não consigo estudar
porque estou esperando ele
agora já nem sei se ele vai ler
de estar brabo comigo
porque eu o incomodei
a crítica dele sempre foi
de suma importância para mim
estou treinando saltos no quintal
mas se eu for reprovado em mais de uma matéria
terei minha vaga cancelada de novo
é tão ruim ser inferior
e estar suscetível a um tratamento
dado a um qualquer, que não vale nada
talvez ele leia até o dia 31 de maio
tenho fé que sim
ou leia antes
para me tirar desse buraco.
quando não estou saltando
estou um posição fetal na cama.
triste, muito triste
talvez eu deveria ter parado com "Igor na Chuva"
e ter morrido
mas calhou que pari outro livro
para encher o saco dos outros
me sinto tão pequeno
não meço o quanto
agora vou dormir
e esperar que quando eu ligue o computador
eu tenha a surpresa que ele tenha lido
e os comentários dele
sempre quando acordo, ligo o computador
e o messeger está sempre vazio
o e-mail não há nada de novo
nesse buraco.
XOXO
10 de mai. de 2020
8 de mai. de 2020
DEI A LUZ
Agora me sinto morto
deve acontecer com outros escritores também
não só com a clarice
meu livro está morto
agora que está entregue á algumas pessoas do meio literário
sinto ansiedade para saber o que vão achar
afinal meu novo romance (pós "Igor na Chuva")
foi escrito em apenas uma semana
no finalzinho de abril comecinho de maio
me ocorreu uma ideia muito forte e muito fixa
e eu não podia deixa-la ir embora
então escrevi dias e noites até ter a obra concluída.
eu acho que consegui a intensidade dramática que eu pretendia
agora vamos ver o que os outros acham
como é um livro muito novo e faz apenas cinco meses que publiquei um livro
não vou comentar muito sobre ele
basta dizer que se trata de um romance sobre a transexualidade na adolescência e violência doméstica.
Agora que acabou o livro (que pretendo publicar ainda este ano)
ficou a depressão pós parto.
ficou o vazio da quarenta onde não há o que fazer além de ouvir música
e fingir que se está estudando.
sim, dois professores da USP estão dando aulas remotas.
Não posso voltar a treinar saltos no quintal
porque as paredes do quintal estão em reforma.
Sonhei com o Daniel Blanco essa noite
havia uma festa aqui em casa
ele deixou eu beijar a mão dele
mas foi embora sem se despedir de mim.
Ele desapareceu.
O gift de hoje é uma versão em inglês para a música "No Escuro" da Pitty: "In the Dark"
XOXO
deve acontecer com outros escritores também
não só com a clarice
meu livro está morto
agora que está entregue á algumas pessoas do meio literário
sinto ansiedade para saber o que vão achar
afinal meu novo romance (pós "Igor na Chuva")
foi escrito em apenas uma semana
no finalzinho de abril comecinho de maio
me ocorreu uma ideia muito forte e muito fixa
e eu não podia deixa-la ir embora
então escrevi dias e noites até ter a obra concluída.
eu acho que consegui a intensidade dramática que eu pretendia
agora vamos ver o que os outros acham
como é um livro muito novo e faz apenas cinco meses que publiquei um livro
não vou comentar muito sobre ele
basta dizer que se trata de um romance sobre a transexualidade na adolescência e violência doméstica.
Agora que acabou o livro (que pretendo publicar ainda este ano)
ficou a depressão pós parto.
ficou o vazio da quarenta onde não há o que fazer além de ouvir música
e fingir que se está estudando.
sim, dois professores da USP estão dando aulas remotas.
Não posso voltar a treinar saltos no quintal
porque as paredes do quintal estão em reforma.
Sonhei com o Daniel Blanco essa noite
havia uma festa aqui em casa
ele deixou eu beijar a mão dele
mas foi embora sem se despedir de mim.
Ele desapareceu.
O gift de hoje é uma versão em inglês para a música "No Escuro" da Pitty: "In the Dark"
XOXO
7 de mai. de 2020
POESIA GAY UNDERGROUND REVISITADO
Resenha crítica feita pelo querido Daniel Manzoni de Almeira sobre o meu primeiro livro "Poesia gay underground: história e glória (2008, ed. Annablume)
A SUBVERSÃO DA MANCHA DO MAL NA POESIA DE HUGO GUIMARÃES
Daniel Manzoni-de-Almeida1 GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008.
