21 de nov. de 2024

PING PONG Nº11


Matem ele 

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- Hoje eu declaro o fim da cocaína no mundo, ao me levantar e ver o sangue no espelho, e ver o peso de calotear o prestador de serviço
- Traficante outro que ele ia me entregar para a morte quando eu devia muito, ela, ela o pagou, hoje ela disse que ia acabar morrendo só porque eu estava morrendo, ele disse que assim que ela morresse, eu daria risada da morte dela e ali eu percebi que nunca apanhei em casa, porque o agressor precisa ser humano e ele não é um homem, ele é um bicho
- Meu deus! O que ele tinha na cabeça ao dizer algo tão grave?
- A menor unidade de um ser vivo por dentro e um par de chifres por fora
- O que temos aqui? Um nivelamento de monstros? Um nivelamento de psicopatas? O que tivemos foi uma tentativa pífia de quem tem ódio tentando persuadir outrem a ter ódio também, mas quem me pariu foi ela e quem pariu ele, parece que não gostou nem um pouco
- Disse isso a ele?
- Não, além do refresco na memória da intenção de ele me entregar para a morte, eu disse algumas vezes "Esse homem não é meu pai!"
- Como assim? Você está dizendo que eu traí seu pai?
- Sei lá, devo ter sido trocado, só sei que alguma coisa está muito errada
- E o que ele disse?
- "Você vai se foder quando precisar de mim"
- Antes de dormir, trancou a porta do quarto onde fica o computador com meus textos, meus estudos, minhas parcas contas
- Conseguiu?
- Consegui, amanheci pesando setenta quilos e quatrocentos gramas

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- A aposta serve para você perder, não para você ganhar, no meu caso, eu estou apostando em homens
- Nesse tipo de jogo não é a máquina, não é a cartela, não é um jogo burocrático que empatou, o desenho da mula sou eu, é a minha cara que está em jogo o tempo inteiro
- Seria poético se não fosse podre dizer que se trata de um bando de homens desclassificados dizendo "sim" uns para os outros e assim nasceu o universo de Clarice, mas se dependesse de mim, o universo jamais teria nascido
- Eu peço o "sim", mas eles não me devolvem, cada vez mais, eu noto que a lista a porcentagem de "sim" encolhe, mais e mais, eu finjo que não é comigo, porque se eu considerar que essa constante subida de sarrafo significa que eu sempre fui feio, onde vou arrumar retaguarda para lidar com isso?
- Ontem eu estive na Babilônia da Coreia do Norte de novo, 2m², cachorros e guardas atrás das portas e das janelas, imitação, mas apenas indução de prazer, só figura, mas nenhum conteúdo, ao contrário da disposição, da longevidade, um cansaço grudento, nem quero falar de mim ou dela, mas o resultado desse fundo de poço, desse lodo, é que eu não vou voltar para a universidade no ano que vem e talvez nunca mais
- Os homens que amanhecem é um engavetamento que eu não quero resolver

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- Quarenta comprimidos de clonezapem, dez de zolpidem e três de quietiepina, o estudo da faca mais pontuda para enfiar a mais adequada no meu pescoço, os comprimidos, senão morte, coma, mas acordei no dia seguinte cheio de panos brancos, como uma senhorita de dois séculos atrás
- O monstro já disse várias vezes que a aposentadoria dos dois é o suficiente para que vivessem e que minha mãe, idosa, só precisa levantar cedo para trabalhar cinco vezes por semana, por minha causa, caiu-me então a ficha, não tem lugar para mim nessa casa, são seis anos já atuando como peso morto e isso os cansa, e é por isso que eles fazem coisas horríveis, me dizem coisas horríveis, há uma atualização, eu não tenho casa, eu não tenho família, eu não tenho pais.

