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- Já estou aqui, pode falar
- Feche todas as portas e as janelas, só abra a porta que você usar para entrar e sair da casa e a mantenha fechada
- Nunca abra as outras portas e as janelas
- Como assim? Precisa entrar ar dentro da casa
- Já tem ar dentro da casa
- Sabe para que serve deixar as portas e as janelas arreganhadas o dia inteiro? Para facilitar as coisas a um bandido entrar na sua casa e te dar um tiro na testa
- Coloque cortina em todas as janelas possíveis, inclusive na do banheiro e mantenham-nas sempre fechadas, caso você queira ter um pouco de privacidade na sua vida
- E contra quem toda essa defesa?
- A casa ao lado é alguns pés mais alta do que a sua, não percebeu? Se você não tomar esses singelos cuidados, a sua vida vira um Big Brother!
- Além do mais, na casa ao lado, moram pessoas "estranhas"
- Tente não sair e evite deixar alguém entrar, peça comida e nunca contrate uma diarista.
- Por quê?
- Uma vez dentro da sua casa, elas pensam que estão na casa delas
- Eu vou ter que limpar a casa inteira?
- Não, você não precisa limpar a casa, a sociedade é que impõe às pessoas que elas tem que limpar suas casas, e com que frequência precisam
- O que você faz, então?
- Não limpo, tenho um nojo de produto de limpeza que chega a me subir do estômago
- Como mora aí há um ano e meio sem limpar e lavar nada?
- Eu limpo quando eu vejo um sinal
- Qual?
- Uma barata
- E lava quando aparece o quê?
- Larvas
- Comprou sofá de que cor?
- Branco
- Ah, que porre! Em casa também era branco, coisa de gente insuportável que gosta de enxergar sujeira, ela via sujeira e mandava eu esfregar o sofá inteiro em intervalos que o bom senso previam ser bem maiores, eu tinha muita vontade de responder "O sofá está cheio de manchas? Eu não estou nem aí, limpe você então, fique à vontade"
- É só repulsa ou é preguiça também?
- É a cor branca em qualquer objeto sugerindo uma assepsia que me dá nos nervos
- Economize o bastante para comprar uma lava e seca e a deixe dentro de casa
- Por quê?
- Não deixe seus vizinhos ver suas roupas, você nunca sabe por que e para que admiram um objeto seu, até que se apropriam de um deles sem o seu conhecimento
- E por que fariam isso?
- Para cegá-lo
- Então também nem posso pensar em lavar o quintal?
- Lavar??
- Sim, qual a gravidade?
- A quantidade de água do planeta que você desperdiça usando uma mangueira, você tem noção da estupidez disso?
- Virou ambientalista também?
- Não, é só uma questão de bom senso
- Não devo lavar o quintal também então?
- Pode sim, inclusive a calçada que é o mais importante
- Quer dizer que devo lavar a calçada?
- Lavar não, limpar, para ajudar a manter a boa aparência do bairro que você vive e que todos ganham com isso
- E como devo "limpar" a calçada?
- Com uma vassoura, oras. Passe-a na calçada com capricho e você irá ver que a calçada também ficará limpinha assim
- Faça o mesmo com seu quintal, sem usar uma gota d'água
- Por que de noite? Por que tenho que me esconder tanto?
- Porque o mal vem de onde você menos espera e a luz ilumina o mal
- Está esperando alguém?
- Não
- Então ignore a campainha, as palmas, pior ainda e nem pense em tentar olhar quem é por uma fresta na cortina, que morram!
- A cortina?
- A curiosidade
- E por que?
- Acha que não é perigoso expor seu rosto para estranhos?
- Pois exponha, e cedo ou tarde levará uma bala na testa
- Nunca lave a xícara que você toma café, não faz sentido lavar se você vai sujar de novo com o mesmo café
- Hoje vai ter churrasco de alumínio? Não, né?
- E se a casa fosse sua?
- Eu iria diminuir consideravelmente o número de lâmpadas
- Quando eu era adolescente, desejei ter um caixão dentro de casa
- E você dormiria nele?
- Sim
v
- Ele não abre a porta, ele derruba a porta, só para me testar, só para ver até onde eu aguento
- Um dia vai acontecer a vingança da porta, que é metade de vidro, ela é que irá derruba-lo, vai abrir cada veia, cada vaso dele, deixa-lo como merece
- Minha sobrinha esteve aqui de surpresa, era outra, a brega que virou bacana
- E como foi?
- E como foi a visita?
- Agradável
- E se fosse sua irmã?
- Eu me esconderia em uma caixa de papelão,
mesmo outra, ela fez e disse coisas que não se perdoa
- Descobri que a facada ou o tiro devem ser no
abdômen
- Descobri que o número de pedras de chumbinho,
de acordo com a minha altura, deve ser quatro
- A casa deve ter flores ou plantas, não?
