21 de jun. de 2024

prataria

Fui contratado para trabalhar em uma trading e por curiosidade resolvi apontar o número de erros de português e inglês dos e-mails que eu recebia nos dois primeiros dias que trabalhei. O resultado está aí embaixo...

 

16/05

 

DR          22

FL           50

LR           3

BS           2

EO          2

FR           2

LS           1

LS           1

LS           2

85

 

17/05

 

AA          5

GO         10

BS           5

FR           6            

FL           27

DR          13

SG          9

JP           3

IG           2

JC           5

KC          3

88

 

Fiz tudo certo, sei que fiz, e também tudo o que eu podia. Eles me demitiram dez dias depois da contratação, mesmo eu sabendo escrever. Inventaram um motivo qualquer para explicar, mas nada vai justificar. O estagiário francês que abria um sorriso enorme quando me via, não quis me dar o telefone dele. Ele só estava sendo simpático, acha que ele iria se relacionar com alguém do "selvagem terceiro mundo" como eu? Eu sou a África, só agora pude perceber, os Europeus são puros, eles admiram a nossa cultura, a nossa (falta de) personalidade, nos admiram em filmes pornográficos porque temos rabos grandes e paus bonitos, mas vir trabalhar aqui e ficar com alguém aleatório? Jamais! O que pensariam? Sair com um brasileiro? País tropical é cheio de doenças, não é? E se ele me roubasse? Me sequestrasse? Me espancasse? Gravasse tudo e começasse a me chantagear pedindo dinheiro? Será que eles cuidam dos dentes? Será que vende escova de dentes no Brasil? Por precaução eu trouxe dez da França, fora o fato de que são todos ladrões, desde os que vivem na favela até os políticos. Muitos deles passaram fome antes de chegar até a faculdade, por isso comem tudo o que veem pela frente, as frutas e os biscoitos que a empresa fornece todos os dias acaba pouco depois do almoço. Só pensam em dinheiro, se prostituem por qualquer coisa, roubam em qualquer contexto, eu lembro daquele turista que caiu daquele bonde enquanto passava sobre aquela alta ponte branca vazada. Mesmo aquele homem agonizando, ninguém quis ajudar, pelo contrário, algumas crianças marginais se aproximaram para pegar seus pertences, foram enfiar as mãos nos bolsos dele. Além de porcos, são hipócritas, tiram a roupa no carnaval, transam na rua no carnaval, mas são conservadores, são reacionários, não se pode nem falar em aborto por aqui, nem em casamento gay. Aliás aqui é onde mais se mata população lgbt no mundo, por isso tento ser tão discreto. Aqui também é o lugar onde mais acontece feminicídio no mundo. Pois é, acredita que se em uma relação heterogênea, a mulher termina o namoro ou o casamento, o homem se sente no direito de matá-la? Além do mais, não é à toa que o centro empresarial e urbano em geral ficam todos tão perto um do outro, pois não quero nem imaginar onde essa gente mora. Aqui não é o Rio de Janeiro, mas aqui em todo lugar tem favela e todas elas são controladas pelo tráfico de drogas, e você não pode se atrever a aparecer lá sem ser convidado ou apresentado, pois com certeza será assassinado ou sequestrado. Assassinado como? Pergunte à eles. Existem duas leis no Brasil, a lei da constituição e o tribunal do crime. Se já não fosse o bastante, eu já vi várias fotos e vídeos de favelas de São Paulo, são horríveis, nunca vi nada parecido na França. Eu deveria ter pensado melhor, conheci brasileiros com personalidades tão incríveis na França, só ouvi coisas boas do Brasil, sempre, e eu já estava cansado da frieza, do cinismo dos franceses, mas há algo pior que encontrei aqui que me testa a paciência: como tem gente burra nesse lugar, meu deus do céu! Je suis chatte!

 

Estava dentro das metas? Estava, estava dentro das metas o empreguinho de merda, mas eu me senti tão ultrajado como nunca, mas tanto que tomei uma decisão drástica: mudar de carreira (uma que dê dinheiro). Sim, eu me inscrevi no Jabuti e eu já comprei dois potes de creme anti sinais com ácido hialurônico dos bons.

 

Trecho do romance “POCO” a ser lançado em julho de 2024

 



 

Já parou para pensar que nesse país conservador de merda, uma garota de treze anos não tem o direito de abortar? As pobres é claro... elas se trancam no último box do banheiro da escola, tiram as roupas de baixo e arrancam o feto por sucção.

Já tentou imaginar uma garotinha negra derramando lágrima por ter expelido a criança? Ao ter ouvido algo se chocando com a água do vaso sanitário? Porque o pai do feto não o quis e os pais da garota o queriam menos ainda? Imaginam o quão difícil é levantar do vaso e ver o filho nem que seja uma vez só, ela levanta e há muito sangue no vaso inteiro e a garota tendo uma hemorragia na vagina e nos olhos, o bebê não desceria pelo vaso, era um bebê de três meses dentro da barriga, pode ser lindinho, mas em um vaso sanitário é nojento, a garota deixava o sangue cair bem sobre o feto como se aquilo fosse uma benção, começou a sentir tonturas e achou melhor esperar a hemorragia passar, sentada no vaso do lado contrário, sentada em frente à parede para apoiar os braços em cima do dispositivo da descarga e colocar a cabeça dentro dos braços e tolerar melhor as cólicas, as cólicas. Assim, esperou tanto pela hemorragia e a tontura passar que dormiu, mas esse sono já era a morte, afinal ficou tudo certo, assim é que é, assim é que foi, era o justo, se ele se foi, que direito tenho eu de ficar? Mãe e feto, mãe morta naquela posição que ficou pornográfica depois que, morta, o corpo não se sustentou mais sentado no vaso, desabou para a esquerda e caiu em cima da lixeira. Uma das pernas ainda pendeu para cima do vaso. Já era uma senhora de idade a funcionária da limpeza encarregada de fazer certas tarefas, inclusive como ver se o banheiros estavam vazios quando a escola fechava.