Na ocasião, eu pesquisava e tentava desvelar os principais símbolos do mal do preconceito pela orientação sexual representados nos textos de autores cânones do universo dos escritos LGBTI+. Tateando no escuro e experimentando o desconhecido dos escritos literários em blogs na internet – espaço típico dos muitos escritores contemporâneos – deparei com os escritos de Hugo Guimarães, em especial, seu primeiro livro publicado de poemas: Poesia gay underground, de 2008. Na minha primeira camada da leitura os escritos de Hugo Guimarães, detectei a captura do subterrâneo do espaço literário LGBTI+ brasileiro (em especial de um homem gay) como forma de testemunho do sexo no escuro entre homens na regionalidade da cidade de São Paulo. Ultrapassando as demais camadas da leitura e ligando ao meu interesse de então – o mal na literatura – os escritos de Guimarães, em especial em seu livro de poesia citada, percebi o contato de uma experiência do autor com o pensar sobre a realidade do preconceito, com o aparecimento dos símbolos comuns do mal do preconceito quanto à orientação sexual dos sujeitos em seus escritos. No universo desse escritor aparece sua experiência com a linguagem no escuro e sujo, uma filosofia do dark room que passa a servir como uma potente maneira de falar, de forma subversiva e provocativa, sobre uma faceta da homofobia que é ancorada, no que entendo, e faço uma ligação simbólica com a “mancha do mal” em Paul Ricouer, o que torna Hugo Guimarães como um poeta da sinestesia gay. Hugo Rodrigo Guimarães (1985-), com assinatura de literatura como apenas Hugo Guimarães, é um escritor nascido no município de Guarulhos, em São Paulo, que até o momento já escreveu livros de contos, romance e poesia na forma de publicações independentes, além de 1 Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto – Brasil, com período sanduíche em University of Pennsylvania – Estados Unidos da América. Professor no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – Brasil. E-mail: danielmanzoni@gmail.com.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173
manter um blog literário2 no qual divide com seus leitores-seguidores suas produções. A inspiração literária de Guimarães é o “mundo underground” da cidade de São Paulo. Atualmente, o escritor é estudante da graduação de Letras, habilitação grego, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). O “mundo underground” que o autor adota e testemunha vai para além de lugares físicos, envolvendo as condições de vida. Situações de vida não tidas como nobres, regadas a pílulas de diazepan, a música e até a condição de atleta. Poesia gay underground: história e glória é o livro que reúne a primeira produção de poesia de Hugo e está divido em nove capítulos que reúnem as poesias produzidas de 2004 a 2007, que o poeta escrevia e distribuía independentemente, mão a mão, por bares, casas de swing, saunas, crossing-bar, rodas de amigos próximos. É para estes ambientes, conhecidos no universo LGBTI+, que a poesia de Hugo nos leva e convida para uma viagem sinestésica e simbolista do sexo gay – entre homens. Este escrito de poemas faz encher de sensações, do toque da pele, do gosto do sexo entre dois homens, do prazer do sexo proibido, do sexo no subterrâneo nos lugares escondidos, codificados de prazer do sexo explícito em lugares públicos, temas que nos achados da literatura LGBTI+ têm sido reorganizados de forma a atender o mercado editorial, a lógica do capital rumo à tendência heteronormativa, como discutido em Maia (2015). Porém, Hugo não deixa sua viagem sinestésica para si, é por meio da sua poesia que ele testemunha o mundo subterrâneo e o glorifica. Escuridão, pode ser noite ou dia, tanto faz, o importante é a ausência de luz, é dentro de casas escuras, labirínticas, propositalmente, com paredes pintadas de preto e feitas de madeira-tapume para ajudar a baixar ainda mais a luminosidade. Neste ambiente, a visão é o sentimento menos apelado. Tato, paladar e olfato são os mais requeridos e ovacionados nas descrições de Hugo. O tato, nas pontas dos dedos que escrevem e direcionam o caminho do testemunho do submundo, funciona como olhos do poeta e as palavras, como como mãos à frente do corpo, tateando, enquanto o olfato está com a atenção focada em encontrar cheiros particulares. Cheiro de suor, mas não qualquer suor: é suor de esforço físico, o que também não é qualquer esforço físico: é daquele que o líquido brotou de pelo menos dois corpos, e ali mais de dois corpos, às vezes, entrelaçados, corpos sem dizer nomes, anônimos, uns submetidos, outros submetendo. É cheiro de testosterona, que não é adocicada nem é amadeirada, que só se encontra nesses ambientes subterrâneos tão escuros, tão escondidos. É neste instante que a descrição do paladar entra na poética de Guimarães como a tradução do gosto das secreções corporais. Na poética de Hugo, o problema não é o falar delas, pois tudo é explícito: para se ter prazer, tem que conviver com elas.