- O que aquele pó podre, nojento, aquela favela nojenta, me pararam de novo, me fez perder algo de novo e para quê? Ficar nu, adorar meu pênis, receber elogios por ele, receber convites, mas sempre recuso por estar sujo, por ter preguiça e principalmente porque o pênis é um pedaço muito pequeno de um homem, e muitas vezes eu vejo minha cara como uma embolia, que é mais ou menos grave no espelho, eu já fui jovem, já fui bonito, já fui musculoso, eu não hesitava em tocar ninguém naquele pequeno inferno de homens de toalha, a porcentagem era muito alta dos que me aceitavam, os que não, eu não me importava, o homem a meio metro próximo aceitava, e então de repente eu acordei e eu tinha quarenta anos, hoje eu consigo ter a noção da merda que eu sou, que eu já fiz três procedimentos no rosto, que eu não tenho mais músculos, antes eu tinha muita confiança ao abordar, agora eu nem sei mais sorrir, eu tenho medo de sorrir porque uma devolutiva de desdém seria provavelmente algo que eu não saberia lidar, algo pavoroso, houve um tempo em que meu pênis fazia sucesso, agora não faz mais, que antes ou depois quando estou sóbrio, eu lembro que sequer tenho um pênis, e eu nem faço mais questão de ter um pênis

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- Daqui a vinte e dois dias vou ficar sozinho, sim vou fazer um pedido, não pretendo tirar as roupas, não pretendo acessar os Apps, não pretendo agradar a mim mesmo com minha nudez, muito menos aos outros, estarei com meu produtinho em frente à TV, em paz, gozando a privacidade, em liberdade, consideravelmente carcomido como Justine Frischmann

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- Visto que sou idiota, gravei "King and Caroline" do Guided by Voices e mandei no WhatsApp para o aniversário dela começar mais leve, mas que dia começa leve com aquele animal em casa? Ele é pai de um porco ou de um galo, gosta de ser carinhoso com pets, mas quando ficam doentes ele é frio, não se importa nenhum pouco quando morrem, não tira um centavo do bolso para o veterinário, diz que não se deve mudar o cotidiano por causa de um animal, vê sofrendo, mas instantaneamente muda o afeto para o desprezo, por uma questão exclusivamente monetária, para ele, pets são seres de segunda classe, mas ele é um ser de terceira classe, ele não vale um porco

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- Eu queria entrar naquela favela, vestido de mulher, com uma arma muito boa, e quando um daqueles pretos dissessem para eu levantar a blusa, mostrar a barriga e as costas, eu responderia "A favela é sua, seu bosta?", e daria um tiro no abdômen dele, não, não se escapa de um tiro no abdômen, eles compraram câmeras para monitorar a favela, não? Eu não iria muito longe, mas eu descarregaria a arma na tenda onde ficam os olheiros
- Realizei o fetiche
- Qual?
- De transar com um traficante
- Jura? E como foi?
- O mesmo que tinha me entregado a droga me seguiu, era tarde da noite
- Não era um príncipe, mas não era um sapo, era bem másculo
- E como aconteceu?
- Ele me alcançou e me perguntou da minha sexualidade, logo eu estava fazendo sexo oral nele eu uma rua escura, depois ele pediu para ver meu pênis, disse,
- Eu nunca chupei um pau, vou ver como é

- E me chupou

- E ele gostou?
- Ele não tinha telefone
- E o que você achou?
- Pouco
- Pouco? Por quê?
- O fetiche é ser violentado por um traficante mau, ou dois, ou três
- Tá, mas isso fica só no inconsciente, não?
- Não, quando chego em uma biqueira barra pesada, branquinho, olhos azuis, bem vestido, eu percebo o jeito que eles olham para mim, case comigo, deixo tudo, venho morar nessa casa minúscula e precária, farei suas contas, sempre quando a polícia aparecer eu vou dizer que não sei de nada, que só te visito com frequência, que nada sei dos seus negócios, eu sou uma putinha bem mentirosa, você sabe, só não quero mentir para você, vou cuidar da casa para quando você chegar não encontrar baratas, não gosto de vestir calcinha, me sinto patético nelas, mas o que há de se fazer se você gosta de me ver vestido nelas? Eu sei, eu sei que por causa de um motivo torpe, sem possibilidade de defesa, eu posso terminar esquartejado dentro de uma mala, mas também posso acabar fazendo as malas para nos mudar para outro lugar onde ninguém note que casamos 

 

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- O que aquele desclassificado vai fazer com quatrocentos e vinte e oito milhões em bens?

