15 de out. de 2017

ATÉ QUARTA SE EU ESTIVER VIVO

Até quarta que vem se eu estiver vivo. Foi assim que eu te respondi depois de você falar por noventa minutos, coisas que eu entendo, coisas que eu não entendo, coisas que acho bonitas, outras pouco possíveis. Citou Ana C. finalmente em sua aula de literatura brasileira VI, não? Que avanço; mas isso não me animou, só me lembrou que Ana C depois de publicar seus três ou quatro livros e fazer a maravilha de tese na cidade de Essex que você também vai usar como base nessa fase do curso, pois bem Ana C se jogou do oitavo andar aos trinta e três. Isso vem de Sylvia Plath, isso vem de muita gente, muita gente de saco cheio que não consegue tolerar tudo isso. Foi uma noite de muito questionamento, por isso não ouvi quase nada do que você disse. Disse a mim mesmo “pelo menos vá até o final desse ano, depois tire seis meses de férias dessa faculdade para pensar se ainda a quer”, mas eu nem sei se tenho forças o suficiente para vir quarta que vem. Já escrevi publiquei meus três livros, grávido do quarto e não, não vou fazer intercâmbio porque eu sequer tenho ânimo para ir esquiar em Bariloche, se quer saber; e quer saber, quer mesmo saber? Está para ser escrito um livro mais chato que Macunaíma, com aquela adjetivação extrema irritante. “Não se forma em letras sem ler Macunaína, gente” disse um professor gordo no terceiro semestre, assim como o Caetano Veloso sósia que me dá aula agora diz que não se deve se formar em letras sem ler o tal Grande Sertão e. quando penso na grossura daquele livro, tudo o que consigo pensar é arremessar ele na cabeça do Antônio. Se eu sobreviver até o final dessa matéria, não espere de mim mais do que ver o filme, em cores, com o Grande Otelo, que vou ver no youtube, não vou gastar R$ 17,50 para ver na mostra internacional de São Paulo deste ano, pois essa mostra é um dos raros momentos de lazer e prazer na minha vida. Aliás ainda estou esperando minhas notas dos breves relatos que fiz sobre filme e livro de “Vidas Secas” e sobre “Deus e o diabo na terra do sol” e Grande Sertão: Veredas. Breves relatos que fiz sem ver os filmes inteiros se você quer saber. Sabe por quê? Porque o cinema está tão enraizado no meu coração que eu poderia escrever sobre um filme vendo apenas uma cena, comparar com o livro lendo apenas um trecho, eu posso ter um cérebro pequeno, mas tenho um coração grande e é isso o que falta nesses cinzentos corredores do curso de letras da universidade de São Paulo. Quero ver, quero só ver a nota que mereço por isso.

Agora acabou, não é? Acabou o micro hype da menção honrosa que recebi do programa nascente da usp pelo meu romance “Drag por drag”, que já considero mudar o título para “Igor na chuva”. Escolhi a paciência dessa vez. Mandei para dez editoras, o Santiago está lendo, o Marcelino não quis ler, até para a Patuá eu mandei. Dois anos, se eu implorar bastante eu consiga publica-lo em dois anos por uma editora que o respeite. Não que não seja respeitável uma auto edição, como Ana C já fez, como Rimbaud já fez, como o próprio Mario de Andrade fez mas. Uma auto edição agora parece amarga demais, parece um atestado de derrota. O pior é que o livro é bom pra cacete. É comercial ainda por cima, é emocionante, é movimentado, flerta com literatura fantástica e não é livro de gênero, é literatura humana, vai de encontro a qualquer ser humano. Em dois anos também pode haver outros prêmios, outros editais, outras pessoas para conhecer e pessoas para conhecer o livro, eu tenho apenas trinta e dois, sou um escritor jovem ainda e sim. Posso fazer outra sinopse para o livro, outra bem melhor e Ah sim! Este ano ainda tem o resultado do prêmio Paraná de literatura em dezembro. Não acho impossível, só acho bem, bem difícil.