2 Disponível em http://hugoguimaraesnoceu.blogspot.com.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
O medo dos outros em não descer na poesia subterrânea emergida por Hugo talvez seja esse contato com as secreções, com os cheiros que exalam na poesia, como em “Que vício longo que vício longo, baby sangue, esperma e catarro no mesmo lugar ainda estou vivo” (p.47). Os sons trazidos pelos poeta não podem ser esquecidos. Os gemidos da cena sexual, que podem ser abafados pela música norte-americana de Bob Dylan, amplificada pela batida eletrônica metalizada, fabricada pelo aparelho de música, remixada mil e tantas vezes e que invade o escuro dos subterrâneos. Ajuda a bater mais forte o coração e liberar o corpo para fazer poesia. É o momento em que detecto o auge da simbologia do mal na poesia de Guimarães: encarcerado no símbolo de tudo que não pode e não deve enquanto homossexual, que o atinge e é dissolvido e invertido e passa a ser o Bem, no símbolo de tudo que pode e deve ser enquanto gay. O mal, em forma de uso do corpo, é assumido por Hugo como história e glória. O poeta gosta do mal que lhe dizem ser mal. O mal para Guimarães é não usar o corpo para fazer o Bem, e, para poeta, o Bem é poesia como deve ser dita. O mal, ao contrário, é não acreditar no esperma como fonte da poesia, como em “Em poetas de esperma” (p.31). Sensações que Guimarães nos traz na voz da personagem – ou pseudônimo interno do livro – Travis Bates, um escritor, um possível nome fictício que pode ser dito na porta da boate, na porta da casa de swing, de sexo sado-masoqui, para evitar reconhecimento, um anonimato permitido. Entretanto, na poesia de Hugo não está nada escondido. Tudo está explícito. Não há constrangimento de dizer, porque falar explicitamente sobre o que fazer com o corpo não é o mal para o poeta. O mal para Hugo é não extrair beleza do corpo, do ato sexual. E é esta aqui a questão que interessa. Hugo, enxergando em Travis Bates, é como Sartre, que enxerga em Genet sua filosofia do existencialismo. Funde poesia e corpo como Bataille funde Sade ao prazer da destruição do objeto (BATAILLE, 1989). O mal em Hugo Guimarães é não aceitar a mancha como explicitada por Ricoeur (2013). A poesia de Hugo traz a mancha de uma vida vista como impura, explícita com seus desejos e prazeres. Enquanto aos olhos dos Outros dizem que é uma vida suja e manchada, para o poeta é uma vida limpa; tem a mancha, a nódoa, e ser sujo e com a nódoa é o Bem. O trabalho poético dele percebe o mal como algo externo, imputado, dado, incrustrado, mas ao contrário de tentar trazer, é não tentar limpar a mancha do mal que lhe imputam, é deixá-la exposta e ainda mostrar como ela é feita incentivando como manchar-se. A poesia de Hugo Guimarães é a favor da mancha do mal, pois é sua opção. Estar manchado o faz na inspiração da linhagem de Baudelaire e Rimbaud, os ‘malditos’. Há um poema em especial neste livro que nos traz a ideia da reversão do símbolo do mal posto pelo preconceito externo. O poema é “Poetas do esperma”. Nele, Guimarães faz uma releitura radical do poema “Procura de poesia”, de Drummond, do livro A rosa do povo,
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
transgredindo o clássico poema, trazendo a luz o que é o mal em sua visão. A intenção do autor é clara: transgredir o poema tradicional, como se transasse com o poema de Drummond e trazer que poesia é feita com o corpo no ato sexual entre dois homens. A homossexualidade apontada com tons de mal, no sentido de um desvio da naturalidade, por Drummond, como uma “recusa do pasto natural aberto aos homens” ou “natureza ambígua e reticente”, no poema “Rapto”, em Claro Enigma (ANDRADE, 1998); anos depois da consagração da publicação destes poemas, e em tempos diferentes do discurso sobre a sexualidade, em Hugo a homossexualidade é assumida e explicitada. O corpo e o sexo não são encarados como sujos, mas o corpo, “manchado” pelo mal da homossexualidade antinatural dos caminhos dos homens – como levantado na tradicional poesia de Drummond – faz poesia. Podemos reler este poema de Drummond de Andrade na chave que o corpo não é, e também não deve ser, o motor da produção da poesia como exposto na “Procura da poesia”. Em A rosa do povo (1945), Drummond traz a expressão dos horrores de guerra e do nazismo da metade do século XX e o poema “Procura da Poesia”, em específico, remete à desesperança do fazer poesia com a realidade, diante do horror da guerra e do real social. Hugo, décadas depois, com a mesma massa de indagação, diante dos horrores da guerra contra as sexualidades dissidentes, reinventa esta mesma intenção, mas na subversão desta imagem do corpo colocada por Drummond para a produção da poesia. Para Guimarães, a poesia nasce do uso do corpo, nasce como um filho do sexo estéril entre dois homens, que a procriação, a criação é dada. Aquele corpo negado por Drummond é o corpo criado, via poesia, por Hugo Guimarães em um universo particular de símbolos, sensações e liberdades. Referências ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Ia ed. São Paulo: Compainha das Letras, 2012. ANDRADE, C. D. Claro enigma. 13a ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. BATAILLE, G. A literatura e o mal. Porto Alegre: L&PM, 1989. GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008. MAIA, H. T. A literatura gay é um cruising bar: reflexões sobre a literatura gay, o mercado e a obra de João Gilberto Noll. Revista Periodicus, n.3, v.1, p.183-199, 2015.
RICOEUR, P. A simbólica do mal. Lisboa: Edições 70, 2013.
Recebido em 27/10/2019. Aceito em 18/01/2020.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
XOXO
A SUBVERSÃO DA MANCHA DO MAL NA POESIA DE HUGO GUIMARÃES
Daniel Manzoni-de-Almeida1 GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008.
