Matem
ele
v
Atravessa uma conversa
- Ele ainda tem a visão nanica, o conceito cru
do que é família, ele se acha a pessoa mais importante da família, se acha o
"chefe da família", onde ele manda e os outros obedecem, onde só ele
deve ser respeitado e ele não respeita ninguém, onde ele fala e os outros
ouvem, ele fala tudo o que é de sujo, perverso e depreciativo para os outros,
sabendo que está corroendo, enquanto os outros devem ter muito cuidado ao
falar para não perder os dentes
- E ele vai morrer assim, mesmo sabendo que pode
mudar
- A conversa dos chimpanzés, ganha quem fala
mais alto
- A família morreu de velha
- Família não é e nunca foi biologia, é apenas
um agrupamento de sujeitos, agrupar onde todos se respeitam, seja lá para o que
for
- Milícia é família
- Gabinete é família
- Eu também já atravessei conversas
- A pianista aguentava aquilo tudo sempre com a resiliência que lhe era necessária, mas também com a extrema frieza que era característica
- Aguentava estar no mesmo ambiente onde aquelas crianças eram agredidas e abusadas das formas mais bizarras possíveis
- Ela via tudo?
- Via o suficiente, tinha que se concentrar, não podia errar uma nota, mas havia vezes em que não necessitava som de piano, as vezes em que os velhos não tinham nada escabroso para contar
- Acho que em um ou dois enquadramentos, o Pasolini focalizou a face da pianista e era tão melancólica, que ela não aceitava o motivo pelo qual aquelas crianças iriam parar em Saló
- Os cento e vinte dias de sodoma?
- Eram muito mais do que cento e vinte
- Parece que a morte chama quando a vida não consegue carregar o monte de sacolas com você dentro
- A pianista, perto do massacre de Saló, pulou de uma janela como se estivesse pulando em uma piscina de bolinhas, simples assim.
v
- Eu não achava que só porque a morte é feia, eu só encontraria gente feia, gorda, mal educada e de baixíssimo nível intelectual no curso
- Sério? Tinha algum homem bonito, pelo menos?
- De uma sala cheia, só três homens contando comigo
- E como eles eram?
- Se eu descrevê-los, vou ser chamado de nojento
- Eu pensava que seria bom lidar com gente morta porque são bem quietinhos, sabe? Agora vou ter que passar um ano no curso junto com aquela gente baixa, pensei por um momento o quão bom seria estudar naquela sala com todos os outros alunos mortos
- E não sendo possível?
- Vou imaginar, com muita força
- E aí, está estudando direitinho?
- Ihhh, hoje é quarta-feira e eu nem abri a apostila, e nem dei bola para o grupo de Whatsapp cheio de morte explícita
- E por que não mexeu no material ainda?
- Porque deitar no sofá e ver a Globo News é ainda mais interessante
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- Ela é mera, ela é mórbida e ela é terrível
- Quem? A sua irmã?
- Não, a curiosidade
- Estranhamente, pode haver progressão, mas ele pode desaparecer a qualquer momento e quanto mais ele demorar, maior vai ser o tombo
- Não prefere esperar seu testítulo direito inflamado se curar? Você perder os seis quilos para voltar a ser um cidadão de primeira classe?
- Acha que sou idiota? Não vou marcar nada antes de ter esses problemas resolvidos.
- Ela é mera, ela é sórdida e ela é terrível
- Quem? A curiosidade?
- Não, a minha irmã
- Não é preciso nem avião, ela voa mesmo aqui no chão, ela é terrível!
- Queria que fosse um esporte com bola ou um esporte de força
- Vai ser um esporte com bola, mas com bolas de chumbo
- Por falar em bola e chumbo, ela disse à imprensa que não era justo uma mulher trans, a Tiffany, jogar voleibol com as mulheres cis porque ela "levava vantagem"
- E não levava?
- A jogadora que disse isso era a atleta mais forte que existia no voleibol brasileiro, isso por causa das bombas que ela tomava e quando ela foi pega, pegou quatro anos de suspensão
- É preciso tomar muita droga pesada para pegar quatro anos
- E sabe qual a moral da história?
- Qual?
- No fim das contas ela é mais homem do que a Tiffany
- E depois de pega ela se candidatou a um cargo político da noite para o dia
v
- Qual é a faixa dois do classicão?
- Rest In Peace This Joint
- O que os Russos foram fazer na Ucrânia?
- Estimulação intraucraniana
- Eu não acredito em bom dia, nem boa tarde, nem
boa noite
- Por quê?
- Porque a outra pessoa não vai ter um bom dia,
nem uma boa tarde, nem uma boa noite se você disser essas palavras
- O que você diz quando acaba de encontrar
alguém no seu dia, então?
- Digo "oi"
- Assim como acho mero não colocar os cotovelos
sobre a mesa
- Você coloca?
- Claro, ela dizia ás vezes que não se deve
colocar, mas nunca explicou o motivo, até que ela deixou de cobrar e então
paramos com essa formalidade inútil, que é mera
- Aqui diz "postura incorreta (deselegante
e desrespeitosa)", "prejudica a digestão"
- Que desserviço, eu coloco os cotovelos na mesa
enquanto estou conversando (antes e depois comer, não durante), não sou imbecil
o suficiente para comer com os cotovelos sobre a mesa
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- Você é uma coisa! Você não pode nem gerar!
- Gera samba
v
- Abel vai ter que desembolsar
- Foi uma fala muito machista, não?
- E uma oportunidade para a jornalista ganhar um
pouco de mídia e de dinheiro
- Acha que a culpa é dela?
- Abel se esqueceu que não está na Europa, que
está no Brasil, no selvagem terceiro mundo, no Zimbábue Ocidental, onde ninguém
aceita pedido de desculpas, onde ninguém perdoa ninguém
- As pessoas perdoam na Europa?
- Sim, é nobre aceitar um pedido de desculpas, é
no mínimo educação, lembra da Amelie Mauresmo?
- Não
- Era uma tenista francesa abertamente lésbica,
um tanto masculina, na primeira vez em que apareceu para o mundo e chegou à
final de um Grand Slam, a tenista americana que perdeu para ela na semifinal
declarou que "Houve vezes em que pensei estar jogando contra um
homem"
- Que absurdo! Essa tenista americana no mínimo
foi suspensa, multada, banida ou algo do tipo, não?
- Não
- Não??
- Não, pouco depois Amelie declarou "Ela já
se desculpou e para mim está tudo bem"
- Como está a arrumação?
- Vai bem, achei coisas, vou tentar convencê-lo
mais tarde
- A quê?
- A trazer o aparelho de DVD de volta à sala
para que eu possa finalmente começar a fazer o curso de alemão que eu comprei
há uma década
XOXO
