30. “Amor”
“Si estudias, no
funcionan; si usted trabaja, no estudia / Si estudias, no funcionan; si
usted trabaja, no estudia” – Essa é a letra de um dos pancadões de
Miami que compus; o mesmo tipo de som que se chama erradamente de “funk” no Rio
de Janeiro. Sim, só tem dois versos.
É por causa do
feriado dos trabalhadores que eu vou ficar com os meus bracinhos cruzados
amanhã? Decerto não. Apoiei a secular greve geral da última sexta-feira, mas eu
tinha uma entrevista de trabalho: um pequeno conflito de interesse e azar me
fizeram andar doze quilômetros para chegar até a empresa, seis para ir e seis
para voltar.
Eu me ocupava em
subempregos enquanto eu deveria estar estudando para fazer um curso superior de
verdade e ter uma profissão de verdade. Isso aos dezesseis. Gênio da lâmpada,
se você me desse um desejo, eu escolheria voltar no tempo trinta e três anos:
tenho trinta e dois.
“Ficar com a boca
fechada é melhor do que qualquer coisa que você venha a dizer”. Assim, você não
é contrariado, nem oprimido, nem ignorado. “Apenas faça o que você tem que
fazer até que você encontre com a morte na sua frente”. Foi o que pensei no
carro da minha mãe, voltando para o shelter que tem a palavra home na
parede da sala de estar. Parar com o atletismo também foi uma decisão
importante assim que deitei para dormir quando cheguei. “Vai parar com o
atletismo por causa daquela piranha?” foi o que eu pensei ao levantar, me
referindo ao químico Antônio quem, ao contrário do que eu achava, me ajudou
bastante. Não transo desde o dia treze de abril por causa do pé na bunda que
levei dele. Melhor assim, dessa forma não me envolvo com esses homens, com
essas piranhas, e assim evito pegar doenças sexualmente transmissíveis como o
amor, por exemplo.
Postei três vezes
no facebook, eu que planejava silêncio. Coloquei bem rápido a roupa
porque ainda dava tempo de ir até a USP fazer um treino de salto triplo. Pois
bem, com o coração partido em dois, com a coxa doendo, com o pé doendo, eu fui
lá e fiz minha segunda melhor marca de treino de 2017.
A felicidade é
possível.
Hoje quem vai fazer
um experimento sou eu. Vou abrir umas capsulas de venlafaxina, que é um pó
branco, e cheirar para ver o que acontece; isso acompanhado com as cervejas que
meu pai comprou para mim. Ao invés de um rabo peludo de um homo sapiens macho,
terei a peluda felina, a besta no meu colo.
1. “Falhas”
O experimento falhou.
Ao abrir as cápsulas
de venlafaxina e perceber que as bolinhas brancas não se dissolvem com o cartão
de débito, eu inalei mesmo assim. Nada aconteceu. Um querido colega do esporte,
que cursa farmácia, sempre tão gentil, sempre tão prestativo. Ele me explicou
com riqueza de detalhes a diferença da classe dos fármacos e explicou que só
perdi meu tempo. No máximo cheirando ritalina e em grande quantidade eu
conseguiria um efeito parecido com o da cocaína.
O efeito contrário.
Sei bem já o que é isso. Ao beber as cervejas que meu pai me deu junto com
muita venlafaxina, tive muitas ereções, que me fizeram ir até o famoso
estabelecimento na esquina da consolação com a paulista para conseguir alguns
boquetes. Consegui dois bons, gozei e temos um feitiço e uma promessa quebrada:
eu vislumbrava que o químico Antônio poderia ser uma imagem, como a de Jesus,
como a estátua da nossa senhora aparecida colocada no fundo do mar, próximo a
uma praia das Filipinas para espantar os pescadores; uma imagem que me livraria
dos homens, sendo ele o último homem a me tocar. Além dos boquetes também
consegui um beijo na boca, o que faz bem ao coração.
Antes, liguei
o Hornet, marquei um encontro com um rapaz que veio de quilômetros,
e saí de casa. O rapaz chegou aqui e deu com a cara na porta. Ele me ofendeu
bastante no Whatsapp. Esse tipo de coisa, essa irresponsabilidade
momentânea é culpa da bipolaridade intensificada com o álcool. “Não quer levar
refrigerante?” meu pai perguntou ontem no mercado. Eu disse “prefiro cerveja”
(que faz menos mal, eu pensei). Ledo engano. A coca cola teria salvado meu dia
de ontem. Ainda voltei para casa para poder ofender meu ex-namorado por e-mail
e ameaçar o químico Antônio por Whatsapp. Mas o tal químico é tão
frio que não se incomodaria nem com isso. Hoje, acordei ás dez e meia para
tomar café da manhã e contar os cadáveres. Eu não posso mais beber álcool, não
posso.
As dores na coxa e
no pé quase sumiram depois dos belos saltos que fiz ontem. Agora reapareceu a
dor na canela, a dor na lombar voltou. Nada de novo. Sempre há uma dor nova
quando se treina atletismo. O mesmo de sempre a fazer: gelo, remédio, pomada e
alongamentos.
Ao tomar o café da
manhã, passava na TV uma reportagem que dizia que a meditação ajuda o cérebro a
se estragar menos com o passar dos anos. Eu vou perguntar ao doutor Gabriel na
próxima consulta.
Será que os
trabalhadores conquistaram alguma coisa nesse feriado?
Eu espero
conquistar um novo trabalho essa semana, para ter ocupação burocrática e não
enlouquecer nessa casa, não descontar tudo no atletismo e nas pessoas. Sim,
ando muito nervoso. Semana passada, no treino de atletismo, um garoto da escola
politécnica lançou um disco a cinco metros do meu pé. Eu peguei o disco e
esperei ele vir buscar. Mesmo sendo um garoto de 1,90m, eu disse a ele que
quase me acertara com o disco, para ter mais cuidado da próxima vez e terminei
dizendo a ele um sonoro “palhaço!”. Além disso, também atravessei a pista e fui
brigar com o treinador dele sobre.
Ontem eu ainda tive
uma pesada discussão com um cara que jogava futebol na pista de atletismo e o
filhinho dele pulava no colchão de salto em altura. Eu estava com a razão, mas
eu não precisava ser tão rude. Eu mandei o Breno Suleiman tomar no cu em uma
competição no fim do ano passado. Breno tinha um papel importante na LAAUSP
naquela ocasião. Tudo isso tem me dado uma fama de boçal naquela pista.
Se eu não tivesse
tão estressado, tão louco, talvez o químico Antônio ainda pudesse querer me
ver. Ou não, ou apenas ele quisesse apenas três encontros sexuais de mim e nada
mais, mas mesmo assim as coisas poderiam ter acabado bem e eu poderia ter ganhado
um “amigo”.
***
Eu sei que não sou
assim
Posso melhorar
Mas não tô a fim
Preguiça que não
tem fim
Eu não tô a fim
Eu não tô a fim
2. “A caixa de
areia que deus me deu”
Sair do hospital
universitário surdo de um ouvido porque o otorrino alega que não é uma
emergência uma pessoa ficar surda de um ouvido, ser orientado a marcar uma
consulta para daqui a sessenta dias, ficar surdo de um ouvido enquanto, é só
uma mera gota de chorume em uma vida podre. Ter que fazer escândalo com o chefe dos otorrinos,
ter de ir á ouvidoria e ser informado que minha reclamação seria respondida
dentro de uma semana, uma semana surda; ter de chamar a polícia para conseguir
falar com a diretoria do hospital para só assim conseguirem um “encaixe” para
lavarem meu ouvido entupido na sexta-feira. Mas poupem-se desse trabalho, vocês
não terão.
Tomar o ônibus
circular da USP e ter de passar pela rua do arquivo, onde ali bem perto, em uma
vila logo no fim daquela rua, fiz amor pela última vez, me senti amado pela
última vez, foi só mais uma facada no meu coração mais esburacado que uma metáfora
que nem consigo pensar.
Vocês, que estragam
/ acabam com a vida de uma pessoa sem pensar duas vezes, sem culpa, vocês sabem
quem, não preciso dar nomes.
Ter que tolerar
três episódios de stress pós-traumático em um período de quatro meses, estando
plenamente em um deles nesse momento, é demais para ele, coitado, o esburacado.
É sempre uma gota d’água que transborda um copo, um copo cheio de uma vida
inteira em que tive minha depressão grave ignorada por todos à minha volta,
especialmente meus pais.
Hoje eu não
consegui. Olhei para aquela caixa de areia que deus colocou ali para mim e
senti nojo. Eu não quero mais praticar esportes. Eu troquei de roupa e aguentei
só até o alongamento. Troquei a roupa de novo e voltei pra casa para nunca mais
voltar para aquele lugar, onde nunca fui aceito, onde só fui oprimido.
Eu não quero mais
estudar letras.
Eu não quero mais
escrever livros. Passar meses se dedicando a um trabalho literário com tanto
amor, tanta paixão, tanta dor, e ter que implorar para ser lido, para ser
publicado, para existir.
Eu costumava a
pensar que “tudo o que eu tenho a dizer está nos meus livros, eu não tenho mais
nada a dizer”, mas meus livros não dizem nada, só a Sheyla Smanioto tem algo a
dizer. Eu sou um idiota, um lunático, que nem merece existir.
Acontece que também
acabou o fôlego para a dura batalha para publicar mais um livro. Já publiquei
três por editoras. Quem leu, gostou. Muito mais gente poderia gostar, mas só a
Sheyla Smanioto que é foda, só ela que merece um lugar em uma editora grande.
Eu vou morrer louco, branco e pobre, igualzinho a Sylvia Plath, que era um
gênio. Se isso é a “dádiva” que vocês chamam de vida, então fiquem com ela para
vocês. Eu não sinto medo de punição, não estou fazendo nada de errado, não
estou causando mal para ninguém. Vamos ver, vamos ver o que vai acontecer. Só
sei que vocês, vocês vão ficar aqui, nesse mundo horrível, cruel e injusto.
Mamãe e papai vão
ficar chateados? A Lebedeva gorducha vai ficar sem pai? Vão. Não é fácil ser um
peso, ter que mandar as contas para os pais aos trinta e dois (trinta e três,
se você quer saber). Se estão cansados de me ajudar, a tia Heliete é bem rica,
ela pode arcar com as custas do funeral, ela pode comprar uma caixa bem bonita
e cara para colocar as cinzas.
