? Um homem estranho, mas ainda um homem. Veja: ainda sobre cultura útil, eu sempre respondo para a enfermeira com cultura inútil, sou o rei da cultura inútil hehe; Eu lembro que disse a ela sobre o processo de antropoformização, processo esse em que um animal tende a sentir-se e agir como se fosse um ser humano. Os veterinários dizem que é muito comum acontecer em animais domésticos que não tem contato com outros animais. Faz sentido ao que determinado animal desse tipo deve pensar “se só há seres humanos à minha volta, então eu também sou um ser humano!”. Eu não me comporto como um animal e não sofri o processo de zoomorfização, perdão lhe desapontar se você pensou que era isso que eu ia dizer na sequência. O que eu ia dizer é que sofri um processo similar quando fui aceito na melhor universidade do país, quando comecei a treinar atletismo por lá e por consequência conviver com garotos tão bonitos todos os dias: acho que passei a achar que eu também era um garoto bonito e, logo, ter “acesso” a eles. Apenas não, apenas não sei explicar, desde que sou um ser como o macaco e sim, eu vejo o meu próprio reflexo no espelho. / .

E quanto ao tempo? E quanto ao limbo, de novo? Costumo finalmente perceber que preciso sair da cama quando o telefone vibra. E ele vibra de prima quando é meu gerente escrevendo ou ligando. Quando estou na cama sonhando acordado, não consigo perceber que devo chegar ao trabalho no mesmo horário que os demais, juro, eu só percebo o prejuízo quando estou de pé e vestido, penso que é o estado de “pré-mania” como disse a psiquiatra por último. De pé e vestido para já começar o dia sentindo culpa, se o dia já não tivesse começado ruim por ter de acordar sozinho. Por que não? Por que não posso ter um comportamento romântico? Por que, querido amigo homo? É utópico demais o desejo de amar alguém? O desejo de ter alguém para conversar? Ter um e apenas um parceiro sexual? Ter ciúmes? É muito másculo, muito alfa, não? O problema, a doença do gay moderno é desejar comportar-se, parecer um homem hétero, certo? Ganhar belos músculos como um, vestir-se como um, esconder, tentar imitar como tal fala, conversa, para então não objetivar ser aceito por uma sociedade tal, conservadora, mas para ser aceito por outros homens gays. Essa lamentável doença também sintoma de safar-se, de agradecer a tal sociedade por não ser espancado, ou espancado até a morte apenas por ser gay. Você anda lendo muito Foucalt ou não anda entendendo muito bem o que ele diz? Ou só anda aos nervos porque um homem gay com uma atitude um pouco mais masculina que a sua não quer mais ir para a cama com você? Você é muito jovem? Anda se comportando como uma feminista genérica? Somos uma gangue? Todos os homens gays juntos formam uma gangue? Temos de comportar-nos igual? Onde está o raio da pluralidade? Veja quanta gente hétero, ninfomaníaca, que não almeja a reprodução, frequentam clubes de orgias. Eu quero ir. Eu quero ir para a orgia bissexual. Eu quero ir para o carnaval mas. Apenas até eu descolar um marido, ok? . / .

Morto de bruços, eu me viro, eu olho para o teto e quero morrer (como se não fosse melhor morrer de bruços). Acho que é aquele garoto. Por. Quando penso nele lembro que eu queria dizer olhando bem nos olhos dele: “Eu não acredito que só existem sete maravilhas no mundo”. Isso acontece depois de uma masturbação, a qual inclui o imaginário de sexo real com homens feios, com homens até bonitinhos e fantasias com homens realmente belíssimos como o sonho virando verdade. Imaginar para ajudar a imagem a se realizar, como o budista recomenda, não funciona. / .



[1] Trecho da canção “Stormy Weather”, escrita em 1933 por Harold Arlen e Ted Koehler