Na ocasião, eu pesquisava e tentava desvelar os principais símbolos do mal do preconceito pela orientação sexual representados nos textos de autores cânones do universo dos escritos LGBTI+. Tateando no escuro e experimentando o desconhecido dos escritos literários em blogs na internet – espaço típico dos muitos escritores contemporâneos – deparei com os escritos de Hugo Guimarães, em especial, seu primeiro livro publicado de poemas: Poesia gay underground, de 2008. Na minha primeira camada da leitura os escritos de Hugo Guimarães, detectei a captura do subterrâneo do espaço literário LGBTI+ brasileiro (em especial de um homem gay) como forma de testemunho do sexo no escuro entre homens na regionalidade da cidade de São Paulo. Ultrapassando as demais camadas da leitura e ligando ao meu interesse de então – o mal na literatura – os escritos de Guimarães, em especial em seu livro de poesia citada, percebi o contato de uma experiência do autor com o pensar sobre a realidade do preconceito, com o aparecimento dos símbolos comuns do mal do preconceito quanto à orientação sexual dos sujeitos em seus escritos. No universo desse escritor aparece sua experiência com a linguagem no escuro e sujo, uma filosofia do dark room que passa a servir como uma potente maneira de falar, de forma subversiva e provocativa, sobre uma faceta da homofobia que é ancorada, no que entendo, e faço uma ligação simbólica com a “mancha do mal” em Paul Ricouer, o que torna Hugo Guimarães como um poeta da sinestesia gay. Hugo Rodrigo Guimarães (1985-), com assinatura de literatura como apenas Hugo Guimarães, é um escritor nascido no município de Guarulhos, em São Paulo, que até o momento já escreveu livros de contos, romance e poesia na forma de publicações independentes, além de 1 Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto – Brasil, com período sanduíche em University of Pennsylvania – Estados Unidos da América. Professor no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – Brasil. E-mail: danielmanzoni@gmail.com.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173
manter um blog literário2 no qual divide com seus leitores-seguidores suas produções. A inspiração literária de Guimarães é o “mundo underground” da cidade de São Paulo. Atualmente, o escritor é estudante da graduação de Letras, habilitação grego, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). O “mundo underground” que o autor adota e testemunha vai para além de lugares físicos, envolvendo as condições de vida. Situações de vida não tidas como nobres, regadas a pílulas de diazepan, a música e até a condição de atleta. Poesia gay underground: história e glória é o livro que reúne a primeira produção de poesia de Hugo e está divido em nove capítulos que reúnem as poesias produzidas de 2004 a 2007, que o poeta escrevia e distribuía independentemente, mão a mão, por bares, casas de swing, saunas, crossing-bar, rodas de amigos próximos. É para estes ambientes, conhecidos no universo LGBTI+, que a poesia de Hugo nos leva e convida para uma viagem sinestésica e simbolista do sexo gay – entre homens. Este escrito de poemas faz encher de sensações, do toque da pele, do gosto do sexo entre dois homens, do prazer do sexo proibido, do sexo no subterrâneo nos lugares escondidos, codificados de prazer do sexo explícito em lugares públicos, temas que nos achados da literatura LGBTI+ têm sido reorganizados de forma a atender o mercado editorial, a lógica do capital rumo à tendência heteronormativa, como discutido em Maia (2015). Porém, Hugo não deixa sua viagem sinestésica para si, é por meio da sua poesia que ele testemunha o mundo subterrâneo e o glorifica. Escuridão, pode ser noite ou dia, tanto faz, o importante é a ausência de luz, é dentro de casas escuras, labirínticas, propositalmente, com paredes pintadas de preto e feitas de madeira-tapume para ajudar a baixar ainda mais a luminosidade. Neste ambiente, a visão é o sentimento menos apelado. Tato, paladar e olfato são os mais requeridos e ovacionados nas descrições de Hugo. O tato, nas pontas dos dedos que escrevem e direcionam o caminho do testemunho do submundo, funciona como olhos do poeta e as palavras, como como mãos à frente do corpo, tateando, enquanto o olfato está com a atenção focada em encontrar cheiros particulares. Cheiro de suor, mas não qualquer suor: é suor de esforço físico, o que também não é qualquer esforço físico: é daquele que o líquido brotou de pelo menos dois corpos, e ali mais de dois corpos, às vezes, entrelaçados, corpos sem dizer nomes, anônimos, uns submetidos, outros submetendo. É cheiro de testosterona, que não é adocicada nem é amadeirada, que só se encontra nesses ambientes subterrâneos tão escuros, tão escondidos. É neste instante que a descrição do paladar entra na poética de Guimarães como a tradução do gosto das secreções corporais. Na poética de Hugo, o problema não é o falar delas, pois tudo é explícito: para se ter prazer, tem que conviver com elas.