Eu fui criado para
ser um bosta e me tornei um bosta. Nenhuma incoerência até aí. Eu poderia ter
tido outra história se eu não fosse covarde ou ingênuo, ao cursar a primeira
faculdade que me apareceu no nariz só por não ter mais nada pra fazer ou porque
meu pai achou que eu não deveria cursar letras, deveria cursar algo que me
desse dinheiro. Demorei oito anos para me formar em logística. Passei dez anos
trabalhando nessa área sendo bastante infeliz e o principal: pobre. Escolhas
erradas que fiz na vida e falta de orientação, me levaram ao dia de hoje, me
levaram a este momento onde não me resta escolha, onde não há horizonte.
Eu lembro que
quando entrei em logística, eu pensava que jamais eu me formaria e que logo eu
conseguiria viver de arte. Aos dezenove me apaixonei pelo atletismo, mas tive
de abandonar o treino e a chance de me tornar um atleta de verdade pela pressão
da família em me formar, por acharem que o atletismo era só mais uma das minhas
loucuras. Não consegui viver de arte, não me tornei um atleta e hoje depois de
dez anos trabalhando em logística, não sou um gerente e não ganho quinze mil
reais por mês porque sempre tive nojo de logística, nojo do meu trabalho, nojo
de todo mundo a minha volta, dessa gente de exatas, de direta, sem cultura.
O que eu sempre
quis com a arte era ser amado. Coisa que nunca consegui na minha vida. Todos os
homens que me apaixonei me magoaram muito, foram muito cruéis comigo. Talvez a
culpa tenha sido minha, talvez eu que não sei lidar com o amor. E não sei se
quero passar o resto da vida sozinho, como decidi depois da mais recente
decepção amorosa, como estou / estava fadado a.
Agora não dá mais
tempo. Tempo dá, mas não tem mais fôlego para recomeçar a vida. Estou velho e
cansado.
Vou gastar o resto do fôlego para
ficar em casa amanhã assistindo ás nove horas do “Melancholia” do Lav Diaz, que
o Mateus Oazem gravou para mim há meses e nunca consegui assistir.
3. “Rússia”
Não sei se é a
minha bipolaridade em sua maior plenitude ou se é o fio da esperança, a
microfotografia de um virião do vírus ebola, que nos mantém vivos; ou se é a
leitura que eu estava fazendo ontem do meu mais recente livro, onde há uma
parte que diz que não faz sentido se matar por causa de um amor não
correspondido, por mais que ele seja a gota d’água que transbordou seu copo. Há
ainda a imagem da lenha, da lenha que tenho pra queimar. Creio ainda que “há
algo a fazer”, “há algo por vir”, por menor que seja. Desisti do suicídio como
Marion Crane desiste no meio do caminho e decide voltar e devolver o dinheiro
em “Psicose” do Hitchcock. Eu pretendia me jogar do alto do shopping Santa Cruz
na quinta-feira ás 10h30 da manhã ou ás 09h30 da noite. Por hora, desisti.
Acordei ainda com a pequena desconfiança (que prefiro não chamar de fé), de que
a gata me protege de alguma forma, que ela tem algum poder, que enquanto ela
estiver aqui, estou protegido.
Mensagem da gerente
de RH para mim ontem de manhã:
Olá Hugo, tudo bem?
Agradecemos muito seu interesse e participação em nosso processo seletivo.
Para a vaga a qual você estava concorrendo, optamos por outro
candidato.
Boa sorte na sua procura e ficaremos na torcida!
Minha resposta para
ela ontem á noite:
Boa noite. Agradeço a decência do retorno. Não faz mal, é apenas mais uma das muitas decepções e fracassos que
tenho tido. Talvez seja melhor eu voltar para a casa do meu pai aos trinta e
três e ser sustentado por ele, já que eu não sirvo mais para o mercado de
trabalho. Fique na torcida para eu conseguir lidar com isso, não pela
"procura". Espero que a pessoa que vocês escolheram dê o retorno que
vocês esperam.
Obrigado.
A réplica dela hoje
de manhã:
Olá Hugo,
Pode ter certeza que vai dar tudo certo, pessoalmente falando, você tem
um ótimo perfil. O que pontuamos é que justamente seu perfil é muito desejado
pelo mercado.
Obrigada pelas considerações e desejo muito sucesso!
Acordei e desci
para tomar café da manhã, para colocar roupa para lavar, para trocar a areia da
gata.
Sim, voltei à USP.
Voltei para aquela pista. Fiz musculação. Fiz um salto em distância de 5,75m na
mesma caixa que olhei com nojo ontem. Depois, após uma intensa briga via Facebook por
causa de uma menina mimada, malvada, a equipe de atletismo da FFLCH
oficialmente me expulsou (agora que não vou mais me matar nem morto! por
pirraça, pois se eu o fizer, irão achar que foi por eles). Nada é perfeito.
Estou verificando com a LAAUSP se eu posso competir na copa USP daqui a duas
semanas de forma avulsa. Estou me sentindo como a Rússia. Vou continuar
treinando, claro. Se eu não puder mesmo competir no universitário, eu seguirei
competindo no máster.
Antes do treino,
uma moça do RH de uma empresa em que já fiz todo o processo seletivo, me chamou
para “bater um papo” amanhã; prevejo uma notícia boa...
4. “Jesus gato”
Como você se sente
em relação á recusa do químico Antônio?
Bem.
E quanto a sua
libido? Você já tem intenções de fazer amor com outro homem?
Não.
Lembra-se da
relação da imagem do químico com a de Jesus? Jesus, ele não salva; vê? Homens
são como empresas, te convidam para um processo seletivo, você vai lá uma,
duas, três vezes e no final eles dizem que você não serve. É a lei da selva.
Não veio a boa
notícia que eu esperava. Ao ir hoje de tarde até a multinacional alemã na qual
já fiz diversas etapas, quiseram me testar mais uma vez (Eu pensei que já me
informariam que fui aprovado e que formalizariam a proposta). Entrevistas
cansam tanto minha mente que o cansaço passa para o meu corpo. Após a
entrevista, ainda daria tempo de descer para a USP e treinar o lançamento do
dardo, mas tudo o que eu queria era um Laka
branco com Oreo e uma coca cola, e
deitar na cama. Bem, a parte boa é que me saí bem novamente e espero não ser
rejeitado mais uma vez. Amanhã, sexta-feira, é o último dia para eu ter uma
resposta positiva de um trabalho; do contrário, meu pai vai vir buscar minhas
coisas no fim de semana, pois ele não vai mais pagar meu aluguel e. Por
incrível que pareça estou otimista, acho que vou receber um sim ou dos alemães
ou dos japoneses, de quem também aguardo resposta. Meu pai vai ficar feliz e me
dar dinheiro para competir no TUNA domingo (eu já estava inscrito antes de ser
expulso da equipe, portanto posso competir, e muita gente vai ficar puta com
isso; e vou competir de preto, não vou vestir o uniforme alaranjado, e depois
vou fazer publicações provocativas no Facebook, diretamente para a
menina mimada que arquitetou minha expulsão e para a feminazi gorda
que me chamou de “babaca machista”).
5. “Pernas”
Hoje saem
as respostas dos trabalhos. Ou não saem. É tão difícil esperar. Escrevi de
caneta no pulso o número 11,61m. É o objetivo do treino de salto triplo logo
mais. A tensão da espera da resposta não vai me deixar em paz, ou me deixar
sair de casa antes das 18h00. Triste ou feliz, eu descerei para saltar, minhas
pernas estão fortes.
Pouco antes de eu chegar
á pista para o treino, recebi a notícia de que fui contratado pelos alemães.
Mamãe vai pagar o TUNA de presente para mim, ficou aliviada e feliz. Minhas
pernas fortes me proporcionaram um excelente aquecimento para fazer os saltos
triplos de hoje, elas só não puderam com... A chuva. Nenhum dia é perfeito.
Quando eu estava terminando o aquecimento, pronto para saltar, desabou um
temporal. Eram as bruxas. As mulheres bruxas. Elas, em forma de massa preta
molhada, de bruma, uma massa pesada. Elas trouxeram trovões e eles, os homens,
apagaram as luzes com medo dos raios. Conversei com o treinador e ele disse que
é ok eu voltar amanhã cedinho e fazer dois saltos mesmo um dia antes da competição,
que não vai atrapalhar. De qualquer forma eu iria para acertar o meu lançamento
do dardo que também não consegui essa semana.
7. “Um sonho de
treze metros e um sonho de um metro e oitenta e dois”
A vida é triste. E
eu quero que seja. Mesmo com o brilho do sol da manhã de segunda-feira. O
inverno não é uma desculpa, ou um fator. São duas da tarde e já estou com fome.
Tomei café da manhã ás dez e. É difícil escrever poeticamente um diário, ou
simplesmente escrever um diário se você não vai acabar em uma câmara de gás ou
morrer de tifo em um dia desconhecido em Auschwitz. Ninguém liga para os seus
dias quando você não é nada.
Quis dizer que a
vida se tornou ainda mais triste na última sexta-feira por causa de uma coisa
que eu fiz. Um problema que estava resolvido ou meio resolvido, eu não sei; mas
é sobre um homem. E eu sinto vergonha de falar detalhes. O saldo é que não
quero homem nenhum a não ser ele. Eu sou só uma foda para ele, eu sei. Ele não
me quer para nada além. Eu poderia usar a metáfora da borboleta presa em uma
teia de aranha, mas a aranha sou eu, e a borboleta está livre.
E é por isso que a
vida é triste, mais triste dia menos triste outro, mas ela é sempre triste,
porque você não pode ser quem você quer ser, você não pode ter o que você quer
ter e pior: você não pode apagar o que você é e o que você fez. E ainda pior:
você dificilmente, bem dificilmente mudará.
Eu queria ir para
casa ontem. Depois de competir com aquelas crianças ricas na minha primeira
competição universitária de atletismo do ano. Não pude, pois tive de ir direto
para a casa dos meus pais para pegar dinheiro e comida. Os dias de Maio tem
sido difíceis; o resto dele e o mês de Junho serão menos, mais ainda serão difíceis.