- Morrer e deixar para alguém que voltará a ser pobre

- Enquanto rico, irá comprar a lei para estuprar pessoas

 

XOXO

PING PONG Nº10

 


Matem ele

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- Quando vejo muita beleza, eu lembro que eu preciso me contentar com a comida

- E quando é com muita riqueza, te imagino queimando dentro de um stock car

 

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- Ao contrário dos Sex Pistols, você vai contra si mesmo e depois se estende aos outros
- Não é todo dia que duas carreiras acabam
- Não é todo dia que eu percebo que eu preciso ignorar esses Apps, não posso deixar essa gentalha desse lugar podre acabar com o resto da minha autoestima
- Se não tenho mais carreira nenhuma, preciso começar outra, para voltar a fazer  música não preciso implorar por outros músicos, preciso começar a estudar guitarra, comprar uma guitarra, músicas tenho um monte, só preciso conseguir dinheiro para começar a estudar e  comprar um instrumento
- E quando começar a tocar? Vai precisar de outros músicos de todo jeito
- Não, vai ser só voz e guitarra, Liz Phair começou assim

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- O que tem visto de referência em propaganda?
- Açaí cor de menstruação com morango e um ovo cozido partido ao meio.
- Vai tomar banho hoje?
- Eu moro em um barril de petróleo, não adianta jogar água dentro
- Vai votar sujo?
- Hoje vou ter que sair do barril
- E do que você está a fim, hein?
- De beirar no Beraldo
- O que você tem a dizer sobre a literatura contemporânea brasileira?
- Nada
- Como assim? Você faz parte dela!
- Mas ela insiste em me dizer que eu não sou nada para ela
- Entendo, mas seus livros são incríveis, logo você terá algum reconhecimento
- Se a comunidade dos escritores me odeia, os críticos devem me odiar também, além do mais são dezesseis anos de carreira, seis livros publicados, todos por editoras independentes, já passou da hora de eu conseguir algo  melhor, não aguento mais o esforço do lançamento e depois ficar oferecendo o livro nas redes feito um mendigo
- E o que pretende fazer?
- Estou em greve
- Greve!?
- Sim, não publico mais no blog por tempo  indeterminado porque é muito trabalho, muito capricho para construir um texto para um blog que tem pouco mais que duas centenas de visualizações por dia, não está valendo a pena
- E os livros?
- Devo ter sete originais na gaveta, você sabe, vou continuar a escrever, mas publicar não publico mais, se alguém me pedir texto eu dou, mas não vou mais atrás de editora nenhuma, que vai dizer coisas maravilhosas sobre o meu original e em seguida me pedir cinco mil reais, eu sou um negócio?

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Disse pra ela que não caso mais, que estou velho, mas esse não é o real motivo, na teoria, casamento é quando duas pessoas que se amam, assinam um papel e trocam anéis, acontece que eu nunca soube o que é amor, eu nunca vi na frente, eu nem sei como é, eu teria que aprender
- O que aconteceu dessa vez?
- Um garoto com a metade da minha idade, com o dobro da minha altura, louro, louro, quis fazer sexo comigo por câmera no Tinder, mais do que isso, se mostrou amável o tempo todo, mas depois de ejacular, fechou a câmera e me deletou, desapareceu para sempre, eu só sirvo para uma diversão de meia hora atrás de uma tela? Ele nem quis me tocar, nem isso eu mereço, minha classificação de lixo está baixando de nível, a coisa é que se eu aceitar minha condição de lixo e fazer a coisa mais sensata (desistir definitivamente e irrevogavelmente de ter um homem), eu deixo de ser lixo, porque sozinho eu declaro independência e é mais fácil eu mesmo me aceitar do que depender da "aceitação", da "compreensão" do outro, compreender meu apodrecimento, minha loucura, minha bancarrota, um meio câncer

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- Só teve uma coisa em mim que ele não gostou
- O quê?
- O conjunto
- Imbecil
- E que eu tenho um defeito dos piores
- Qual?
- Sonho quase sempre e acordo quase nunca
- Hoje mesmo eu estava sonhando com ele
- Ele quem?
- Ele, ele mesmo, ele e revanchismo, e acordei dizendo pra mim mesmo que nunca vou fazer sucesso, nunca vou ser rico e que vou morrer nessa casa; dessa forma, nunca mais vou vê-lo na minha vida e pior, nunca mais ele vai me ver na vida dele