2 Disponível em http://hugoguimaraesnoceu.blogspot.com.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
O medo dos outros em não descer na poesia subterrânea emergida por Hugo talvez seja esse contato com as secreções, com os cheiros que exalam na poesia, como em “Que vício longo que vício longo, baby sangue, esperma e catarro no mesmo lugar ainda estou vivo” (p.47). Os sons trazidos pelos poeta não podem ser esquecidos. Os gemidos da cena sexual, que podem ser abafados pela música norte-americana de Bob Dylan, amplificada pela batida eletrônica metalizada, fabricada pelo aparelho de música, remixada mil e tantas vezes e que invade o escuro dos subterrâneos. Ajuda a bater mais forte o coração e liberar o corpo para fazer poesia. É o momento em que detecto o auge da simbologia do mal na poesia de Guimarães: encarcerado no símbolo de tudo que não pode e não deve enquanto homossexual, que o atinge e é dissolvido e invertido e passa a ser o Bem, no símbolo de tudo que pode e deve ser enquanto gay. O mal, em forma de uso do corpo, é assumido por Hugo como história e glória. O poeta gosta do mal que lhe dizem ser mal. O mal para Guimarães é não usar o corpo para fazer o Bem, e, para poeta, o Bem é poesia como deve ser dita. O mal, ao contrário, é não acreditar no esperma como fonte da poesia, como em “Em poetas de esperma” (p.31). Sensações que Guimarães nos traz na voz da personagem – ou pseudônimo interno do livro – Travis Bates, um escritor, um possível nome fictício que pode ser dito na porta da boate, na porta da casa de swing, de sexo sado-masoqui, para evitar reconhecimento, um anonimato permitido. Entretanto, na poesia de Hugo não está nada escondido. Tudo está explícito. Não há constrangimento de dizer, porque falar explicitamente sobre o que fazer com o corpo não é o mal para o poeta. O mal para Hugo é não extrair beleza do corpo, do ato sexual. E é esta aqui a questão que interessa. Hugo, enxergando em Travis Bates, é como Sartre, que enxerga em Genet sua filosofia do existencialismo. Funde poesia e corpo como Bataille funde Sade ao prazer da destruição do objeto (BATAILLE, 1989). O mal em Hugo Guimarães é não aceitar a mancha como explicitada por Ricoeur (2013). A poesia de Hugo traz a mancha de uma vida vista como impura, explícita com seus desejos e prazeres. Enquanto aos olhos dos Outros dizem que é uma vida suja e manchada, para o poeta é uma vida limpa; tem a mancha, a nódoa, e ser sujo e com a nódoa é o Bem. O trabalho poético dele percebe o mal como algo externo, imputado, dado, incrustrado, mas ao contrário de tentar trazer, é não tentar limpar a mancha do mal que lhe imputam, é deixá-la exposta e ainda mostrar como ela é feita incentivando como manchar-se. A poesia de Hugo Guimarães é a favor da mancha do mal, pois é sua opção. Estar manchado o faz na inspiração da linhagem de Baudelaire e Rimbaud, os ‘malditos’. Há um poema em especial neste livro que nos traz a ideia da reversão do símbolo do mal posto pelo preconceito externo. O poema é “Poetas do esperma”. Nele, Guimarães faz uma releitura radical do poema “Procura de poesia”, de Drummond, do livro A rosa do povo,
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
transgredindo o clássico poema, trazendo a luz o que é o mal em sua visão. A intenção do autor é clara: transgredir o poema tradicional, como se transasse com o poema de Drummond e trazer que poesia é feita com o corpo no ato sexual entre dois homens. A homossexualidade apontada com tons de mal, no sentido de um desvio da naturalidade, por Drummond, como uma “recusa do pasto natural aberto aos homens” ou “natureza ambígua e reticente”, no poema “Rapto”, em Claro Enigma (ANDRADE, 1998); anos depois da consagração da publicação destes poemas, e em tempos diferentes do discurso sobre a sexualidade, em Hugo a homossexualidade é assumida e explicitada. O corpo e o sexo não são encarados como sujos, mas o corpo, “manchado” pelo mal da homossexualidade antinatural dos caminhos dos homens – como levantado na tradicional poesia de Drummond – faz poesia. Podemos reler este poema de Drummond de Andrade na chave que o corpo não é, e também não deve ser, o motor da produção da poesia como exposto na “Procura da poesia”. Em A rosa do povo (1945), Drummond traz a expressão dos horrores de guerra e do nazismo da metade do século XX e o poema “Procura da Poesia”, em específico, remete à desesperança do fazer poesia com a realidade, diante do horror da guerra e do real social. Hugo, décadas depois, com a mesma massa de indagação, diante dos horrores da guerra contra as sexualidades dissidentes, reinventa esta mesma intenção, mas na subversão desta imagem do corpo colocada por Drummond para a produção da poesia. Para Guimarães, a poesia nasce do uso do corpo, nasce como um filho do sexo estéril entre dois homens, que a procriação, a criação é dada. Aquele corpo negado por Drummond é o corpo criado, via poesia, por Hugo Guimarães em um universo particular de símbolos, sensações e liberdades. Referências ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Ia ed. São Paulo: Compainha das Letras, 2012. ANDRADE, C. D. Claro enigma. 13a ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. BATAILLE, G. A literatura e o mal. Porto Alegre: L&PM, 1989. GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008. MAIA, H. T. A literatura gay é um cruising bar: reflexões sobre a literatura gay, o mercado e a obra de João Gilberto Noll. Revista Periodicus, n.3, v.1, p.183-199, 2015.
RICOEUR, P. A simbólica do mal. Lisboa: Edições 70, 2013.
Recebido em 27/10/2019. Aceito em 18/01/2020.
VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.