Um belo salto triplo de 11,55m foi o melhor que pude fazer (babaca machista
canguru), sem um treinador para me acompanhar, contando com a generosidade de
um dos treinadores da equipe da medicina da USP para me orientar, e me dizer o
quanto eu poderia ser um triplista melhor, que eu poderia saltar treze metros
se eu tivesse um treinamento adequado. Isso me faz feliz e triste ao mesmo
tempo. Tentei depois me dividir em dois competindo no salto em distância e no
lançamento do dardo ao mesmo tempo e tudo que consegui foi ter de aturar um grupo
de garotas da Escola de comunicação e artes rindo de mim. Quando saltei 5,80m
no BIFFE do ano passado e ganhei uma medalha derrotando os medíocres atletas da
ECA, não ri de ninguém, não desrespeitei ninguém. Hoje, terei um encontro com
alguns membros da FFLCH para saber se serei expulso da equipe ou não. Caso me
mantenham na equipe, vou encontrar aquelas garotas no próximo fim de semana na
copa USP e talvez eu que saia rindo. A vida é assim. Um dia você ri, outro dia
você chora, mas. Aquelas adolescentes, estudantes de “comunicação” e de “artes”
não deveriam se comportar assim. Que tipo de profissionais elas vão se tornar?
Bem, isso é problema delas, e eu desejo o pior.
8. “Just kids”
Eu queria falar
sobre literatura, mas hoje é dia de falar de golpe, dias de golpe:
São Paulo, 10 de maio de 2017.
Eu, Hugo Guimarães, estou escrevendo essa carta por não ter a menor
condição psicológica de estar presente nessa assembleia. Como alguns devem
saber, tenho depressão grave, transtorno bipolar e nesse momento passo por um
episódio de mania somado a um episódio de stress pós-traumático. Muitos de
vocês não devem saber o que é isso, mas o tio Alan pode explicar caso tenham
dúvidas.
O treino de atletismo é parte do meu tratamento para a depressão e não
faz sentido treinar sem competir.
O estado em que me encontro me leva a ser impulsivo e explosivo, dizendo
coisas que me arrependo depois, fazendo coisas que me arrependo depois (isso,
atrás de um computador ou de um celular). Esse estado me levou no dia do último
BIXUSP, a agredir a vaca com a palavra “vaca” através de um grupo de Whatsapp.
Voltávamos de um bar após a comemoração do excelente desempenho da equipe
quando mandei essa mensagem. Eu estava alcoolizado.
Nada do que foi exposto acima justifica a agressão, mas explica.
Devido a isso, fui excluído de todos os meios de comunicação da equipe
(grupos do Facebook e Whatsapp).
Eu reunião nessa segunda-feira com alguns membros da equipe (bicha oca,
Vini, Lucas e Tio Alan), expus o momento que estou passando. Ao racionar
melhor, eu concluí que é melhor mesmo que eu não esteja em nenhuma dessas plataformas
de comunicação, pois é justamente lá que os atritos, desavenças e agressões
acontecem. Na pista, no treino, cara a cara, nunca houve nenhum atrito ou desentendimento
nem da minha parte, nem da vaca, nem da feminazi gorda. No
treino, eu simplesmente cumprimento quem tenho que cumprimentar e me concentro
no treino, pois sou muito esforçado e dedicado, não há tempo para brigas, não
há tempo para agredir ninguém. A minha sugestão na reunião foi justamente essa
para evitarmos problemas daqui para frente: eu não participar dos meios de
comunicação da equipe. Assim eu posso continuar treinando, competindo e
trazendo resultado para a equipe como sempre fiz. A copa USP é dia 13 de maio e
estou pronto para competir, e em boa forma.
Agora quero comentar sobre essa assembleia e a punição que está sendo
pleiteada pela vaca e pela feminazi gorda. A minha reação ás
provocações da vaca no Whatsapp (que vem de longa data) foi
totalmente desproporcional ao agredi-la verbalmente via na mesma plataforma como
fiz. Porém, a punição de desvinculação da atlética por tê-la chamado de “vaca”
também é totalmente desproporcional, é extrema e é injusta, me impede de
treinar e competir pela FFLCH em qualquer modalidade. Consultem a consciência
de vocês antes tomar a decisão.
Além disso, venho desenvolvendo um trabalho que está em evolução. Sou
atleta da seleção da USP no lançamento do dardo. Dos dez atletas convocados só
três estão aptos a competir, contando comigo. Uns se formaram e outros não
estão treinando. Portanto, uma convocação para representar a seleção na FUPE no
próximo dia 28 é bem possível. No último dia 07 de maio, fui o único atleta da
FFLCH a competir no TUNA (competição de atletismo mais forte que nossa equipe
compete). Fiquei em sexto lugar no salto triplo e fiz a quinta melhor marca da
USP em 2017, e essa marca já é suficiente para eu estar na convocação para a
seleção do ano que vem. Inclusive, quero salientar que nosso treinador
raramente nos acompanha nas competições. No TUNA, eu fui gentilmente orientado
por um dos treinadores da equipe da medicina, que me disse que eu tenho
potencial para fazer muito mais caso tenha um treinador melhor (isso é para a
equipe de atletismo inteira pensar). Os resultados que tenho obtido são fruto
de muito treino e esforço da minha parte (90% dos meus treinos de salto eu faço
sozinho, pois os nossos treinadores quase nunca vão até a caixa de areia
observar os saltadores). Nossos técnicos são mal pagos e temos problemas de
gestão na equipe desde que entrei nela em 2014. Todo o meu esforço individual
estará sendo jogado fora dependendo do resultado dessa assembleia.
Agora eu quero falar sobre a parte política. Em 2015, quando a vaca era
DM da equipe de atletismo, nós passamos o ano inteirinho brigando vai Whatsapp por
eu divergir da gestão dela, mas nunca, repito NUNCA ela me chamou de machista
ou de misógino. Esse tipo de acusação a minha pessoa começou a acontecer no ano
passado quando a feminazi gorda, uma feminista extremista,
entrou na equipe. A feminazi gorda foi a DM em 2016 e eu
também divergia da gestão dela, mas ao invés de argumentar sobre o que estava
sendo questionada, ela achou mais fácil me acusar de misógino e machista ao
invés de reconhecer as falhas de sua gestão, uma atitude de vitimização que
sempre fui contra. Eu, que sou um homem assumidamente gay e ativista, que dou a
cara para bater na sociedade tanto quanto ela e há muito mais tempo, (pois
conto dez anos a mais que ela), sempre fui contra esse tipo de atitude. É
desonesto eu acusar uma pessoa de homofobia porque ela me critica, discorda ou
apenas não gosta de mim. É “feio” eu sair acusando pessoas de homofobia em
qualquer situação em que eu me sinta prejudicado.
Creio veemente que essa assembleia está acontecendo principalmente por
causa de uma campanha política promovida pela feminazi gorda.
Como se me expulsar da atlética fosse uma “vitória feminista” contra um “babaca
machista” (que é a forma que ela costuma se referir a minha pessoa). Só que tem
o parágrafo acima, eu também pertenço a uma parcela oprimida da sociedade, nós
devíamos nos unir, e não um tentar destruir o outro como se está tentando fazer
aqui.
Na reunião com os meninos segunda-feira, eles me informaram que a equipe
acha por bem eu me afastar também pelo meu próprio bem, para eu me tratar dos
problemas psicológicos que tenho. Expliquei para o tio Alan que me trato desde
os quatorze, provavelmente vou me tratar para sempre, e me tirar do atletismo
só vai piorar a minha situação, não ajudar.
Aceitando estar permanente fora dos meios de comunicação da equipe, eu
me comprometo a não causar mais nenhum transtorno (mesmo porque só nos veríamos
na pista daqui pra frente). Não é desonesto me retratar mais uma vez dizendo
que tenho consciência que não se deve chamar uma mulher de “vaca” e o fiz em
momento de descontrole. Também quero deixar claro que estou longe da misoginia,
tenho várias amigas mulheres na equipe. Esse começo de ano eu deixei de fazer
coisas pessoais para vir treinar a nossa bixete Helga no salto em distância com
a maior boa vontade. Helga ganhou a medalha de ouro no BIXUSP e começamos uma amizade.
Por fim, antes de tomar a decisão final questionem a vocês mesmos se
vocês são de humanas, se vocês são pessoas da FFLCH ou se vocês são iguais a
grande parte da sociedade de direta brasileira (um grupo de golpistas).
Hugo Rodrigo Guimarães
Nº USP 8972570
Atleta da FFLCH
Atleta da seleção da LAAUSP
9. “Coração de um
cachorro”
Tive uma sensação
estranha hoje, que me levou a lavar o reto, me levou a cortar as unhas do pé
depois do banho. Vesti bem para ir ao treino. Essa sensação era de que hoje eu
não precisaria de clonazepam para dormir, que eu dormiria abraçado com um
homem. Mas não.
Eu sou um homem ou
eu sou um cachorro? Eu tenho o coração de um cachorro ou eu só ajo como um
cachorro? Será que é por isso que eu gosto de usar coleira? Eu não passo de um
cão sem dono.
A única alegria do
dia foi ter feito um salto triplo de 11,57m, dois centímetros a mais do que na
competição do último domingo (what a feel...). A marca deu-se em um experimento
de uma corrida maior e mais rápida. Fiz a marca após musculação de pernas e
treino de salto em distância. Quinta-feira será de fato o treino dedicado
inteiramente ao salto triplo e acho que terei mais uma trivial, insignificante
notícia boa para dar.
Fez tempo bom hoje.
Terminei em cima de um colchonete fazendo abdominais olhando para o céu, que
tinha uma estrela e uma lâmpada.
Eu tinha, eu tenho
notícias da literatura, mas nada se compara a lâmpada e eu.
10. “The bullshit”
Quer apostar uma
coisa? Não terei sequer um dia feliz no mês de maio. Se eu perder a aposta lhe
dou um doce. Vou poder lhe dar um doce, pois vou receber meu primeiro meio
salário dos alemães quando este mês acabar. Se eu ganhar a aposta, você me dá
um doce.
Vou ter de ir. Vou
ter de enfrentá-los. Embora eu tenha evitado pessoas. Eu prefiro vir andando da
universidade até a estação do metrô para evitar tomar o ônibus circular que me
deixa na estação, para evitar contato.
Notícias da
literatura? Bullshit. Bullshit.
We’ll see
We’ll see
If bullshit will
Become a tree.
11. “Black is the new orange”
Hoje é o dia do meu
julgamento. Haverá uma assembleia na atlética da faculdade de filosofia, letras
e ciências humanas para decidir se vão me expulsar dela ou não. Se eu for
expulso, não poderei mais treinar e competir em nenhum esporte na esfera
universitária. Mesmo assim, ao invés de ficar chorando na cama, eu treinei essa
semana normalmente - frio com um autêntico russo. Saltei 11,57m na terça-feira
e hoje, quinta-feira, desço daqui a pouquinho para a pista, no mesmo dia do
julgamento, para fazer meu último treino de salto triplo para a copa USP que
acontecerá sábado, que competirei caso eu seja absolvido hoje. Já escrevi de
caneta a marca 11,78m no meu pulso, que eu pretendo hoje no treino, mesmo com
razoáveis dores no pé direito e no joelho esquerdo.