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- Desistir é sim uma opção, uma das mais sensatas inclusive, tentar o tempo todo e perceber o revés tempo de menos, demanda muita energia, depender de outro para alcançar uma suposta felicidade é dificultar a mesma, visto que eu mesmo me julgo incapaz antes mesmo que o outro julgue, o que culmina em uma data de validade vencida cravada na minha pele, pesquisei sobre psicose sexual, mas não achei nada

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- Eu não tinha desistido? Por que me pego pensando neles de novo? Há uma parede alta, que eu furo, eu cavo, eu tento saltar, mas parece que todo maldito dia que traz sua luz, me faz esquecer que ser feio é um impedimento, esse, para ter cama, chama e marido, e descobri também um agravante, ser feio, ser pobre e ser anônimo me aproxima mais do veneno que minha covardia insiste em me reter ao tomar, eu aposto que a psiquiatra mente ao dizer que morrer assim, o sofrimento só aumenta, e o sofrimento não aumenta em ter que viver mais um dia? Nenhum profissional da mente quer mais um  suicídio na conta, a vida deve consistir em trajetória, em abrir a parte de cima da boca do jacaré, nascer e morrer do mesmo jeito é melhor não nascer, a vida não começa aos quarenta, a vida acaba aos quarenta, assim me torno um fantasma democrata, um Teletubie em uma redoma, tanto tempo assim se passou e eu não construí fortuna, nem liberdade, ela é a coisa mais importante, mais preciosa que existe, eu trocaria meu talento, minhas realizações artísticas se eu fosse livre, sê-lo de corpo e de alma, fazer o que eu quiser, viver onde eu quiser, com quem eu quiser, desde que eu tivesse o mínimo, forma de conseguir renda por um sonho tão original do ser humano: a liberdade, seus pais são seus piores críticos e quando eles conseguem te prender em uma gaiola, não há maior sofrimento, era uma gaiola, de uma gaiola eu pensei que eu pudesse escapar, mas a gaiola virou uma ratoeira e parece que não é possível sair de uma, alguém precisa morrer, alguém precisa morrer, um de nós, a vida é amarga, não preciso do perdão de ninguém.

 

XOXO

PING PONG Nº9

 