XOXO
1 de mai. de 2020
35
"35"
35 centimeters
35 quilos
that's what I wanna be
35 centimeters
35 quilos
that's what I want you to be
(Hugo Guimarães)
achei por bem postar algo meu hoje
achei por bem deletar a cover do supergrass
achei por bem reconhecer que a mesma ficou péssima
achei por bem abrir um pouco os olhos
achei por bem cantar minhas próprias músicas onde minha voz encaixa melhor
achei por bem manter a parceria com o Fernando Bocaletto.
achei por bem dizer a ele se já posso mandar novos arranjos vocais pra ele fazer
as linhas de guitarra.
já estou cansado
fui á nova psiquiatra hoje
ela explicou a fome que tenho sentido
e o cansaço de me mover de um lado para o outro
e a irritação que isso ás vezes me dá
que resolvo tomando uma olanzapina e um clonazapem
o quão horrível é ir tomar banho, é ter de atravessar uma montanha de lixo.
para sair da cama e atravessar a cidade, é apenas mover uma montanha.
ela não conseguiu explicar explicar de uma forma muito clara o cansaço.
onde se lê "cansaço" entende-se "depressão".
ela é mais uma psiquiatra a me dar lítio
"encrespa meu cabelo" eu disse
ela disse "tem certeza? ouvi relatos desse sintoma com o depakene e com o valproato"
vamos dar uma pausa para ouvir a beleza que é a música "acabou chorare" dos novos baianos.
acabou chorare
no meio do mundo
respirei eu fundo
foi-se tudo pra escanteio
(choro)
disse pra ela sobre minha última oscilação importante de humor e libido
antes da tentativa de suicídio de 3 de abril eu cheirava cocaína nú, excitado
e mandava fotos de mim nu para as pessoas sem elas pedirem, e a reação
delas me deixava muito excitado, mais ainda as que aceitavam me ver na cam
desde que voltei do hospital minha libido está tão baixa que não tive sequer uma ereção
ela disse que é normal. que é culpa da cocaína. sempre ela.
bom mesmo é que estou há um mês limpo e pretendo continuar
disse a ela que precisava de um homem, um companheiro pra cuidar de mim
mesmo com a falta de libido, eu precisava de carinho, e faria sexo por obrigação.
acabei de tomar minhas seis pedras pra dormir
e o perigo de sair correndo na rua de pijama atrás de você de madrugada?
o sonambulismo
o rádio está ligado
o telefone está escondido
mas duvido que irá tocar
I'm so
Worried
I bought that posh clothing
But it still looks ugly
disse a ela sobre o meu transtorno de imagem
estou me sentindo feio, muito feio, nem preciso olhar para o espelho
como posso me oferecer pra alguém me sentindo tão feio?
borderline
Feels like I'm going to lose my mind
o gift de hoje é uma performance de "35" (Letra/arranjo vocal/Vocal: Hugo Guimarães/ Guitarra: Fernando Bocaletto)
ouça no link abaixo:
https://cdn.fbsbx.com/v/t59.3654-21/93941904_707421833423864_5868088781436878848_n.wav/35.wav?_nc_cat=102&_nc_sid=7272a8&_nc_ohc=OWUbhTTeeZgAX_6NA8x&_nc_ht=cdn.fbsbx.com&oh=38d06b9924c173aad8629543a6a3c331&oe=5EAD7AD6&dl=1&fbclid=IwAR2hn3aPYFGal-QyarbhR6_6_ce9Hdgj1-FMJAgzJYS0Wxp3DR6zS_WPIEo
XOXO
35 centimeters
35 quilos
that's what I wanna be
35 centimeters
35 quilos
that's what I want you to be
(Hugo Guimarães)
achei por bem postar algo meu hoje
achei por bem deletar a cover do supergrass
achei por bem reconhecer que a mesma ficou péssima
achei por bem abrir um pouco os olhos
achei por bem cantar minhas próprias músicas onde minha voz encaixa melhor
achei por bem manter a parceria com o Fernando Bocaletto.
achei por bem dizer a ele se já posso mandar novos arranjos vocais pra ele fazer
as linhas de guitarra.
já estou cansado
fui á nova psiquiatra hoje
ela explicou a fome que tenho sentido
e o cansaço de me mover de um lado para o outro
e a irritação que isso ás vezes me dá
que resolvo tomando uma olanzapina e um clonazapem
o quão horrível é ir tomar banho, é ter de atravessar uma montanha de lixo.
para sair da cama e atravessar a cidade, é apenas mover uma montanha.
ela não conseguiu explicar explicar de uma forma muito clara o cansaço.
onde se lê "cansaço" entende-se "depressão".
ela é mais uma psiquiatra a me dar lítio
"encrespa meu cabelo" eu disse
ela disse "tem certeza? ouvi relatos desse sintoma com o depakene e com o valproato"
vamos dar uma pausa para ouvir a beleza que é a música "acabou chorare" dos novos baianos.
acabou chorare
no meio do mundo
respirei eu fundo
foi-se tudo pra escanteio
(choro)
disse pra ela sobre minha última oscilação importante de humor e libido
antes da tentativa de suicídio de 3 de abril eu cheirava cocaína nú, excitado
e mandava fotos de mim nu para as pessoas sem elas pedirem, e a reação
delas me deixava muito excitado, mais ainda as que aceitavam me ver na cam
desde que voltei do hospital minha libido está tão baixa que não tive sequer uma ereção
ela disse que é normal. que é culpa da cocaína. sempre ela.