- Credo
- Sempre odiei aqueles vasos pesados e aquelas
plantas inúteis, nunca dava para saber se estavam vivas ou mortas
- Piores são os jardins, há de se escolher entre
os animais e os jardins, e não há dúvidas que os animais são nossos amigos, as
flores são indiferentes, são frias, inexpressivas
- Jamais vou esquecer que meu cachorro morreu
envenenado por uma planta do jardim dela, e sempre vou desconfiar que ela sabia
da planta envenenada e que quis matar o cachorro
- Flores, só rosas pretas, bizarras rosas
pretas, uma vez Michael Jackson esteve muito doente e uma de suas irmãs mandou
entregar-lhe no hospital um bizarro buquê de rosas pretas
- Posso lhe contar uma curiosidade?
- Qual? O DDI da Austrália?
- O DDI da Austrália? Eu deveria saber... 61!
- Ah! Como você é sem graça!
- Bem, o que eu ia dizer é que, assim como
Drummond, Machado abordava a homossexualidade de forma muito sutil, para
Machado tinha de ser muito mais, pois a obra era datada de meio século antes da
de Drummond
- E o que de veadagem tinha na obra deles?
- Vou só comentar sobre "Quincas
Borba" de Machado, Rubião, um tiozão solteiro, apaixonado por uma mulher
casada começou a receber em sua casa com muita frequência, o Freitas, um
adolescente de dezenove anos, apaixonado por flores, até convida-lo para irem
juntos para a Europa, mas Freitas recusou o convite com medo de brigarem na
viagem, mas no final das contas, sim, Rubião comeu Freitas várias vezes e está
implícito para o bom entendedor
- E em que ano foi isso?
- 1891
- Meu deus! Estou passada! Passada à ferro
v
Mais uma vez eu que tenho de trocar o papel
higiênico dos banheiros, parece que só eu me dou com a caixinha do lado do vaso
vazia e o gabinete com o rolo reserva sem ele também
- E por que só você troca?
- Porque os outros se acomodaram e porque só eu
conheço “Kanban” nessa casa
- “Kanban”?
- Sim, é uma técnica de abastecimento que os
japoneses inventaram, de abastecer a cadeia com cartões de modo que nunca falte
produto, é por isso que eu levo dois rolos para o banheiro ao invés de um
- E por que não leva só um?
- Porque daí deixa de ser “Kanban”, vira “Just
in time” (também inventado pelos japoneses), nesse método, eles só colocam
outro produto na cadeia quando o anterior acabou, com o objetivo de diminuir ou
acabar com as custas de estoque, as ferramentas funcionam muita bem, só que uma
funciona melhor em um tipo de negócio e a outra, eu outro. No processo de
abastecimento de rolos de papel higiênico aqui e casa, o Kanban funciona
melhor.
- Sim, realmente
- Tive diarréia e tontura essa noite duas vezes,
precisei ir ao banheiro duas vezes, eu estava passando mal, acha que eu estava
em condições de ver sujeira na tampa do vaso? Assim que eu notasse, eu
limparia, como sempre faço, e hoje você vem me dizer que ele "foi trabalhar
de raiva"? Ele pelo menos menos perguntou se eu estava bem? Se eu tinha
melhorado? (Esse é o papel de um pai), Não, ele só se preocupou com a tampa do
vaso, ou seja, a tampa do vaso sanitário (um objeto) é mais importante que eu
(uma pessoa), essa foi a gota d'agua pra mim, tá? A partir de hoje ele não é
mais (se é que algum dia na vida dele ele foi).
- Se eu pudesse eu não teria cu (e essa frase
não é reducionista)
- Ele veio me dizer que sentia um cheiro estranho
na lavanderia, que possivelmente a "Shanna" estava defecando por lá,
o que me cheira mais mal é ele rebatizar a minha gata com um nome que ele
escolheu, a gata se chama Tatyana, a gata é minha, eu a batizei assim, que
imbecil, para ele parece tão natural, trata tão bem a gata, mas se ela cair morta
aos pés dele, ele cospe em cima, igual fez com meu cachorro
- E o que ele fez
- Eu já te contei
- Vou puxar do HD
- Chegando na lavanderia, haviam fezes velhas da
gata na "caminha" que ela comprou para a gata, sim, uma caminha, uma
tentativa de fazer a gata dormir no quintal passando frio, sozinha, mas a gata
a usou de segundo toalete, gata não notavam que a gata escapava para o quintal
e fechavam as portas, recolhi tudo com papel toalha, dei descarga, quando me
dei de volta com a caminha, vi pequenas larvas e lembrei do que o professor de
ciências mortuárias disse, que ao encontrar corpos na mata desaparecidos há
muito tempo em estágio de decomposição muito avançado, se encontram
larvas enormes neles e é tão
nojento que não se deve pensar nem por um segundo para fazer o trabalho, se
pensar não faz, pensando nisso eu achei hoje achei tão pequeno o enorme nojo
que tenho de larvas e vi que eu não deveria me intimidar com aquelas que
acabara de ver, peguei toda a parte do colchãozinho, lavei no taque e estendi
no varal.