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- Já estou aqui, pode falar
- Feche todas as portas e as janelas, só abra a porta que você usar para entrar e sair da casa e a mantenha fechada
- Nunca abra as outras portas e as janelas
- Como assim? Precisa entrar ar dentro da casa
- Já tem ar dentro da casa
- Sabe para que serve deixar as portas e as janelas arreganhadas o dia inteiro?  Para facilitar as coisas a um bandido entrar na sua casa e te dar um tiro na testa
- Coloque cortina em todas as janelas possíveis, inclusive na do banheiro e mantenham-nas sempre fechadas, caso você queira ter um pouco de privacidade na sua vida
- E contra quem toda essa defesa?
- A casa ao lado é alguns pés mais alta do que a sua, não percebeu? Se você não tomar esses singelos cuidados, a sua vida vira um Big Brother!
- Além do mais, na casa ao lado, moram pessoas "estranhas"
- Tente não sair e evite deixar alguém entrar, peça comida e nunca contrate uma diarista.
- Por quê?
- Uma vez dentro da sua casa, elas pensam que estão na casa delas
- Eu vou ter que limpar a casa inteira?
- Não, você não precisa limpar a casa, a sociedade é que impõe às pessoas que elas tem que limpar suas casas, e com que frequência precisam
- O que você faz, então?
- Não limpo, tenho um nojo de produto de limpeza que chega a me subir do estômago
- Como mora aí há um ano e meio sem limpar e lavar nada?
- Eu limpo quando eu vejo um sinal
- Qual?
- Uma barata
- E lava quando aparece o quê?
- Larvas
- Comprou sofá de que cor?
- Branco
- Ah, que porre! Em casa também era branco, coisa de gente insuportável que gosta de enxergar sujeira, ela via sujeira e mandava eu esfregar o sofá inteiro em intervalos que o bom senso previam ser bem maiores, eu tinha muita vontade de responder "O sofá está cheio de manchas? Eu não estou nem aí, limpe você então, fique à vontade"
- É só repulsa ou é preguiça também?
- É a cor branca em qualquer objeto sugerindo uma assepsia que me dá nos nervos
- Economize o bastante para comprar uma lava e seca e a deixe dentro de casa
- Por quê?
- Não deixe seus vizinhos ver suas roupas, você nunca sabe por que e para que admiram um objeto seu, até que se apropriam de um deles sem o seu conhecimento
- E por que fariam isso?
- Para cegá-lo
- Então também nem posso pensar em lavar o quintal?
- Lavar??
- Sim, qual a gravidade?
- A quantidade de água do planeta que você desperdiça usando uma mangueira, você tem noção da estupidez disso?
- Virou ambientalista também?
- Não, é só uma questão de bom senso
- Não devo lavar o quintal também então?
- Pode sim, inclusive a calçada que é o mais importante
- Quer dizer que devo lavar a calçada?
- Lavar não, limpar, para ajudar a manter a boa aparência do bairro que você vive e que todos ganham com isso
- E como devo "limpar" a calçada?
- Com uma vassoura, oras. Passe-a na calçada com capricho e você irá ver que a calçada também ficará limpinha assim
- Faça o mesmo com seu quintal, sem usar uma gota d'água
- Por que de noite? Por que tenho que me esconder tanto?
- Porque o mal vem de onde você menos espera e a luz ilumina o mal
- Está esperando alguém?
- Não
- Então ignore a campainha, as palmas, pior ainda e nem pense em tentar olhar quem é por uma fresta na cortina, que morram!
- A cortina?
- A curiosidade
- E por que?
- Acha que não é perigoso expor seu rosto para estranhos?
- Pois exponha, e cedo ou tarde levará uma bala na testa
- Nunca lave a xícara que você toma café, não faz sentido lavar se você vai sujar de novo com o mesmo café
- Hoje vai ter churrasco de alumínio? Não, né?
- E se a casa fosse sua?
- Eu iria diminuir consideravelmente o número de lâmpadas
- Quando eu era adolescente, desejei ter um caixão dentro de casa
- E você dormiria nele?
- Sim

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- Ele não abre a porta, ele derruba a porta, só para me testar, só para ver até onde eu aguento
- Um dia vai acontecer a vingança da porta, que é metade de vidro, ela é que irá derruba-lo, vai abrir cada veia, cada vaso dele, deixa-lo como merece
- Minha sobrinha esteve aqui de surpresa, era outra, a brega que virou bacana
- E como foi?

- E como foi a visita?
- Agradável
- E se fosse sua irmã?
- Eu me esconderia em uma caixa de papelão, mesmo outra, ela fez e disse coisas que não se perdoa
- Descobri que a facada ou o tiro devem ser no abdômen
- Descobri que o número de pedras de chumbinho, de acordo com a minha altura, deve ser quatro
- A casa deve ter flores ou plantas, não?
- Credo
- Sempre odiei aqueles vasos pesados e aquelas plantas inúteis, nunca dava para saber se estavam vivas ou mortas
- Piores são os jardins, há de se escolher entre os animais e os jardins, e não há dúvidas que os animais são nossos amigos, as flores são indiferentes, são frias, inexpressivas
- Jamais vou esquecer que meu cachorro morreu envenenado por uma planta do jardim dela, e sempre vou desconfiar que ela sabia da planta envenenada e que quis matar o cachorro
- Flores, só rosas pretas, bizarras rosas pretas, uma vez Michael Jackson esteve muito doente e uma de suas irmãs mandou entregar-lhe no hospital um bizarro buquê de rosas pretas
- Posso lhe contar uma curiosidade?
- Qual? O DDI da Austrália?
- O DDI da Austrália? Eu deveria saber... 61!
- Ah! Como você é sem graça!
- Bem, o que eu ia dizer é que, assim como Drummond, Machado abordava a homossexualidade de forma muito sutil, para Machado tinha de ser muito mais, pois a obra era datada de meio século antes da de Drummond
- E o que de veadagem tinha na obra deles?
- Vou só comentar sobre "Quincas Borba" de Machado, Rubião, um tiozão solteiro, apaixonado por uma mulher casada começou a receber em sua casa com muita frequência, o Freitas, um adolescente de dezenove anos, apaixonado por flores, até convida-lo para irem juntos para a Europa, mas Freitas recusou o convite com medo de brigarem na viagem, mas no final das contas, sim, Rubião comeu Freitas várias vezes e está implícito para o bom entendedor
- E em que ano foi isso?
- 1891
- Meu deus! Estou passada! Passada à ferro

