Isso é
guerra. Não a segunda guerra que tanto incomodava o Drummond, mas isso é
guerra. Drummond, em sua época, em que essa guerra não era guerra, pois quando
não há defesa, não há luta, é genocídio, e Drummond, à frente de sua época, nos
dava o poema “Rapto” que compõe o livro “Claro Enigma”, não é dessa vez que vou
poder analisar “Rapto”, mas é dessa vez que posso introduzir o que significa
esse rapto.
O
poema citado, todos bem sabem do que se refere. Hoje evoluiu da escuridão de
não poder mostrar suas cores, quando o mundo se levantava em fumaça para uma
luta do monocolorido contra o colorido. Faz dois dias. Samuel foi espancado até
a morte apenas por ser gay. É atestado que sete homens o espancaram, mas
investiga-se que podem ter sido doze, quando um só era o suficiente. Me parece pouco
resistível não citar Clarice Lispector e seu conto “Mineirinho”, ele, o
protagonista foi assassinado com treze tiros de metralhadora por seus crimes. “Até que treze tiros nos acordam, e com
horror digo tarde demais — vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu – que
ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E
de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu
sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é
o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o
modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de
vida, placenta e sangue, a lama viva.”¹
Os
assassinos não sabem, não enxergam o que é o erro. O erro de Samuel, ele bem
soube, enquanto ouvia um não sei quanto de proferimentos da palavra “Maricon”,
um termo pejorativo para a palavra homossexual. Talvez ainda teve tempo de se
perguntar: “Estou mesmo na Galícia?”. O erro de Samuel foi existir, como uma
baleia existe nos mares do Japão e morrem, morrem, mesmo com leis de proteção.
A vida de uma baleia vale mais do que a de um LGBT e se não discutirmos,
continuar lutando pelo direito de ser mais suscetível a violência e assassinato
do que uma baleia japonesa, então não sei o que estamos fazendo aqui, na Faculdade
de Filosofia, Letras e ciências humanas da USP, onde há mais LGBT por metro
quadrado do que em qualquer faculdade do Brasil e não, não é inadequado
introduzir um texto acadêmico com devidas citações de heróis da nossa
literatura com o mundo, a realidade, os erros e as cores que nos rodeiam.
Porém,
há dois dias acendeu-se uma luz, uma nova vela. Durante o Campeonato Europeu de
futebol masculino que acabou ontem, houveram diversas manifestações pró LGBT em
vários lugares da Europa, praticamente a Europa civilizada inteira, uma
resposta à uma lei aprovada na Hungria durante o campeonato que proíbe que o
assunto homossexualidade seja citado nas escolas primárias do país, a mesma lei
que já existe na Rússia. Na partida em que a Alemanha recebeu a Hungria em
Munique, uma maioria massiva dos torcedores foram ao estádio com as cores do
arco-íris, todos os principais estádios da Alemanha foram coloridos com as
cores do movimento.
Mas, exatamente na Europa,
onde crimes de ódio contra homossexuais não são comuns, a sociedade odiosa,
genocida mostrou seus músculos na Espanha. É um pouco difícil combater músculos
com cores, mas as cores não morrem.
XOXO