Mateus Oazem, como
explicar sua doçura? Converteu para a mim em MP3, para eu ouvir bem alto no meu
aparelho de som, a música “Não tô a fim” do Drosófila, banda que a autora, Ana
Luiza Pimentel me enviou em arquivo WAV pelo Facebook. Aliás, eu
fiz uma versão pessoal da letra e que. Assim que eu aprender a tocar a música
no violão, eu vou cantar com a minha versão:
“Não tô a
fim”
“Não tô a fim”
(Ana Luiza
Pimentel)
(Versão: Hugo Guimarães)
Eu sei que não sou
assim
Eu sei que não sou assim
Posso
melhorar
Posso melhorar
Mas não tô a
fim
Mas não tô a fim
Preguiça que não
tem
fim
Preguiça que não tem fim
Eu não tô a
fim
Eu não tô a fim
Eu não tô a
fim
Eu não tô a fim
Bebi todo o
café
Bebi todo o café
Que se pode
beber
Que se pode beber
Quero viver da
falta
Quero viver da falta
Do que
fazer
Do que fazer
Acordo e assisto a
TV
Agora assisto a TV
E penso em
você
E penso em você
Mas não tô a fim
Mas não tô a fim
Frases
bobas
Frases bobas
Rimas
tolas
E mas-
Não tô a fim
turbação, tô a fim
Bebi todo o
café
Bebi todo o café
Que se pode
beber
Que se pode beber
Quero viver da
falta
Quero viver da Paula
Do que
fazer
Do que fazer
Eu não tô a
fim
Quero viver da barba
Eu não tô a
fim
Do que fazer
Eu não tô a fim
Eu não tô a fim
Eu não tô a
fim
Eu não tô a
fim
12h47
Papai vai ficar em
casa hoje, Lebedeva.
Mensagem que postei
no grupo do Whatsapp da seleção de atletismo da USP:
Bom dia. Quero
trazer ao conhecimento de vocês que a atlética da FFLCH me proibiu de competir
na copa USP no próximo sábado. Haveria hoje uma assembleia para me desvincular
da atlética, mas a mesma foi adiada para semana que vem. Mesmo assim, a
atlética me proibiu de competir. O motivo da denúncia da minha desvinculação é
de uma feminista que me acusa de machismo e misoginia. Sim, na atlética da
FFLCH se faz mais política que esporte, por isso que nossa equipe nunca evolui.
Estou extremamente decepcionado por estar preparado e em boa forma para
competir. Não importa quantos de vocês se importam com isso ou não, mas acho
importante levar ao conhecimento de todos que coisas assim acontecem no esporte
da USP.
Ai, ai... O que
mais me entristeceu foi o trabalho de apagar todas as fotos do meu Facebook com
a regata de atletismo da FFLCH. Eu já andava desanimado com o curso de letras
mesmo... Vou prestar vestibular no fim do ano. Ainda estou indeciso entre
editoração e geologia.
E pensar que hoje
de manhã ainda recusei um almoço com a minha mãe porque disse que ia “descer
para treinar para a copa USP”. Que bela merda, não?
Os meus 11,78m vão
ficar para domingo... Até lá meu pé e meu joelho estarão melhores. Estou
cuidando direitinho deles. A vida no atletismo não acaba aqui. Tenho as
competições no máster. Tem a minha volta para o universitário no ano que vem.
Haverá cores novas no ano que vem.
12.
Antidepressivos não
fazem milagres... Ao ficar em casa o dia todo ontem, papai não conseguiu fazer
a musculação de superiores com os pesos que tem em casa, papai não conseguiu
aplicar gelo no joelho e no pé mais duas vezes, papai não conseguiu nem
levantar da cama para tomar banho. Estar apaixonado por um homem que não está
nem aí para mim e ainda ser expulso da equipe de atletismo como se eu fosse um
monstro, tudo isso de uma vez, não é fácil aguentar. Não dá pra ser forte o
tempo inteiro.
Hoje, outra manhã
ensolarada. Fui fazer o exame médico para estar apto para trabalhar para os
alemães. Vim para a casa do meu pai para buscar ajuda para passar a semana, e
para levar parte das minhas coisas de volta para o shelter na
Vila Mariana, onde tem a palavra “home” na parede da sala. Coisas
que eu tinha trazido para cá quando não tinha mais expectativa de trabalho e era
certo que eu viria embora para cá.
Vamos de carro
levar as coisas ás dez da noite, quando mamãe chegar do trabalho. Daí sim eu
vou fazer a musculação de superiores. Amanhã vou correr no Ibirapuera enquanto
a incompetente equipe da FFLCH deve fazer uma insignificante participação da
copa USP. Vou correr e fazer alguns exercícios de fortalecimento de pernas.
Domingo, um dia depois da copa, estarei lá na mesma pista treinando para minha
próxima competição. Vou lá fazer o meu salto triplo de 11,78m que estava
marcado para quinta-feira, quando recebi a notícia do golpe. Ainda há o máster
para eu competir, há os treinos e as competições da seleção da USP, a qual
haverá uma reunião para decidirem se posso ou não (decerto a LAAUSP é mais
justa e imparcial que aquelas feministas mimadas e gordas da FFLCH). O
presidente da atlética da FFLCH parece que é o Mario (que a feminazi gorda
pegou atrás do armário), isso explica um pouco da influência daquela gordinha
feia por lá... Além dessas competições que posso participar fora da atlética da
FFLCH, essa feminazi gorda e esses golpistas vão ter uma
surpresinha logo mais...
13. “Vida oca, vida
emoji”
Seis dias. Para
quem tem fome parecem sessenta. Para ele parecem seis minutos.
Vou dizer um
segredo. Na última sexta-feira dia 05, passei uma mensagem para o químico
Antônio, acompanhada das minhas belas pernas, eu disse que elas poderiam ser
dele de novo se as quisesse. Ele poderia ter me ignorado, ficaria tudo bem,
tudo do mesmo jeito, mas não.
QA: ???
QA: No fim das
contas você está me odiando ou não?
Eu: No fim das
contas eu sou bipolar, Antonio. Não sei se você percebeu.
Eu: Não, não estou
te odiando.
Eu: Pelo contrário
Eu: Acho-te incrível.
QA: (Emoji de
estranheza)
QA: Eu gosto de
ficar com você, Hugo.
QA: Mas fico
chateado (até comigo mesmo, na verdade) por não conseguir te dar a atenção que
você merece.
QA: Não é por falta
de esforço minha, mas eu ás vezes não consigo mesmo.
QA: Ou eu esqueço.
QA: (O que acontece
quando eu me concentro muito numa coisa) [O mestrado]
Eu: Não precisa
justificar-se, gatão. Eu estava estressado e acabei descontando em muita gente
perto de mim, inclusive você.
Eu: Falei-te um
monte de coisa nada a ver
Eu: E peço
desculpas de novo
Eu: Mas agora devo
ter menos tempo para confusão
Eu: Os alemães me
contrataram hoje (emoji de alegria)
Eu: Isso tirou um
peso das minhas costas
Eu: Vamos fazer o
seguinte? Estou sempre na universidade, quando você quiser me ver, você me dá
um emoji
Eu: Assim eu não
fico te pressionando
Eu: Pode ser?
QA: Pooode
Eu: Ótimo, melhor
assim.
QA: E parabéns pelo
novo emprego
Eu: Obrigado!!
Estou super feliz.
QA: (Três emojis de
palmas)
Eu: Espero que
esteja tudo bem com o seu mestrado (emoji da carinha sorrindo
envergonhada)
QA: Mais ou menos
QA: Estou
escrevendo meu relatório, ao mesmo tempo vou começar na segunda-feira uma
disciplina intensiva.
Eu: Naquele dia no
laboratório deu para perceber o quanto você é esforçado, concentrado e faz o
que gosta.
Eu: Isso é o mais
importante
QA: (Emoji da
carinha sorrindo envergonhada)
Eu: Gatão, eu vim
mesmo para dar um oi (além de mostrar que minhas pernas estão crescendo mais).
Acordo cedinho para treinar amanhã porque compito domingo.
Eu: Bjão
Eu: Boa noite,
durma bem
QA: Ahah, estão
ótimas, aliás.
Eu: (Emoji com
a carinha safada com a língua para fora)
Eu: Obrigado hehe
QA: Bom treino pra
você
QA: E bom descanso
QA: Saudade delas
(das pernas)
Eu: Obrigado, Gatão
QA: E do resto
também (do corpo)
Eu: Eu também
Eu: Você podendo,
me dá um emoji
Eu: Que a gente
mata essa saudade
Eu: (Emoji piscando
o olho)
QA: Sim senhor.
Domingo dia 07,
dois dias depois, eu incomodo o químico Antônio novamente:
Eu: Oi
Eu: Tudo bem?
Eu: (Emoji da
carinha sorrindo envergonhada)
QA: Olá,
QA: Tudo bem sim
QA: E com o senhor?
Eu: Cansado da
competição, mas bem.
QA: Ah, que bom
[Ele não pergunta como a competição foi]
QA: Eu estou no
laboratório, tirando foto no microscópio e querendo morrer haha
Eu: Nossa, pq??
Eu: Rsrs
Eu: (Fora o fato de
ser domingo, e de você não poder ter folga, é claro)
QA: Começo uma
disciplina intensiva amanhã que vai ser o mês todo
QA: E preciso tirar
as fotos da lâmina logo
QA: Não vou ter
tempo durante a semana
Eu: Ah, entendi.
Eu: Mas não morra
não tá?
Eu: É muito
desperdício um homão lindo morto
Eu: Passei só pra
dar um oi, gatão.
Eu: Concentra aí
Eu: Dá-me um emoji quando tiver sossegado, pra eu
saber que você ainda se lembra (emoji da carinha sorrindo
envergonhada) [Não pedi para ele me ver, apenas me dar um “oi”, ou seja,
digitar com o dedo duas vezes no celular]
O químico Antonio
demora muito para visualizar a mensagem e não responde mais. Isso foi há seis
dias. Ele não me passou nenhum “emoji”,
eu também não, partindo do princípio de que o interesse deve partir de ambos.
Seis dias. Para
quem tem fome parecem sessenta. Para ele parecem seis minutos.