bom mesmo é que estou há um mês limpo e pretendo continuar
disse a ela que precisava de um homem, um companheiro pra cuidar de mim
mesmo com a falta de libido, eu precisava de carinho, e faria sexo por obrigação.
acabei de tomar minhas seis pedras pra dormir
e o perigo de sair correndo na rua de pijama atrás de você de madrugada?
o sonambulismo
o rádio está ligado
o telefone está escondido
mas duvido que irá tocar
I'm so
Worried
I bought that posh clothing
But it still looks ugly
disse a ela sobre o meu transtorno de imagem
estou me sentindo feio, muito feio, nem preciso olhar para o espelho
como posso me oferecer pra alguém me sentindo tão feio?
borderline
Feels like I'm going to lose my mind
o gift de hoje é uma performance de "35" (Letra/arranjo vocal/Vocal: Hugo Guimarães/ Guitarra: Fernando Bocaletto)
ouça no link abaixo:
https://cdn.fbsbx.com/v/t59.3654-21/93941904_707421833423864_5868088781436878848_n.wav/35.wav?_nc_cat=102&_nc_sid=7272a8&_nc_ohc=OWUbhTTeeZgAX_6NA8x&_nc_ht=cdn.fbsbx.com&oh=38d06b9924c173aad8629543a6a3c331&oe=5EAD7AD6&dl=1&fbclid=IwAR2hn3aPYFGal-QyarbhR6_6_ce9Hdgj1-FMJAgzJYS0Wxp3DR6zS_WPIEo
XOXO
28 de abr. de 2020
ELEGIA 28 DE ABRIL DE 2020
Fora Sky Ferreira e uma música do Supergrass!
Agora vamos ouvir a rainha do rock
Agora que já estou deitado aqui
Na minha cama confortável
Se eu pudesse perguntar bem no ouvidinho dele
“Dessa vez você torceu para eu conseguir, não foi?”
Eu o faria. Mas ele quebraria meu maxilar
Que pessoa grosseira me pôs aqui.
Pedi para minha mãe me puxar de lado
E ela tentou fazer que eu mudasse de ideia
Conseguiu em partes, mas não conseguiu
Me fazer ir tomar banho. Conseguiu marcar
Para sábado: uma divã em família.
Dormi muito da tarde.
E quietiapina e o topiramato e eles causam um efeito
colateral
Que deixa o indivíduo sonolento, sem querer levantar
da cama
Esqueci o nome técnico para essa desordem,
Meu psicólogo novo que me disse isso hoje
Disse também que não se pode ser
Borderliner e bipolar ao mesmo tempo
Melhor confiar no médico (o psiquiatra)
Fumei
Abri uma lata de leite condensado
Cantei
Voltei a achar que posso cantar rock
O que eu, Sylvia Plath e Ana C temos em comum?
Elas conseguiram morrer logo após publicar a obra
prima
Eu não consegui. Nada.
“Quem falou que não pediu pra nascer?
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Eu sinto muito
Vai ficar para outra vez...”
(Rita Lee)
23 de abr. de 2020
ROSAS PRETAS
tenho algo a dizer
mas nada me vem
enquanto observo o buquê de rosas pretas
para você comprou para mim enquanto eu estava em coma
eu quero sonhar
mas meus pais não deixam
meu pai fala que eu grito no banheiro
quanta maldade
mas apenas mas umas das muitas das que ele fez pra mim
ele foi responsável por eu ter recebido a luz
e eu não fui consultado se eu queria ou não
"Mar morto" era como Rita Lee chamava nossa São Paulo em 1997
em sua música "Obrigado, não"
em 1997 eu ainda era espancado pelo meu pai sem motivo
com tapas e com um cinto de couro
minha mãe uma vez foi até a escola no segundo grau
na hora do recreio. viu que eu estava sozinho.
é o que pai espancadores produzem
se eu tivesse ido um pouco, mas só um pouco além
eu teria entrado naquela escola com uma arma,
matado um monte de gente e atirado na minha cabeça depois.
Eu vou me calar por uns tempos, há muito mais gente querendo que eu me cale do que cantando. então é melhor você torcer para que no próximo coma, eu finalmente vá
vá colocar as rosas em um vaso, vá
talvez eu possa voltar a pensar a sonhar de novo
quatro bons livros de literatura não é o bastante?
Sei que deveria, mas eu sou uma barata.
fiz algumas experiências com jazz. não deu certo
fiz algumas experiências com queer cores explosivos (que ainda não mostrei pra ninguém)
mas eu não sei se ainda tenho forças para rodar o interior do estado berrando rocks ruins.
o cartão no buquê dizia "não me amole mais".
my libido?
a mosquito
nem me masturdo desde que voltei do hospital
recebi nudes hoje no messenger, tive que fingir que não vi
nessa nexta vou levar uma fornada de quatro livros "IGOR NA CHUVA" no correio.
do we carry on?