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Mais uma vez eu que tenho de trocar o papel higiênico dos banheiros, parece que só eu me dou com a caixinha do lado do vaso vazia e o gabinete com o rolo reserva sem ele também
- E por que só você troca?
- Porque os outros se acomodaram e porque só eu conheço “Kanban” nessa casa
- “Kanban”?
- Sim, é uma técnica de abastecimento que os japoneses inventaram, de abastecer a cadeia com cartões de modo que nunca falte produto, é por isso que eu levo dois rolos para o banheiro ao invés de um
- E por que não leva só um?
- Porque daí deixa de ser “Kanban”, vira “Just in time” (também inventado pelos japoneses), nesse método, eles só colocam outro produto na cadeia quando o anterior acabou, com o objetivo de diminuir ou acabar com as custas de estoque, as ferramentas funcionam muita bem, só que uma funciona melhor em um tipo de negócio e a outra, eu outro. No processo de abastecimento de rolos de papel higiênico aqui e casa, o Kanban funciona melhor.
 - Sim, realmente
- Tive diarréia e tontura essa noite duas vezes, precisei ir ao banheiro duas vezes, eu estava passando mal, acha que eu estava em condições de ver sujeira na tampa do vaso? Assim que eu notasse, eu limparia, como sempre faço, e hoje você vem me dizer que ele "foi trabalhar de raiva"? Ele pelo menos menos perguntou se eu estava bem? Se eu tinha melhorado? (Esse é o papel de um pai), Não, ele só se preocupou com a tampa do vaso, ou seja, a tampa do vaso sanitário (um objeto) é mais importante que eu (uma pessoa), essa foi a gota d'agua pra mim, tá? A partir de hoje ele não é mais (se é que algum dia na vida dele ele foi).
- Se eu pudesse eu não teria cu (e essa frase não é reducionista)
- Ele veio me dizer que sentia um cheiro estranho na lavanderia, que possivelmente a "Shanna" estava defecando por lá, o que me cheira mais mal é ele rebatizar a minha gata com um nome que ele escolheu, a gata se chama Tatyana, a gata é minha, eu a batizei assim, que imbecil, para ele parece tão natural, trata tão bem a gata, mas se ela cair morta aos pés dele, ele cospe em cima, igual fez com meu cachorro
- E o que ele fez
- Eu já te contei
- Vou puxar do HD
- Chegando na lavanderia, haviam fezes velhas da gata na "caminha" que ela comprou para a gata, sim, uma caminha, uma tentativa de fazer a gata dormir no quintal passando frio, sozinha, mas a gata a usou de segundo toalete, gata não notavam que a gata escapava para o quintal e fechavam as portas, recolhi tudo com papel toalha, dei descarga, quando me dei de volta com a caminha, vi pequenas larvas e lembrei do que o professor de ciências mortuárias disse, que ao encontrar corpos na mata desaparecidos há muito tempo em estágio de decomposição muito avançado, se encontram
larvas enormes neles e é tão nojento que não se deve pensar nem por um segundo para fazer o trabalho, se pensar não faz, pensando nisso eu achei hoje achei tão pequeno o enorme nojo que tenho de larvas e vi que eu não deveria me intimidar com aquelas que acabara de ver, peguei toda a parte do colchãozinho, lavei no taque e estendi no varal.

