31 de mai. de 2018

PICKLES


Três de maio.
Faz quase um ano desde que escrevi “Maydays”, também um diário online, nesse mesmo blog. Maydays era um estranho passeio entre paixão não correspondida, rejeição por uma equipe de atletismo e desemprego.
Agora, um ano depois, tenho um namoro de quatro meses, um doce garoto que eu gosto o bastante para não me deixar louco e há um contraste interessante entre ele e eu: ele é feliz e eu sou triste mas. Desde que tenho estado com ele, não tenho desejo de suicídio, mas abandonei o atletismo e parei de escrever. Agora é só nós dois e a neve e talvez isso não seja ruim. Tenho um emprego. Trabalho em uma multinacional chinesa que me paga bem, uma vez por mês, mas bem, e minha vida está reduzida a trabalhar lá e no meu namorado.
Eu poderia continuar a treinar atletismo, mas a paixão acabou, acho que ganhei tudo o que eu merecia naquela cena universitária, nos quatro anos que treinei aquilo. Agora é tempo de passar adiante, de fazer outras coisas. Mesmo se é só meu trabalho, meu namorado e a neve sobre nós.
Nesse momento, acabei de chegar do trabalho, não tenho muito tempo de escrever por lá. Muito trabalho. Só comi dois pedaços de pão e alguns biscoitos no almoço e amanhã passarei o dia sem comer porque é o dia do meu pagamento e tenho planos melhores do que comer.

Quarto de maio.
A coisa mais esquisita é que não ando esquisito. Estou fumando regularmente porque meu namorado fuma. Durante a semana o cigarro me ajuda a dormir. Hoje não preciso me preocupar com comida porque tive um bom café da manhã, então posso passar o dia bem acordado. Hoje é sexta-feira. Meu namorado está me induzindo a sair. Quero ficar em casa, acho. Sempre quero ficar em casa. Acabei de terminar meu horário de almoço que dura meia hora fora de uma hora e meia que os chineses me dão. Quero acumular banco de horas. Não posso escrever aqui tão confortavelmente porque vendi um livro para um dos chineses que trabalha aqui. Ele apareceu na cozinha e pediu para eu assinar uma cópia do meu “O Tiro de um milhão de anos” de 2015, então ele pesquisou sobre mim e ele sabe sobre mim e sobre meu blog. Não posso perder o emprego. Meu namorado também lê o blog, o que me faz com que eu escreva com as mãos atadas então talvez eu possa criar um bruxo adolescente se não posso me expressar sobre a realidade como eu costumava fazer. Sim, um adolescente bruxo.

Cinco de maio.
É difícil escrever aos fins de semana porque passo a maior parte dele na cama com meu namorado. Ficamos lá causando dano ás nossas saúdes, jogando cartas, damas ou qualquer outro jogo trivial; assistimos filmes e é cada vez mais difícil decidir sobre qual filme ver, difícil conversar quando a relação passar de quatro meses. Ainda não treinamos a rotina para que cada um de nós tenha sua rotina separada e não fazer as mesmas coisas juntos sempre. Tenho passado muito tempo sem escrever que temo que não sou mais um escritor. São cinco da tarde aqui na multinacional chinesa e depois de fazer algum mau á minha saúde, decidi escrever um pouco, já que nesse exato momento não tenho  nada para fazer (o que é raro), sempre tenho muito trabalho a fazer.



Dezoito de maio.
A internet caiu e meu coração quase parou. Hoje e ontem á noite respectivamente. Por causa da internet, lembrei desse diário. Não sei mais como escrever. Acho que vou ser demitido do trabalho por faltar. Meu coração quase parou por causa do meu estilo de vida. Preciso de um corte de cabelo urgente para me sentir mais jovem de novo. Quando voltei do almoço, eu reclamava sobre como vim parar nessa vida desgraçada de analista de logística, que falhei como escritor, falhei como atleta e vou passar o resto da vida preso em um escritório. Se eu for demitido, está ok. Terei quase sete mil reais até eu conseguir outro trabalho. Sou bom em entrevistas de emprego. Na verdade, meu objetivo ontem era apenas acordar hoje. Disse ao meu namorado “estou com medo de dormir e não acordar mais, e você sabe por que”. Temi que estava vendo a cara dele pela última vez, que eu estava vendo luz pela última vez, que eu estava deixando só meu amável namorado. Dei a ele o número da minha mãe antes de dormir. Apenas no caso. Mas acordei e minha preocupação era apenas chegar ao escritório ao invés de estar vivo. Hoje o plano é mudar o estilo de vida, dormir muito e acordar em um sábado.

Dezenove de maio.
Só estou aqui porque prometi a mim mesmo que escreveria hoje. Minha mudança de estilo de vida durou só um dia. nesse momento, pareço uma gema de ovo jogada em uma vasilha de farinha de trigo. Estou tremendo um pouco. Meu namorado está ouvindo música enquanto escrevo, mas eu não quero dizer a ele que isso prejudica a minha concentração, mesmo tremendo um pouco. Não posso acreditar que o sábado á noite e meu fim de semana está quase acabando. Logo será segunda-feira e eu vou conhecer um chinês que fará uma estranha visita ao meu trabalho. Ele é um funcionário de logística. Mesmo assim, minha gerente foi para casa ontem e não me demitiu. Não posso escrever e falar ao mesmo tempo. Tanto que essa escrita termina aqui.

Trinta de maio.
Eu sei eu sei que não tenho escrito. É porque não tenho tempo no meu trabalho. E também porque quando chego em casa só quero fumar, nada mais. Isso até meu namorado chegar em casa e eu me preparar para dormir enquanto ele não está com sono. Encontrei meu psiquiatra hoje por acaso e ele me disse o quão magro estou, faziam seis meses que eu não o via. Ele me lembrou que larguei o atletismo, que deixei de escrever e que meu estilo de vida deveria mudar. Disse que minhas roupas estavam largas, que minhas roupas estavam soturnas de pretas, olhe as suas roupas ele disse. A preocupação acabou, passei da barreira de três meses no emprego e não me demitiram como eu temia. Não fui jogar tênis nos dois últimos domingos como eu planejava. A mudança é a casa, a casa; vou me mudar domingo para um nova casa, também compartilhada, mas uma casa melhor, com um banheiro só para mim e meu namorado. Ele também passou da barreira dos três meses no emprego dele e agora de fato temos emprego, mesmo que nada mais que isso. Tenho planos de publicar meu livro “Igor na chuva” até 2020, não estou com pressa. Eu já esperei cinco anos para publicar um livro antes e eu sei que posso ganhar algum edital ou que algum editor independente goste do livro por mais que eu tema que minha carreira como escritor acabou. Vou acordar em uma nova casa na segunda-feira, isso é fresco. Espero mudar o estilo de vida também. Esses pickles depois de um hiato sem publicar no blog são um agridoce começo.

XOXO

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