Maneiras de
analisar os diálogos mostrados acima:
1. Ele não quer me
ver nunca mais e apenas me respondeu e foi fofinho porque acha que sou louco,
que vou invadir o laboratório e bater nele. E depois simplesmente silenciou,
para que eu raciocinasse e me tocasse de uma vez por todas que ele não me quer.
2. Ele ainda quer
me manter na lista de suas fodas possíveis porque modéstia á parte eu sou bem
bonitinho, bem gostosinho e sou bom de cama. Mas devem ter outros na fila e por
isso a minha próxima vez deve estar demorando. A última vez que nos vemos foi
dia treze de abril. Não, um homem bonito como ele, inteligente como ele, fofo
como ele, bem dotado como ele, não fica um mês sem trepar, não me venha com
essa.
3. Ele é a pessoa
mais dedicada aos estudos de todo o mundo, ainda quer “ficar” comigo, mas
realmente só o fará quando tiver “tempo”. [Porém quando nos conhecemos ele saiu
do laboratório no horário de janta para trepar comigo no vestiário depois do
meu treino. Gozamos em quinze minutos e ele voltou para o laboratório. No
segundo encontro, encontrei com ele uma hora depois do combinado, na casa dele,
e ele me esperou pacientemente. Ficamos na cama por aproximadamente uma hora e
depois que fui embora, ele voltou aos estudos normalmente. No terceiro
encontro, quando ele me convidou para dormir com ele, ele atrasou muito os
experimentos no laboratório. Resultado: ele me chamou para ficar no laboratório
com ele. Ficamos lá até uma da manhã e fomos dormir na casa dele. Depois disso,
ele nunca mais foi o mesmo. Marcamos um encontro na casa dele dez dias depois.
Ele desmarcou no dia, dizendo que estava com a amídala inflamada. Daí eu
explodi e disse a ele um caminhão de descontentamentos. Creio que aconteceu
algo que ele não gostou no nosso último encontro e ele não quer dizer o que
foi]
Eu: Is it because of my car?
QA: It’s your scar.
Morrerei sem saber.
Eu, que estou
envolvido no caso, apaixonado por ele, não consigo assinalar nenhuma das
alternativas acima. Além do diálogo invertido acima, que eu tirei de um dos
filmes do Tarantino, que também pode explicar muito resumidamente o caso, a
motivação. Só tenho dúvidas, saudade e fome.
Elsewhere 1#
Acordei em uma
tarde ensolarada em São Paulo, mas coloquei “Winter” da Tori Amos pra tocar.
Acordei ás 01h00 da
tarde porque fui mesmo proibido de competir na copa USP pela atlética da FFLCH.
Falei uns montes para o diretor de modalidade da equipe (que é um fofo,
coitado, não tem culpa nenhuma), eu disse que já levei o caso para a LAAUSP e
se eles não fizerem nada, vou levar o caso para a FUPE, se não fizerem nada vou
levar para a NASA, e que estou pensando seriamente em processar a atlética da
FFLCH por danos morais. A querida Verônica Grether, da AL QAEDA está
verificando se mesmo dada esta situação, eu posso treinar e competir pela
seleção da AL QAEDA. Ela disse que esse é um caso sem precedentes (um atleta
normalmente vinculado com a atlética sendo proibido de competir) [Eu poderia
ter competido, pois a assembleia que julgaria minha desvinculação foi adiada
para a semana depois da copa AL QAEDA]. Isso será discutido em reunião com os
representantes de todas as atléticas e creio que as coisas tendem a melhorar.
Uma bicha oca:
A bicha oca, o
homem gay mais afeminado do atletismo de toda a AL QAEDA, que treina pouco e
quando vai treinar, só vai treinar para caçar macho, e que está no grupo
do Whatsapp da seleção da AL QAEDA sem ser convocado, como [“Cheerleader e
massagista” (olha que ridículo), afinal obviamente ele não foi convocado por
ter marca para entrar (this is a town
with no cheer, babe)], respondeu ao meu comentário no grupo da seleção. Ele
respondeu com sua refinada educação, dizendo um “foda-se” em caixa alta dizendo
que “expulsamos mesmo pessoas que comentem atos de perseguição, não importa se
são bons ou não, se ganham medalhas ou não, aqui não é o lugar para discutir
isso, Hugo!!” [Não é o lugar porque ele sabe que é errado o que estão fazendo
comigo, e eu estou levando o caso para a AL QAEDA inteira]. Eu apenas o calei,
com a minha refinada educação, dizendo “Eu ainda não fui julgado e eu tenho
direito a defesa. E eu sou inocente. E aqui não é o lugar para dizer coisas
como ‘foda-se’, por exemplo”. Eu também silenciei uma garota do ISIS que veio
me criticar na conversa logo em seguida, mas isso pouco importa. O que importa,
é a mensagem que passei para essa bicha oca por Whatsapp, antes de
bloqueá-lo para sempre:
Eu: Eu não poderia
deixar de dizer o quanto é lamentável sua atitude. Não sei se você se considera
assumidamente gay como eu, por mais que seu comportamento deixe isso
indiscutivelmente claro. Além de assumidamente gay, eu sou ativista, e dou a
cara pra bater na sociedade tanto quanto qualquer feminista. Você ficar contra
mim e defender uma feminazi, é incompreensível. Você não se
posiciona politicamente de acordo com a sua identidade e isso é muito
decepcionante para todos nós homens gays, que deveríamos nos unir. Dessa vez a
poeira não vai baixar, bicha oca. Nós nunca mais vamos ter uma relação nem de
falar um “emoji” um para o outro, se
por ventura um dia eu voltar para a equipe. Está na hora de você crescer um
pouco e enxergar quem você é e o quê você é.
14. “11,89m”
Eu: Você está
estudando?
QA: Sim
Eu: Então
atrapalho. Mandei emoji de sorrisinho com beijo porque sou
submisso e gosto de correr atrás de você. Afinal, você nunca me diz oi. Bons
estudos, boa noite e durma bem. Bjokas
QA: Aaahhhh
I’m gonna make myself clean. I’m gonna keep myself
clean. Hey you stupid boy. Won´t you never look at me? I’m gonna make myself
clean.
I’m gonna miss you so bad.
You gonna leave for nothing.
Gonna leave, gonna leave, gonna leave for nothing.
You gonna leave for nothing…
Podem tirar
minha medalha, mas minhas pernas não podem tirar. Há muitas coisas boas ainda por
vir.
Hoje é um dos dias
mais tristes da minha vida e amanhã começo em um novo emprego.
15. “Auge”
O homem prolonga o
sofrimento. Eu tentei me colocar no lugar dele. Ao invés de me ignorar, agora
ele me responde quando eu o chamo, assim como responde a qualquer um que o
chama e ele não tem ciência alguma de que ele está me dando esperanças. Não é
culpa dele, é minha. Tente não chama-lo nunca mais e ele nunca mais falará com
você.
Além do coração, eu
fui trabalhar com todos os ossos do corpo quebrados dentro da pele. O desejo de
suicídio é grande. Ontem me aposentei do atletismo, me aposentei no auge da minha
forma física, saí no auge como se deve fazer. Não preciso mais brigar com
aqueles adolescentes, questionar o golpe, não preciso mais do meu corpo
perfeito se o homem que eu amo não me quer. Irei trabalhar e voltar para casa,
para a cama, todos os dias até eu aguentar.
Desde treze de abril
que ele não me quer e eu fiz esse defunto levantar duas vezes até agora; a
última foi há três dias.
A pior parte de
levantar um Frankenstein é querer domestica-lo. Eu sou o garoto estúpido, não
ele.
Pior ainda é que os
alemães vendem lentes para microscópio. Trabalhando para eles, eu nunca vou me
esquecer da última vez que vi o Antônio, quando ele me levou para o laboratório
onde ele trabalha. Ele me mostrou células no microscópio. Fomos para a casa
dele depois dormir juntos. Foi lá que fiz amor pela última vez.
Meu primeiro dia no
emprego novo foi como qualquer outro primeiro dia de emprego em qualquer lugar.
Todos são legais, até que te demitem.
Era paixão o que eu
sentia por aquela universidade, não era amor. Não vou voltar.
16. “Câncer 2”
Faltar ao emprego
novo logo no segundo dia para ir ao hospital por causa do meu pé, tirou bem a
preocupação em relação ao químico Antônio, em relação aos adolescentes
golpistas, a aposentadoria do atletismo.
Ter medo de perder
o emprego. E eu tinha até me esquecido: sabe o que é melhor do que ter um
emprego? Faltar no emprego.
Ao invés de
esconder o rosto com um boné penteei bem o cabelo para ir ao hospital, me
arrumei.
Tive um sonho. Algo
como aqueles homens-bomba que pensam que vão ter quando se explodirem, aquele
monte de virgens. Sonhei com isso. Escolhi doze rapazes muito belos, muito
gostosos, que convivo quase que diariamente (todos eles mais belos e mais
gostosos do que o químico Antônio) e sonhei que em doze dias, cada um diferente
viria passar uma noite comigo e que sabiam que estavam competindo um contra o
outro, portanto tinham de se esforçar para me agradar. No final, eu
teoricamente escolheria um. Os outros teriam a garganta cortada. O que eu
preciso explodir para ter isso?
Minha aposentadoria
do atletismo durou... Um dia. Sim, um dia. Só não vou treinar hoje porque estou
com preguiça, mas amanhã estarei na pista depois do trabalho. Estarei fazendo o
treino A de salto triplo depois do treino de contraste de musculação para
pernas. Eu gostei da brincadeira de fazer o salto triplo da tábua de onze
metros, sabe? Eu gostei de saber que já estou bem perto de superar os doze
metros, sabe? E na verdade, estou obrando para a equipe de atletismo do ISIS e
para a atlética do ISIS, não preciso deles para nada; assim como Marianne
Steinbrecher ao ser banida das olimpíadas de 2012, disse que não precisava do
José Roberto Guimarães para nada. E além do máster (onde pretendo ganhar três
medalhas no campeonato estadual em agosto), posso me valer de “n” burocracias
para continuar competindo no universitário.
Vou pedir para o
Lucas, um homão lindo de quase dois metros que mora no CRUSP. Pedir a ele para
guardar meu dardo (eu guardava o dardo na sede da atlética do ISIS, mas como
rompi relações com eles não tenho por que guarda-lo mais lá). Além disso, posso
aproveitar e trepar com o Lucas, que é muito bom de cama. Quem sabe assim não
me ajuda esquecer o químico Antônio, que já me convenci que obra para mim.
Elsewhere 1:
Fiz a inscrição do
meu romance “Drag por drag” no prêmio “Programa nascente” da USP. A novidade?