XOXO
mas nada me vem
enquanto observo o buquê de rosas pretas
para você comprou para mim enquanto eu estava em coma
eu quero sonhar
mas meus pais não deixam
meu pai fala que eu grito no banheiro
quanta maldade
mas apenas mas umas das muitas das que ele fez pra mim
ele foi responsável por eu ter recebido a luz
e eu não fui consultado se eu queria ou não
"Mar morto" era como Rita Lee chamava nossa São Paulo em 1997
em sua música "Obrigado, não"
em 1997 eu ainda era espancado pelo meu pai sem motivo
com tapas e com um cinto de couro
minha mãe uma vez foi até a escola no segundo grau
na hora do recreio. viu que eu estava sozinho.
é o que pai espancadores produzem
se eu tivesse ido um pouco, mas só um pouco além
eu teria entrado naquela escola com uma arma,
matado um monte de gente e atirado na minha cabeça depois.
Eu vou me calar por uns tempos, há muito mais gente querendo que eu me cale do que cantando. então é melhor você torcer para que no próximo coma, eu finalmente vá
vá colocar as rosas em um vaso, vá
talvez eu possa voltar a pensar a sonhar de novo
quatro bons livros de literatura não é o bastante?
Sei que deveria, mas eu sou uma barata.
fiz algumas experiências com jazz. não deu certo
fiz algumas experiências com queer cores explosivos (que ainda não mostrei pra ninguém)
mas eu não sei se ainda tenho forças para rodar o interior do estado berrando rocks ruins.
o cartão no buquê dizia "não me amole mais".
my libido?
a mosquito
nem me masturdo desde que voltei do hospital
recebi nudes hoje no messenger, tive que fingir que não vi
nessa nexta vou levar uma fornada de quatro livros "IGOR NA CHUVA" no correio.
do we carry on?
XOXO
14 de abr. de 2020
CADEIA POR HASHISH
Há algo de errado com a lei
eu não deveria estar aqui preso
ok se fosse por uma noite,
mas são 14 dias que me torturam.
nos que estou preso no meu quarto
fiz minha melhor performance vocal ever
uma versão que eu criei para "Been a Son" do Nirvana
que apenas duas pessoas deram like.
talvez estejam todos cansados das péssimas performances
que eu tenho postado no blog, mas agora vejo as coisas de outra forma
vejo que preciso usar minha (falta) de voz de outro jeito
preciso criar interpretações relevantes
assim vão começar me ouvir.
Lá vai o Hugo Guimarães tentar o suicídio de novo.
dois dias entubado. dois dias em coma
lá me diagnosticaram com covid19.
Passei longos sete dias no hospital
em uma cama dura, comendo uma comida que fedia,
levando agulhada até meus dois braços ficaram
tomados de furos e feridas a medida que suspenderam
medicações por veia.
Me arrependi muito.
disse para o teto que tudo o que eu queria era estar em casa
com os meus pais comendo pizza e bebendo cerveja.
eu teria de ficar os 14 dias no hospital.
um dia depois da conversa com o teto
um médico anjo me deu alta pra ir para casa.
Hoje é o décimo segundo dia
eu me sinto cansado para terminar esse texto
não cansado por causa do covid19
mentalmente cansado
me sentindo um cachorro preso de corrente
dentro de uma casinha de madeira
tendo o pote substituído com ração e água.
minha mãe coloca no chão do lado da porta do meu quarto
minhas refeições
ela não conversa comigo
porque está isolada
é muito difícil não me sentir um animal.
chau chau
Posso te pedir uma coisa? Ouça minha versão para "Been a Son", há outro Hugo aqui.
XOXO
eu não deveria estar aqui preso
ok se fosse por uma noite,
mas são 14 dias que me torturam.
nos que estou preso no meu quarto
fiz minha melhor performance vocal ever
uma versão que eu criei para "Been a Son" do Nirvana
que apenas duas pessoas deram like.
talvez estejam todos cansados das péssimas performances
que eu tenho postado no blog, mas agora vejo as coisas de outra forma
vejo que preciso usar minha (falta) de voz de outro jeito
preciso criar interpretações relevantes
assim vão começar me ouvir.
Lá vai o Hugo Guimarães tentar o suicídio de novo.
dois dias entubado. dois dias em coma
lá me diagnosticaram com covid19.
Passei longos sete dias no hospital
em uma cama dura, comendo uma comida que fedia,
levando agulhada até meus dois braços ficaram
tomados de furos e feridas a medida que suspenderam
medicações por veia.
Me arrependi muito.
disse para o teto que tudo o que eu queria era estar em casa
com os meus pais comendo pizza e bebendo cerveja.
eu teria de ficar os 14 dias no hospital.
um dia depois da conversa com o teto
um médico anjo me deu alta pra ir para casa.
Hoje é o décimo segundo dia
eu me sinto cansado para terminar esse texto
não cansado por causa do covid19
mentalmente cansado
me sentindo um cachorro preso de corrente
dentro de uma casinha de madeira
tendo o pote substituído com ração e água.
minha mãe coloca no chão do lado da porta do meu quarto
minhas refeições
ela não conversa comigo
porque está isolada
é muito difícil não me sentir um animal.
chau chau
Posso te pedir uma coisa? Ouça minha versão para "Been a Son", há outro Hugo aqui.
XOXO
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