A voz de cachorro dele
Sempre
arreganhando a porta da sala para arejar a casa só para punir alguém como
sempre, mas quatorze graus não areja casa nenhuma, resfria. Um dia o resfriado
pode ser no porco, outro dia o resfriado pode ser em você. Mesmo você e sua mulher
insistindo que o porco é seu filho, o porco é você, quando você sai do banho o
cheiro é tão desagradável, assim como é barato o que é de macho.
Sempre
começa a assoviar quando está nervoso. E não fez isso à toa, faz porque nota
que alguém se incomoda. E ama incomodar, parece que é para mostrar que ele
ainda está aqui, que ainda manda na casa, para que jamais esqueçam disso.
Ela
chega, passa por tudo, entra no quarto e dorme, não constrói nada.
Ele
aluga um andaime. Para fazer um serviço desnecessário. Essas telhas do teto
solar do fundo do quintal não estão sujas a ponto de se ter o miserável
trabalho de limpá-las. Não há nada de errado com a cor das paredes, elas
continuam cereja, o andaime serve também pra isso? Para pintar esse sobrado
enorme com mais tinta cereja?
Ok,
onde estão os homens jovens e fortes para fazer o serviço? Não precisa, né?
Como sempre você dá conta do trabalho sozinho, com uma pequena ajuda vez da sua
esposa, vez do seu filho. Do lado de dentro do seu crânio, que não tem quase
nada, sabe que tem um joelho podre, sabe que tem mais de setenta anos e
continua querendo a provar para si mesmo que os homens jovens de hoje são os
uns bostas. A verdade é que ele não assume nem para si mesmo que a juventude dos
outros o ofende.
Brigas
de trânsito. É o que este ancião mais gosta. As últimas duas foram com homens
jovens e ele levou a melhor. Um tiro na boca. É só o que ele precisa para
nunca mais soltar uma gota da podridão.
Você não percebe que a gata está quase secando
as patas na minha apostila de Ídiche? E você jamais viria a saber que eu tomei
apenas uma aula de Ídiche e que se eu falasse um monte de palavrões na sua cara em um Ídiche fluentíssimo, tampouco.
A geladeira é dele, o armário é dele, o panetone
é dele, a esposa é dele, a mesa é dele, a porta é dele, o micro ondas e dele, o
verão é dele, tudo é dele. Você, filho? Você vale o mesmo que uma torneira
nessa casa. Você, filha? Não vale mais do que o cinto que usei para dar nas suas
costas ontem. Quem inventou a posição de “chefe de família?”, para que os
filhos fossem ensinados de que eles não pertenciam nada naquela casa, para que
em nem um momento se sentissem donos dela, cada um dormia em um quarto, mas ter
um quarto era apenas uma sensação, era lúdico. Ele tinha chaves, evidente. Por
que você entrou no meu quarto? A casa é minha, eu entro aqui a hora que eu
quiser.
Um velho que anda pela
casa de cuecas feito um palhaço.
Tchau, cocaína. Seu voo
para Tel-Aviv foi anunciado, seu ônibus para Gaza estará lá esperando por você. Eu
tentei, tentei muito. Pois tente melhor da próxima vez, foram seis anos me
doando nisso, agora faço votos para sua morte. Do pó ao pó, agora que o amor
está dormindo.
A voz
Tente
contrariá-la pela terceira vez seguida. Ela começa a gritar feito uma galinha
A voz
de uma galinha
Na
realidade isso só acontece com o filho louco, indefeso, que não tem nada a
oferecer, é oneroso, não tem atividade remunerada, então ela se sente bem à
vontade para gritar com ele, só não o agride por causa das consequências, o que
a vizinhança, o que o resto da família, talvez até a imprensa iria pensar, não
é mesmo? E o que você ia fazer? Você seria muito contrariada, ia gritar com
tudo mundo?
Já viu
uma galinha muda?
***
Só um prêmio ou uma indicação a um prêmio pode me tirar dessa areia movediça. Mas eu acredito cada vez menos. Cada vez mais meus inimigos estão em júri dos prêmios.
Quem está no Júri na final prêmio Oceanus deste ano? O editor novo da Editora Nós (mandei um convite no facebook para ele, ignorado) e a dona da Editora Nós me detesta. Eu não estou concorrendo, mas se eu estivesse, eu teria alguma chance? Lógico que não.
Há uns dois ou três anos eu inscrevi um texto muito bom para uma edição do Programa Nascente da Usp (prêmio que já ganhei menção honrosa). Mas... que estava no júri? A Paulo Fábrio (Uma caminhoneira que me detesta e eu nem imagino por que). Meu livro não ficou sequer entre os finalistas.
Inscrevi um livro no prêmio Kindle de literatura esse ano. O Marcelino Freire é um dos jurados. Ele não fala comigo há uma década. Será que ele vai me dar uma nota justa? não sei...
Será que eles são mesmo bem-vindos?
XOXO