Ter de escolher trinta páginas do romance para submeter. Sim, o limite para
romance é de trinta páginas segundo o edital. Não se deve mandar as trinta
primeiras páginas ou “resumir” o romance. E sim mandar trinta laudas que melhor
“apresentam” o livro. Sim, os jurados estão com preguiça de ler os livros
inteiros.
17. “Lítio”
O mês de Maio está
sendo muito longo, mais longo que os outros. Não posso afirmar se é por que
estou escrevendo um diário de um mês, pois eu tenho a sensação que a vida em si
é que está sendo muito longa.
Tenho mudado de
ideia o tempo inteiro. Decerto é por causa dos remédios. Esqueci-me de tomar o
antidepressivo ontem e liguei o Hornet, me masturbei três vezes,
mas por sorte não consegui nenhum encontro.
Desisti da minha
aposentadoria do atletismo na noite passada. Coloquei minhas sapatilhas na
mochila hoje de manhã. Pensei na aposentadoria de novo durante o almoço. Talvez
seja melhor raspar a cabeça como Sinead O’Connor, ficar mais cego, voltar para
o lítio. Nem mesmo a música, que é a única coisa que não fiz na vida me motiva,
porque está sendo difícil lidar com esse silêncio, o silêncio.
Cheguei cedo para
trabalhar. Não me demitiram, eles me deram brinde, querem que eu aprenda
rápido. É difícil esconder a tristeza, mas eu me esforço.
***
Decidi ir para a
pista depois do trabalho. Estava bem frio e eu gosto do sofrimento. Eu sempre
faço mais do que eu deveria fazer. Vou além do que deveria no treino. No final
do treino, eu me sinto como a travesti Dandara jogada no chão, antes de ser
colocada em um carrinho de mão, para então ser levada para uma viela e levar
três tiros na cara.
Dói mais no coração
do que no pé.
Hoje foi o último
dia, não consigo mais.
Fernando, eu nunca
mais vou ver a cara do Fernando.
O Daniel, sim o
Daniel, que me olha como se quisesse me devorar. Por que sempre eu é que devo
tomar iniciativa para tudo? Também nunca mais vou vê-lo.
Nem o Luiz, e ouvir
o quanto é sexy o grito dele ao lançar o dardo. Pensei naquele mesmo grito com
a imagem dele ejaculando. Sim, eu ainda sou bem sujo, igual a qualquer ser
humano. Depois eu fui procurar sexo no prédio da faculdade de educação com
aqueles veados feios. Sim, é a segunda vez que faço isso desde a última vez que
vi o Antônio e sim, fui duas vezes ao bar gay das cabines também em tal
período.
O que mais me
preocupa em largar o atletismo não é a paixão, mais os seis músculos do meu
abdômen que não quero perder. Eles ajudaram o químico Antônio a me cobiçar no Hornet;
e por consequência eles são responsáveis pela situação miserável que me
encontro hoje. Ontem passei a ele um áudio de quarenta e seis segundos com
Billie Holiday cantando quase chorando a canção “Fine and mellow”. Ele nem
ouviu o áudio. Falar comigo, tampouco.
Hoje, depois do
treino, deixei para trás dois sofrimentos. Aquela pista de atletismo e aquele
químico logo ao sair pela porta:
Eu: Nem ouviu meu
áudio (emoji com a carinha triste)
Eu: Eu sou um bosta
mesmo
Eu: Você está
certíssimo
Eu: Vou parar de te
encher
Eu: Tchau.
Ele nem sequer
visualizou, deve estar jogando minhas mensagens fora sem ler.
Sem precisar de um
homem, você também não precisa de seis músculos no seu abdômen.
Eu não acredito mais na felicidade.
18. “Cores”
Um encontro com a
dor:
Agora conte cinco.
Episódios de stress pós-traumático seguidos desde o último dezembro. O abandono
do bruxo, prostituto barato, pobre, vulgar e inadimplente ex-namorado em
dezembro (stress superado). A demissão de um trabalho em março, após apenas
três meses do início, devido á incompetência e perseguição do meu gerente, uma
bicha enrustida de extrema direita casada com uma mulher (stress superado). O
frio abandono do químico, o que me apaixonei completamente; a cruel e injusta
expulsão da equipe de atletismo do ISIS; minha aposentadoria do atletismo e da
faculdade de letras (todos esses três ainda doem feito inferno). Não é uma dor
no pé que vai me incomodar.
Vir trabalhar é
difícil. A hora do almoço demora muito para chegar. Eles me dão tarefas para
fazer, mas. Tudo o que eu quero é ficar quieto e sozinho. Igual a Marina Lima
em 1996.
Marina estava
passando por problemas nas cordas vocais e sentia dor ao cantar, mas teve de
entrar em estúdio para gravar um disco, para cumprir contrato com a gravadora.
Tudo o que ela precisava era ficar quieta, mas ela teve de ir, teve de fazer.
Cores:
Logo hoje vesti
azul. Uma camisa azul bonita com pequenas bolinhas brancas e um suéter listado
de azul e branco, onde predominava o azul. Estou dentro de uma imensidão de
cinza nessa manhã cinza, nessa cidade cinza. Eu não vejo os pontinhos azuis das
mensagens lidas do Antônio desde terça-feira quando ele os desativou ou apenas
passou a jogar fora minhas mensagens sem ler. Os pontinhos cinza que ficaram nas
minhas mensagens para ele não saem da minha cabeça.
Um desejo de
concreto:
Acabo de decidir
tirar uma semana de férias para cuidar do meu pé direito e do meu joelho
esquerdo. Nada além de gelo e alongamentos. Terça-feira que vem volto a fazer
fortalecimento e educativos de salto, apenas educativos. Só volto a saltar no
dia 28. Só assim poderei competir bem em 04 de junho. Eu quero competir no
campeonato paulista máster em agosto, eu quero subir naquele pódio de concreto
da pista de atletismo do Ibirapuera três vezes, pegar minhas medalhas e ir pra
casa dormir.
Não, comecei planos
de prestar vestibular para economia no ano que vem para voltar a competir na
esfera universitária, mas eu não tenho mais forças. Estou velho e cansado e
decidi fazer apenas o que eu quero daqui pra frente. Apenas o trabalho para os
alemães, este essencial, eu tenho de fazer, não tenho escolha. Sim, meu pai não
vai ter o orgulho de ter um filho formado pela USP, e ele não merece, aliás. Eu
tinha decidido treinar apenas aos fins de semana para não ter que encontrar com
os adolescentes, mas não vou conseguir competir bem indo para a pista apenas
duas vezes na semana, preciso ir quatro. Se eu vou competir, quero competir
bem. Eu só quero sentir as medalhas em minhas mãos e isso não tem nada a ver
com os meus seis músculos no abdômen. Nada.
Durante a tarde
tive desejos de exibicionismo para essa noite, e de fazer coisas sujas. Isso é
assegurado pela bipolaridade mas. Aquém da questão da bipolaridade há a questão
da reação natural de qualquer ser humano: quando você é tratado como merda,
você age como merda.
It’s all over now, baby blue.
19. “Nasce um
monstro”
As cores mudaram
nessa manhã.
Lá fora ainda está
cinza e mais que cinza, está chovendo e eu vesti preto da cabeça aos pés, por
acaso e. Por acaso algo morreu.
You go back to cells. And I. Go. Back. To…
Ele voltou para a
vida normal de sempre, uma vida feliz e uma vida sexual regular. Aliás, não
voltou, sempre esteve.
Ele curtiu uma foto
minha no Facebook de terça-feira mas.
Os pontinhos azuis
apareceram no meu celular na manhã de hoje.
Ele leu. E não
respondeu.
Acabei de falar
dele, mas Maurren Higa Maggi costumava dizer para a imprensa “eu não quero
falar dele”, quando ela rompeu com o piloto de fórmula-1 Antonio Pizzonia. Ela
teve uma filha dele. Eu decidi fazer o mesmo com o meu Antonio. Não, eu não
tive uma criança. Não vou ter uma criança como uma forma física para me lembrar
dele para sempre mas. Terei a mim. Eu sou a criança nesse caso, e eu vou ter
que viver comigo mesmo para sempre.
Elsewhere 1#
Papai começou como
pé esquerdo no trabalho, Lebedeva. Sim, cheguei com mais de duas horas de
atraso por dormir demais, e ainda tive a sorte de o meu gerente não ter sequer
ido trabalhar por estar doente. A parte boa de começar com pé esquerdo é que o
direito está machucado...
Elsewhere 2#
Vou para casa
depois do trabalho para colocar gelo no meu pé, na minha coxa e no meu joelho.
Depois vou fazer exercícios para o peitoral e ombros (eram os planos quando eu
estava no trabalho, de tarde).
Elsewhere 3#
Vou começar hoje o
meu projeto para mandar para o evento da universidade do Piauí. O prazo termina
no fim deste mês.
***
Não pensei que seis
latas de cerveja na sexta-feira depois de uma semana de trabalho, me levassem a
baixar outro app de encontros gays (eu tinha desinstalado o
anterior justamente para me afastar de problemas). Sim, eu só queria um boquete
enquanto bebia minhas cervejas, mas acabei em uma orgia com três caras porque
eles tinham cocaína. A cocaína acaba; a amizade acaba; o sexo acaba. Voltei
para casa e continuei no app ás três da manhã, porque eu ainda
não tinha gozado e eu queria cheirar mais. Acabei por aceitar uma proposta em
dinheiro de um homem mais velho porque sempre tive fetiche em me prostituir.
Ele chegou com seu carro caro em meia hora e foi tudo muito rápido, ele ficou
olhando eu me masturbar, me masturbou e me chupou bem rapidamente, logo já
pediu para eu gozar. Gozei, ele gozou em seguida, me deu uma nota de cem reais
e me deixou em casa; tudo isso não levou mais que dez minutos. Não, não usei o
dinheiro para tentar comprar cocaína ou sair para comprar mais álcool, apenas
guardei o dinheiro na carteira e fui para a cama dormir.
20. “A manutenção
dos tendões”
Acordei gripado e
com dor de cabeça, claro.
É só um banho,
Hugo. Você vai gostar.
Tenho me esquecido
de escovar os dentes, mas não tenho me esquecido de comer ainda.
Consegui tomar o
banho.
Ao tomar o
antigripal direitinho e permanecer quieto na cama, consegui melhorar.
Uma alegria
simplória: fazia tempo que eu não tinha dinheiro para comprar um balde de oito
pedaços de frango do Kentucky Fried Chicken, e esse dia chegou.