Quando o vento sopra

E o céu está escuro

Quando anseio

Por ver você

Quando o vento sopra
E eu me sinto triste

Penso na sua beleza

Será que está bem?

Você vive feliz?

Consegue ver o meu coração?

Por que minha mente

Ficou nesse estado?

Consegue ver meu coração?

Por que minha mente

Ficou nesse estado?


Canção cantada pela personagem Yonguee, no filme “Na praia á noite sozinha” de Hong Sang-Soo (Kor, 2017)

Agora acabou, não é? Estou pensando em não ir á terapeuta na segunda-feira porque estou com vergonha de contar pra ela do meu fracasso. Desde maio esse sofrimento, não? Estamos em outubro. Eu sempre lá manifestando meu amor e você sempre me dando falsas esperanças mesmo nunca querendo nada de mim, além de encontros sexuais em cada dois meses, no máximo. Em dias de semana, claro. Nunca fui bom ou bonito o bastante para te ver em um sábado, para ir ao cinema com você, para conhecer seus amigos, não; antes eu servia para te dar sexo e te esquentar em uma noite de quarta-feira a cada dois meses, mas agora nem pra isso eu sirvo mais. Agora você inventou uma desculpa para eu nem poder ir á sua casa, não? Agora nossos encontros serão a cada dois meses em um dos vestiários escuros do IQ, não? E depois? Vai evoluir a quê? Não vou servir pra isso também? Depois o que vai acontecer? Vamos nos encontrar a cada três meses na porta do IQ para eu engraxar seus sapatos? Agora acabou, não é? Espero que você não se arrependa por não ter tido a vontade de ter algo sério comigo, porque você não vai mais falar comigo e nem me ver, nunca mais. Você é a pessoa mais sonsa e sádica que já conheci e talvez você não tenha tido culpa. Você não é obrigado a me querer e talvez você nunca tenha me dado expectativas, eu é que me dei. Ás vezes, tudo e apenas o que precisamos é de um tapa na cara pra acordar, sabia? E você não quis me dar esse tapa, me deixou nesse estado por cinco meses. Acho que a fluência de imagens do cinema também ajuda com os flashes da vida para lembrarmos o que é ruim e o que é insignificante. Ao desistir de você, achei que não iria treinar no final de semana, que ia ficar jogado na cama, que ia trabalhar na semana que vem como um robô e todos perceberiam que haveria algo de errado comigo, mas tudo bem, a experiência dura noventa dias, há tempo para tempos ruins e daí me veio a imagem dos porres do meu ex-namorado, o quanto ele se comportava como um bebê e eu tinha de cuidar dele, lembro dele mastigando aquela droga daquela pizza barata me encarando, me desafiando enquanto eu fazia menção de cheirar cocaína na frente dele porque isso o irritava. E o que eu tenho agora é a minha liberdade. E pensei que não há porque deixar de ir ao treino e ficar jogado na cama por causa de nada. Afinal, eu sequer tenho um homem. Se você tem um homem, você fica jogado na cama por causa dele e quando você não tem um homem? Vai ficar jogado na cama por causa do quê? Fui treinar hoje e foi um treino duro. Meu corpo está bonitinho, consegui lançar o dardo a 35,55m, mas preciso me dedicar á base, perder um quilo de gordura localizada imediatamente para aí sim ter um homem? Daí não vieram imagens do cinema, vieram canções; Jeff Buckley agonizando “It’s you I been waiting my life to see? It’s you I been waiting my life to see?” (Jeff morreu afogado no Mississipi aos 27 como todos sabem) ou Bowie cantarolar, Bowie sobre o que eu acho sobre meu homem, onde ele está: “There’s a starman waiting in the sky / He’d like to come and meet us / But he thinks he’d blow our minds / Let the children lose it / let the children use it / Let all the children boogie / lá lá lá lá… lá lá lá lá…


XOXO

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