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ele, ele, ele, ele, ela, ela, ela, ela, sempre colocando os objetos acima das pessoas, hoje foi aquele objeto obsceno do toalete, hoje foi um pote de gelatina vazio em cima da pia que não fora lavado, mas na sua última cerimônia de adeus quem estará em volta do caixão? As pessoas ou os objetos? Ãh? Qual o próximo verso? Alguém pode ajudar? Até que eu me calo e a plateia tenta ajudar, mas eu não consigo ouvir, até que os músicos também param, tudo ensaiado, daí subitamente eu venho que o próximo verso que é “Somente pessoas estarão ali”, os objetos inventarão desculpas para não ir, alegarão compromissos, ou sequer dirão algo, não irão e que se dane, logo eles que durante a vida foram tão bem tratados, tão defendidos ante os humanos, agora é tarde, tarde para perceber, educação você nunca teve, é verdade, mas coração todos tem, mas o seu olho foi maior, um olho seu cabe mil corações, sempre esfregou tanto aquela casa, nunca se podia ligar os ventiladores de teto por causa da conta de energia, eram meros enfeites, o teto solar do fundo do quintal? Nunca se podia abrir por causa da foligem que caía, ou seja, um teto solar que era lunar, era só para manter o preço da casa, tudo para manter um "patrimônio" para eu, minha irmã e minha sobrinha, que da morte dois estaremos velhos demais, será que precisaremos barganhar essa casa indigesta, tendo acontecido aqui tudo o que aconteceu? Quanta tolice, pelo preço que ele acha que vale a casa jamais alguém irá comprar, pagar essa fortuna para morar nesse buraco em uma zona semi desértica? Eu e minhã teremos muita dificuldade em vender a casa por vinte por cento do valor, isso se um dia vender, no máximo ficaríamos felizes em encontrar um inquilino para pagarmos parcas boletas com o dinheiro do aluguel.

 

Imagem:

Uh lá lá lá

 

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- A vida de um homem é muito grande, muito grande, e o que eu quero dele é um pedaço muito pequeno, muito pequeno

- E quais as implicações?

- Muita coisa vem junto com ele, a história, a psique.

- E o que você analisando de fato?

- O que fazemos depois da libido? Não será melhor procurar só pela libido? Deixar o homem em paz?

- Mas e a rotina?

- Será que eu ainda sirvo para a rotina?

- E o casamento? Onde fica o casamento?

- O casamento fica com o sonho, hoje, não me parece tangível

- A questão é que o casamento implica o príncipe

- E eu talvez eu esteja disposto a esperar para o príncipe, mas eu também preciso ser um príncipe para que isso aconteça

- E, por enquanto, os sapos não servem

- Eles servem, mas terei sempre a impressão de que estarei esperando algo melhor

- E se o sapo virar um príncipe?

- Bem, não vou dizer que dessa vez foi outro ghost, porque neste momento posso estar levando outro ghost.

- Espere, como aquele poema que você incluiu no “Lixeira de Celofane”, espere.

- Espere como se espera um telefone explodir

- O quê?

- A última bateria que compraram para o Frankenstein já estufou, o telefone liga quando quer, até sei lá, não vai ligar mais e o belo garoto que anda me respondendo? Quem morre primeiro? Ele ou Frankenstein?

- Boa pergunta...

- Se eu escrevesse um pequena historinha sobre o meu primeiro livro, qual seria o título?

- Qual?

- “Livros e lesmas”

 

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- Eles morreram

- Quem?

- O telefone e o homem

- Não é possível recupera-los?

- A depender deles, não, eu não mereço um novo, e, claro, eles não querem abrir mão de hackear a minha vida usando um telefone velho

 

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Pouco depois eles compraram um telefone novo, mas outro homem não foi possível comprar.

 

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- Hoje eu estava sentado em uma calçada puto da vida porque meu ônibus estava demorando tanto, meu comportamento de ódio e tristeza são bem parecidos

Eis que uma cristã fanática veio falar comigo

- Deus de ama, não fique assim

- Eu sou ateu

- Ah, desculpe – e ela saiu de fininho, com aquele sorriso forjado, ensinado, mecânico

- Talvez ela tenha visto minha alma preta, mas eu não estava em contato com as trevas naquele momento

 

XOXO