Voltando do
Kentucky Fried Chicken, além de me sentir grato por ter um dia equilibrado, ou
seja, passei o dia inteiro triste, mas regularmente triste, sem intenção de
sexo, sem intenção de falar com ninguém que tivesse essa intenção, sem álcool,
sem diversão. Eu consultei a programação dos cinemas. Eu tinha dinheiro para
ir, havia filmes interessantes em cartaz, mas eu não consegui sair de casa.
Ao percorrer a Rua
Antonio Celso, com o meu balde de Kentucky Fried Chicken, eu me questionei se
eu conseguiria ficar vivo até o fim deste mês para terminar este livro, que é
um presente para meus poucos leitores e um tipo de trabalho que sempre quis
fazer.
Vou ver o médico na
terça-feira.
Ao descer a Rua
Loefgren em direção ao shelter que tem a palavra home na
parede da sala de estar, eu pensei o quanto fui fútil e estúpido ao largar o
lítio por pura vaidade, só porque ele encrespa meus cabelos e prejudica minha
visão. Mas eu só estava preocupado com os cabelos quando parei de tomar, não
com a visão. Eu poderia abrir mão da visão, mas nunca da beleza. Lembre-se
dela, da garota, a minha garota, uma das protagonistas do meu romance inédito
“Drag por drag”, a garota de 1,65m de ombros caídos que parece fraca, mas é
forte como nenhuma outra, e pode ser notada em qualquer multidão: a morte. Ao
postar fotos no Facebook da minha última competição de
lançamento do dardo, descobri porque o tríceps chama tríceps. Na foto, durante
o esforço ao lançar o dardo, deu pra perceber que há três músculos embaixo do
bíceps, e esses músculos só aparecem com muito treino. É... No começo desse ano
foram muitas semanas puxando oitenta quilos com a corda para trabalhar os
tríceps. Eu lembro.
Sendo assim, vou
pedir ao médico para tentar o valproato de sódio novamente para substituir o
lítio. Vou dizer a ele que estou totalmente descontrolado, mudando de ideia
muitas vezes e muito rápido em relação a muitas coisas: sobre abandonar ou não
o atletismo, sobre ter uma vida sexual ou não ter e sobre estar vivo ou me
suicidar.
Ainda descendo a
Loefgren, com o balde de Kentucky Fried Chicken, eu pensei que talvez a ideia
mais sensata no momento seja tirar um mês de férias do atletismo, para cuidar
da minha cabeça e das minhas lesões no corpo; meu pé dói, meu joelho dói.
Assim, com dois meses de treino até o campeonato paulista máster, não estarei
na mesma forma de hoje, mas estarei em uma forma parecida, e é o suficiente
para subir naquele pódio de concreto do Ibirapuera, já que faço tanta questão.
Hoje foi o primeiro
dia da virada cultural em São Paulo. A Tiê tocaria no CCSP ás 01h00 do domingo,
amanhã a Karina Buhr vai tocar lá ás 16h00; tudo de graça. Eu nunca vi um show
da Tiê, eu nunca vi um show da Karina Buhr. Não importa que eu não tenha
ninguém para ir comigo, eu sempre fiz sozinho minhas coisas. O problema é
conseguir sair de casa para ir até lá.
Julia, por que você
fez isso? Ao ver um vídeo no Facebook
da Julia dos Santos (atual líder do ranking brasileiro no salto em altura),
fazendo um agachamento para desenvolvimento e manutenção dos tendões e
ligamentos que eu nunca tinha visto (que parece difícil de fazer) eu decidi
tentar fazer amanhã.
21. “Serei mau”
23h10 e por último,
eu vou tocar a introdução de “Come as you are” do Nirvana no violão, para
praticar. Vou começar a reler “Memórias póstumas de Brás Cubas”, meu livro
favorito. E vou alongar as pernas antes de dormir, claro.
Sim, eu fiz
musculação para peito e ombros, fiz abdominais e o dorsal.
Alef, pobre Alef,
passou o dia inteiro me passando umas quinze mensagens no Whatsapp tentando
entender por que sumi. Apaguei todas sem ler. No descontrole da sexta-feira á
noite, eu disse que queria come-lo, disse que viesse ao shelter que
tem a palavra home na parede da sala de estar, desenvolvemos
conversa. Sabe por que eu sumi e não vou te responder nunca mais? Porque eu sou
um filho da puta igual a você e igual a todo mundo.
Não deu para ir ver
a Karina Buhr. Ao tentar algumas vezes fazer o exercício da Julia dos Santos e
perceber que realmente é difícil (mas tentando mais algumas vezes eu consigo),
fiquei ofegante e acabei perdendo a hora de sair de casa. Porém depois, mesmo
com a chuva tive de sair de casa. Para comprar anti-inflamatórios, pomada para
dor e compressas de gel. Para ir ao supermercado comprar sabão em pó, cereal
com 42% de fibras, torradas e iogurtes. Mesmo com a chuva, há de se trabalhar a
paciência. Enchi a máquina de lavar duas vezes hoje, um orgulho.
É difícil ganhar
uma luta quando o juiz está contra você.
A atlética do ISIS
criou em sua página no Facebook o evento da assembleia para
minha desvinculação dela. O texto de convocação já afirma que se trata de um
caso de opressão de “um” atleta para com “uma” das atletas. Eu fiz um
comentário nele dizendo brevemente a minha versão do caso e convocando as
pessoas para aparecer, acompanhar a discussão e votar de acordo com o que acham
justo. A atlética apagou meu comentário. É uma luta perdida. Mesmo assim passei
um bom tempo informando os meninos do voleibol, que sempre tive boa relação;
pessoas do atletismo que julgo mais sensatas mais justas, informando sobre o
que está acontecendo. Passei mensagens informando data e hora, enviei minha
carta de defesa para as pessoas se interarem e pedi para que, mesmo se não
pudessem estar, que enviassem um e-mail para o ISIS manifestando-se. Fiz o que
pude, embora eu creia que seja mesmo uma causa perdida. Um caso de perseguição
e opressão á minha pessoa que estão tentando fazer parecer o contrário, só
porque a autora das denúncias tem mais amigos. É assim que derrubam
presidentes, por exemplo. A Dilma andava um tanto ermitã, não andava fazendo
questão de ser amiguinha de ninguém. Deu no que deu.
Mais um dia sem
álcool, sem cocaína e sem intenção. Mais um dia sem me humilhar.
Amanhã é dia de ir
trabalhar, de fazer musculação para as pernas (caso não chova) e o treino A de
lançamento do dardo (mesmo com chuva). Por falar em dardo, vou passar na
atlética para buscar o meu. Obviamente não vou guarda-lo mais lá, não vou mais poder.
Vou procurar outro lugar para deixa-lo; o mundo é grande, bem grande, bem maior
do que o espaço aquário, bem maior do que o vão da geografia e da história com
aqueles maconheiros retardados dentro, com aquelas feministas gordas ignorantes
que não devem nem ter lido “O segundo sexo” da Simone, que nunca devem ter
ouvido falar de Angélica Freitas, com aquelas crianças. Quando você discute com
crianças, se mistura com crianças, você se torna infantil.
22. “Uma lição de
morte”
Não consigo
entender como vim parar segurando as lágrimas enquanto fazia conciliações
financeiras de processos de importação hoje de manhã. Sim estou fazendo bem,
sim cheguei cedo hoje e ao receber respostas das mensagens que mandei ontem e
quase todas elas dizem que é muito tarde, que deveriam se interar do caso antes
e que não podem me ajudar, eu me lembrei de quando te conheci em 2014. Como
você era jovem, livre e belo, tão alto e belo. Seu sorriso, eu nunca esqueci
seu sorriso, o quanto ele parecia com o sorriso de uma amiga lésbica que tive
na minha primeira graduação; você sorria de uma forma tão fresca, sorria como
um garoto. E o paralelo, o paralelo com todos os meus ex-namorados e o quanto
eu sinto repulsa por cada um deles. Se você me ajudasse, doce garoto, ficando
ao meu lado, me dando compreensão, afeição e principalmente seu sorriso, tudo
poderia ser diferente hoje. O mundo não seria tão feio e tão triste.
Agora, tudo o que
tenho é a duvida do que sou. Vendo as garotas com cabelos azuis na faculdade
onde o pessoal do escritório vai almoçar e vendo á nós, vestidos tão
formalmente e nós, tão bobos. E é por isso que eu fico sempre quieto. Se eu for
estudar economia, será que serei aceito? Vou lidar com esse mesmo tipo de
gente, só que um pouco mais rica? Talvez seja isso o que me põe na ideia
conseguir alcançar 12,26 metros em três passos. E eu quero bem logo. E ainda
tento a música. Você sabe cantar blues, Hugo? Prove. Cante “Help me” de Sonny Boy
Williamson.
Eu: You gotta help me baby
Eu: I can’t do it all by myself
Eu: You gotta help me baby
Eu: I can’t do it all by myself
Eu: If you don’t help me daddy
Eu: I gotta find somebody else…
(Fico repetindo
esses versos até dar um berro histérico no final)
Não, eu não posso
desistir da faculdade de letras. Meus pais nem imaginam que já a larguei há
muito tempo. Não esperava que minha mãe fosse me ligar ontem só para falar,
falar. Tentei falar, mas ela não deixou, ficou repetindo que eu deveria terminar
uma graduação para começar outra, mas eu sei. Eu sei que ela quer que eu me
forme na USP para ir á formatura com um belo vestido, tirar um milhão de fotos
e fazer minhas tias morrerem de inveja. Minha mãe não me ouve, ela não consegue
ver que minha expectativa de vida é o oposto do que ela espera de mim. Ela não
consegue ver que sou já mais que um adulto, sou quase um velho e ela ainda acha
que não sou capaz de fazer minhas próprias escolhas, viver como quero, fazer o
que quero. Acho que meus pais ganharam na loteria e não querem contar. Eu faria
o mesmo. Eles ajudam a mim e a minha irmã o tempo todo e sempre dizem que estão
quebrados, que não podem mais, mas minha mãe gaguejou quando perguntei onde ela
estava no sábado, ela estava aproveitando um pacote de viagem que tinha já
comprado há um tempo. Pensei que ela ia ligar para eu ir até a casa dela, que
ia perguntar se preciso de algo, mas eu tive a sorte de conseguir dinheiro de
um homem que pagou para ver eu me masturbando. Daí eu tive dinheiro para ir ao
supermercado, para ir á farmácia.