v
ele, ele, ele, ele, ela, ela, ela, ela, sempre
colocando os objetos acima das pessoas, hoje foi aquele objeto obsceno do
toalete, hoje foi um pote de gelatina vazio em cima da pia que não fora lavado,
mas na sua última cerimônia de adeus quem estará em volta do caixão? As pessoas
ou os objetos? Ãh? Qual o próximo verso? Alguém pode ajudar? Até que eu me calo
e a plateia tenta ajudar, mas eu não consigo ouvir, até que os músicos também
param, tudo ensaiado, daí subitamente eu venho que o próximo verso que é “Somente
pessoas estarão ali”, os objetos inventarão desculpas para não ir, alegarão
compromissos, ou sequer dirão algo, não irão e que se dane, logo eles que
durante a vida foram tão bem tratados, tão defendidos ante os humanos, agora é
tarde, tarde para perceber, educação você nunca teve, é verdade, mas coração
todos tem, mas o seu olho foi maior, um olho seu cabe mil corações, sempre
esfregou tanto aquela casa, nunca se podia ligar os ventiladores de teto por
causa da conta de energia, eram meros enfeites, o teto solar do fundo do quintal?
Nunca se podia abrir por causa da foligem que caía, ou seja, um teto solar que
era lunar, era só para manter o preço da casa, tudo para manter um
"patrimônio" para eu, minha irmã e minha sobrinha, que da morte dois
estaremos velhos demais, será que precisaremos barganhar essa casa indigesta,
tendo acontecido aqui tudo o que aconteceu? Quanta tolice, pelo preço que ele
acha que vale a casa jamais alguém irá comprar, pagar essa fortuna para morar
nesse buraco em uma zona semi desértica? Eu e minhã teremos muita dificuldade
em vender a casa por vinte por cento do valor, isso se um dia vender, no máximo
ficaríamos felizes em encontrar um inquilino para pagarmos parcas boletas com o
dinheiro do aluguel.
Imagem:
Uh lá lá lá
v
-
A vida de um homem é muito grande, muito grande, e o que eu quero dele é um
pedaço muito pequeno, muito pequeno
-
E quais as implicações?
-
Muita coisa vem junto com ele, a história, a psique.
-
E o que você analisando de fato?
-
O que fazemos depois da libido? Não será melhor procurar só pela libido? Deixar
o homem em paz?
-
Mas e a rotina?
-
Será que eu ainda sirvo para a rotina?
-
E o casamento? Onde fica o casamento?
-
O casamento fica com o sonho, hoje, não me parece tangível
-
A questão é que o casamento implica o príncipe
-
E eu talvez eu esteja disposto a esperar para o príncipe, mas eu também preciso
ser um príncipe para que isso aconteça
-
E, por enquanto, os sapos não servem
-
Eles servem, mas terei sempre a impressão de que estarei esperando algo melhor
-
E se o sapo virar um príncipe?
-
Bem, não vou dizer que dessa vez foi outro ghost, porque neste momento posso
estar levando outro ghost.
-
Espere, como aquele poema que você incluiu no “Lixeira de Celofane”, espere.
-
Espere como se espera um telefone explodir
-
O quê?
-
A última bateria que compraram para o Frankenstein já estufou, o telefone liga
quando quer, até sei lá, não vai ligar mais e o belo garoto que anda me
respondendo? Quem morre primeiro? Ele ou Frankenstein?
-
Boa pergunta...
-
Se eu escrevesse um pequena historinha sobre o meu primeiro livro, qual seria o
título?
-
Qual?
-
“Livros e lesmas”
v
-
Eles morreram
-
Quem?
-
O telefone e o homem
-
Não é possível recupera-los?
-
A depender deles, não, eu não mereço um novo, e, claro, eles não querem abrir mão
de hackear a minha vida usando um telefone velho
v
Pouco
depois eles compraram um telefone novo, mas outro homem não foi possível
comprar.
v
-
Hoje eu estava sentado em uma calçada puto da vida porque meu ônibus estava
demorando tanto, meu comportamento de ódio e tristeza são bem parecidos
Eis
que uma cristã fanática veio falar comigo
-
Deus de ama, não fique assim
-
Eu sou ateu
-
Ah, desculpe – e ela saiu de fininho, com aquele sorriso forjado, ensinado,
mecânico
-
Talvez ela tenha visto minha alma preta, mas eu não estava em contato com as
trevas naquele momento
XOXO
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