A senhora, como de praxe, se agachou para ver se tinha alguém nos banheiros, viu que tinha alguém no último box, achou estranho porque dava para ver só um dos pés de uma garota, mas viu que tinha algo a mais depois do vaso, mas não sabia o que. Prevendo o pior, tentou chamar, bateu na porta três vezes.

– Menina? Está tudo bem com você? Nós já fechamos a escola

Não houve resposta. Como a funcionária era cardíaca, achou melhor sair daquele banheiro, porque sabia que havia uma cena macabra dentro daquela porta, ela comunicou os superiores de modo que adentrou a diretora e um guarda para checar a situação antes de tomar qualquer atitude. O guarda entrou no box ao lado do da garota, pisou no vaso e olhou por cima da divisória,

– Meu deus.... Dona Damares, nem queira olhar o que tem aí do lado, vamos chamar a polícia.

 

Era a constituição e deus desabando em cima de mais uma mulher.

 

***

     Apareceu a mãe dele quando eu estava rolando as sugestões de amizades do fb. Como será que esses perfis são selecionados? Muitos deles eu conheço e os outros? Será que não estiveram visitando seu perfil?

    E se ela entrar em contato a fim de “resolver” essa situação entre eu e o filho dela? A fim de eu desaparecer para sempre "numa boa"? De modo que eu pare de escrever poemas para o filho dela e postar na time dele? Ainda mais o tipo de poema de eu escrevo. É só mau gosto ou dá para entender outra coisa também? Ameaça? Ou você quer que o meu filho tenha pena de você? Que faça “coisas” com você? Que tenha um relacionamento com você? Que ame você? Com essa sua loucura (real ou inventada)? É difícil amar a si mesmo e se você não ama a si mesmo, quem vai te amar? O meu filho, com certeza, não. Eu não estou criando um atleta olímpico, eu não criei um engenheiro para entrega-lo para um escritor que só escreve coisa da pesada e que tem histórico suicida! Não dá! Simplesmente não dá! 

    Relação para acertarmos em relação a conduta do seu filho em relação a mim? Que conduta? 

    Até o meu nome você roubou, dona Alberta. Esse é o nome da protagonista do filme filipino “Melancholia”, dirigido pelo grande Lav Diaz, que já foi homenageado na mostra aqui de São Paulo. É um filme de sete horas e meia, se eu vi tudinho e amei tudinho é porque virei fã tanto do filme, quanto do diretor, quanto da Alberta. Eu acho que você perde seu tempo, aquelas sensações de inexistência que o seu filho me fez provar, eu não quero mais. Não foram só esses as sensações ruins, mas eu não acredito em revanche, fique tranquila, vá cuidar da prataria.

Ah quer saber? Eu nunca fui polido e nunca poupei palavras mesmo. Você e seu filho meio escurinho deveriam saber que para chegar nas olimpíadas, precisa ser fora da curva, só trabalho não adianta, e o seu filho não é fora da curva. Faze-lo saltar quinze metros em oito anos é o cúmulo de tirar sangue de pedra, mas não esperem muito além disso...

De volta à 2017 quando tudo começou ele pode alegar que era calouro e que eu era veterano, por isso eu ganhava dele. Negativo. Eu comecei a treinar salto triplo no começo de 2017, ao mesmo tempo que ele, porque meus resultados no salto em distância não eram bons e eu já tinha o dardo para treinar. A temporada acabou em agosto de 2017, eu terminei com um SB melhor que o dele (saltando de uma tábua de nove metros) e venci as duas vezes que competi contra ele.

Dava vontade de chorar ao vê-lo saltar, ele simplesmente não finalizava o salto, ele fincava os dois pés na areia e depois saía quicando para frente como se alguém o tivesse empurrado.

Mesmo ele saltando com uma técnica sofrível, eu o superei na quarta etapa do TUNA em 2017 por meros quinze centímetros. Tinha de ser próximo mesmo, ele tem 1,90m e eu tenho 1,73m. Eu precisava compensar com técnica. Porém, ele tinha os melhores técnicos à disposição, eu treinei sozinho em 2017 por causa de uma suspensão cruel e injusta da FFLCH. Bem, eu ganhei uma medalha na quarta etapa do TUNA no salto triplo em 2017. Nenhum atleta da POLI nem da MED tem uma. Seu filho gosta tanto de exibir aquele monte de medalhas como se fosse o homem de ferro, não? Está faltando uma medalha naquela coleção, a do salto triplo da quarta etapa do TUNA de 2017. Eu tenho uma, está no meu quadro de medalhas. O seu filho não tem uma e nunca vai ter. Se eu não poderia ter sido atleta profissional? Se eu não tivesse largado o atletismo no centro olímpico aos vinte e dois para cursar uma faculdade que eu detestava, eu acho que eu seria sim, mas eu não precisava. Ser um grande saltador não é meu único talento e ser saltador demanda tempo demais.

 

O mundo acabou do jeito que eu conhecia.

 

Eu sou feito de medo do futuro.

 



 

XOXO