Sim, um garoto com
um sorriso como aquele. Faria com que o ISIS, aquelas feminazis gordas,
aqueles golpistas, se varressem como Chernobyl, como Hiroshima.
Não, o dinheiro que
paguei pelo meu dardo não compra o desgosto de ter que pisar na sede do ISIS
pela última vez para busca-lo e ter de ver aquelas pessoinhas. Eu ainda tenho
forças. Posso até comprar outro dardo.
***
23h52 e eu pude
deduzir que a vida se reduz em trabalhar, cheirar, beber e se possível evitar sexo,
mas nunca em sonhar.
Durante as duas
horas que passei na pista de atletismo da USP hoje, eu pude perceber que estou
tão sozinho quanto a vida na terra está, solitária na imensidão do espaço.
Ninguém mais fala
comigo.
Não parece sensato
permanecer onde não sou bem vindo. Nem pela direita nem pela esquerda. Nem
pelos ricos nem pelos pobres. Eu consegui essa proeza.
Ao pisar no centro
de esportes a primeira coisa que eu vejo é ele dentro da gaiola de lançamento,
o deus grego da FEA, que se acha melhor do que eu como pessoa e como atleta a
ponto de rir de mim. Eu tenho provas. Eu tenho uma foto que mostra ele rindo de
mim. Ele ri de mim também por eu ter lhe enviado uma solicitação de amizade
no Facebook, que ele nunca aceitou porque sabia que era uma
intenção de flerte, não de amizade. E isso é realmente ridículo é risível, um
deus grego como ele ter algo com um bosta como eu. O mundo é grande, bem
grande, tem muitas coisas por aí para ele rir. Eu não serei mais uma delas.
O problema não é
pisar no pódio sagrado do estádio de atletismo do Ibirapuera. O problema é o
caminho que você tem que percorrer para chegar até lá. E o quanto isso
representa: nada. Talvez isso só lhe dê a sensação amarga de que você não foi o
atleta que deveria que poderia ou não ter sido e que não tentou. Aquele pódio é
para atletas de verdade, heróis de verdade, não para velhinhos brincando de
atletismo como eu. E essa brincadeira tem me custado caro. E não tem graça
nenhuma.
Li dois capítulos
hoje de “Memórias póstumas...”. Realmente o Machado é foda, puta que o pariu...
Mas releia o livro dez vezes pelos motivos certos. Você só vai encontrar mais
infelicidade e frustração no curso de economia. Eu sei e já desisti.
Como já comentei
por aqui, eu tenho uma expectativa de vida de mais uns dois anos e ao pensar
que eu não sei o que fazer, o mais sensato é não fazer nada.
23. “Chupada da
vida”
Foi ontem de noite
quando eu estava debaixo da terra, no metrô, vindo para o shelter que
tem a palavra home na parede da sala de estar, que tomei a
decisão. Despejei todas as tralhas esportivas no chão como se a mochila
vomitasse. Elas ficaram espalhadas no chão até agora, como a garrafa de cerveja
que a minha gata derrubou há três dias, em pedaços na varanda. Isso me faz
lembrar uma entrevista da Dolores O’Riordan para a revista de música Showbizz ,
o repórter contou que ela derrubou uma garrafa de champagne no carpete do hotel
e ficou completamente indiferente com a garrafa no chão derramando, assim como
a minha indiferença com as tralhas esportivas.
Por isso hoje
acordei tão tarde. Era como se eu estivesse acordando de um pesadelo e nele eu
estava em um ato, em cima do palco e todos na plateia riam de mim. Era como se
eu acreditasse ser algo que eu não era, fazia algo que não estava de fato
fazendo, sonhando acordado. Agora tudo está acabado, eu me esqueci de fazer
ontem de noite, mas essa noite não vou – Pegar os pedaços de metal pobre que
ganhei na USP, que ficavam em cima do meu rádio que fica em cima da minha mesa
(para eu ficar olhando para elas e ter motivação para querer ganhar mais) e
coloca-las dentro do armário, em uma lata, junto com os outros pedaços de metal
pobre que eu ganhei na FATEC. Colocar em um armário e deixar tudo guardado no
escuro para tentar esconder o passado, junto com roupa velha. Esses pedaços de
metal pobre: nunca soube explicar por que eles significavam tanto para mim.
Agora saia do
trabalho, vá beber á isso.
Vá pegar uns
garotos, provar carne e proteína deles.
Fui confundido com
um estagiário hoje no trabalho.
Vá lá usar sua cara
jovem de Dracula para pegá-los.
Pegar os garotos.
Os garotos, os
garotos, os garotos.
“Chupada da vida”
Ele
Eu lembro o que ele
disse de mim
O último amor da
minha vida.
24.
Fluxo 1:
Everything under my skin is red and I start to see
it.
Or
Tudo debaixo da
minha pele é vermelho, e começo a vê-lo.
25.
Chronic: after more than 40 punches I stayed stand.
I could have faked and fell but I stayed there trying. After that my fat coach
turned his back to me because I failed. I shouldn’t have. I should have just
accepted that I wasn’t prepared.
Or
Crônica: depois de
mais de 40 socos eu fiquei de pé. Eu poderia ter fingido e caído, mas eu fiquei
lá tentando. Depois disso meu treinador gordo virou as costas para mim por ter
falhado. Eu não deveria. Eu deveria apenas ter aceitado que eu não estava
preparado.
Fluxo 3:
When you talk to the dead do they ever respond?
They give you airs of pneumonia in your spine.
Or
Quando você fala
com os mortos, eles alguma vez respondem? Eles te dão ares de pneumonia na sua
espinha.
26.
Se você não
puxar o tigre pelo dedo, ele não te morde.
27.
“Psicotrópico”
É assim mesmo
quando
Tu trocas
Tu choras,
Choras atrás do
piano
Ao invés de dormir,
É melhor dormir
Com gelo na perna
Difícil,
É difícil
Fácil é criar
poemas.
(Hugo Guimarães)
28.
[Sorrindo de tifo
secretamente dentro de um cercado (quando há um futuro tão perto de você do
lado de fora). Não, não chore de tifo dentro de um cercado, Hugo]. O seu
coração, de colisões, fraturas, explosões, tomou forma de uma coisa vermelha
tão feia, tão asquerosa, porém já tão seca; tanto sangue seco (tente imaginar
um dos pedaços grandes e disformes de frango do Kentucky Fried Chicken só que
feitos de sangue ao invés dos temperos secretos e do frango) que você já sabe
que qualquer trauma não dura mais que dois meses. Daqui a um mês, dois meses,
vá viajar para comemorar; vá tirar selfies em frente á casa
rosada.
29.
E aí, vai colocar essa coleira na
mochila de novo como se fosse um terço?
Vai manter essa coleira na mochila
como se fosse um terço?
Até quando vai manter essa coleira na
mochila como se fosse um terço?
***
Sonhei com você na
noite passada e sonhei que você era bom (bom de bondade). E eu tenho um método,
um método pessoal para interpretar sonhos.
***
Vim trabalhar e
vesti negro a não ser a gola da camisa aparecendo debaixo do suéter; a gola
vermelho-sangue. Uma manhã ensolarada para um pedaço de lixo como eu, assim
como minha autodescrição em um poema que escrevi não tanto tempo atrás.
***
19h30. Três dias de
tratamento com risperidona+clonazepam+nada. E não tenho vontade de matar
ninguém nem de me matar por ninguém. Está acontecendo um efeito placebo aqui ou
é impressão? venlafaxina+clonazepam-lítio=mania: eu devia ter raciocinado isso
antes, fui burro. Burro ao ser meu próprio psiquiatra por sete meses.
Está tudo bem. Não
precisa pânico. Tudo bem você perder seu treino de musculação de superiores
para ir gozar para ir á livraria que há tempos você não ia. É só reajustar a
planilha de treino, vai ficar tudo bem.
Um orgasmo de
porco. Tive outro orgasmo de porco hoje. Ou seja, um orgasmo bem longo que não
sai de uma vez com alguns espirros, mas fica transbordando aos poucos do pênis
e a sensação de orgasmo continua a mesma por muito mais tempo. Já é a segunda
ou terceira vez que acontece comigo.
Um orgasmo de
porco. Sabe-se que agora não é só exclusividade de uma mulher a sensação de
gozar como um porco. Os homens também podem.
30.
Ferir. O dardo deve
ferir o solo.
31. “Morte”
Como um autêntico
bipolar, eu voltei a treinar atletismo um dia após anunciar minha
aposentadoria.
Em desespero, sem
tomar remédios para dormir certa noite, eu passei uma mensagem a ele.
Ele.
Desespero.
Daí, decidi me
tornar viúvo, e um viúvo alegre.
Quando eu parei de
tomar antidepressivos, eu fiquei alegre.
O deus grego da
faculdade de economia me dirigiu a palavra pela primeira vez, e ele é gentil.
O alto e belíssimo
lançador de dardo da escola politécnica me dirigiu a palavra pela primeira vez,
e ele é gentil. Treinamos juntos pela primeira vez e é bom treinar com um
atleta melhor do que eu; é bom para o meu treino.
Fui até a sede do
ISIS para buscar meu dardo e tive uma boa ideia de onde passar a guarda-lo, mas
eu não posso te contar.
Decidi respeitar a
memória do meu finado marido, que não pude manter vivo, fui incapaz de mantê-lo
vivo. Respeitar guardando meu corpo só para mim mas. Deve passar, deve. O amor
pelo bruxo, vulgar, pobre e infantil louro falso passou mais rápido do que eu
esperava. Doeu, mas passou. Hoje, não posso dizer que o acho desprezível, o que
eu acho dele seria a tradução da palavra inglesa “disgusting”.
Tempo, tempo,
tempo: forte como a garota, a morte; mau como a velha, a vida.
Após meses, parei
de me automedicar e fui a um psiquiatra. O homem disse “o que você acha que
está fazendo aqui?”, eu disse “não faço ideia”. Brincadeira. Ele achou melhor
tentar a risperidona de novo e pelo amor, vá fazer a terapia, bebê; dê essa
chance a você mesmo. Curiosamente, ao reler a bula da risperidona, vi que ela
trata exatamente todos os transtornos que tenho tido.
***
Eu não quero falar
sobre o medo que tenho de perder o emprego.
Eu ganhei a aposta.
Eu ganhei o doce. Não tive nenhum dia feliz no mês de maio. Eu gosto de palha
italiana, de Haagen dasz de chocolate
belga e de Milka triolade. O vilão
desse livro não é o químico Antonio. O vilão sou eu e minha alma miserável.
XOXO
“Maydays”
© Hugo Guimarães,
2017