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v
- Preciso de dinheiro para comprar dinheiro;
posso comprar tantas roupas que até me conforta o instante, mas eu não posso
comprar um ser humano, ter a estima dele, faze-lo feliz, que ele me faça feliz,
não posso comprar juventude, nem a morte
- Agora tudo acabou de novo, sou a criança velha
de maus hábitos de novo, que não prospera e não evita envelhecer, como se eu
pudesse controlar essas curvas; hoje, acordar e fazer qualquer som ou ruído me
faz sentir culpa apenas por existir, é pior quando eu ouço o som das latas se
abrindo, e o quanto elas se abrem, e o que elas fazem, somem aquele que aceita,
que não vê mal nenhum, para aquele que me ignora, que tem sim vergonha, e é por
isso que eu tento tanto forçar uma masculinidade contra a parede quando
conversamos, é elevar além de praticar a tolice; é sempre melhor criar do que
continuar
v
- Em um suspiro de uma vida, imaginando/sonhando numa vida impossível, naquela casa grande e linda que não existe mais, minha irmã estaria na Alemanha fazendo sei lá o que, meus pais me deixariam uma empresa para cuidar, mas eu só ia lá um vez por semana e eu não passava nem duas horas lá, e certo dia, um dos funcionários da minha casa queria me desenferrujar, mas viu que minhas peças não estavam enferrujadas, elas estavam quebradas
- Em um auspício de vida, vou ficar sozinho em casa novamente, não vou fazer a bagunça de Macaulay Culkin queria que fosse, mas eu vou puxar a corda de novo, trazendo um garoto qualquer para cá, o sexo fica melhor com uma ajudinha, não? Mas é sempre para os outros, nunca é para mim, você já jogou vôlei? Quando você disputa uma bola na rede, primeiro você espera o seu adversário fazer força, só depois você faz força, sempre dá certo, meu pai vai visitar um irmão com má saúde em Curitiba e minha mãe tentará vender um apartamento de sete milhões
v
Ao
amanhecer, em um cenário minimalista, em frente a uma casa de madeira e barro, que
era uma tapera, próxima a um rio largo, limpo, vivo e extenso que
brilhava, o homem sai para trabalhar, a mulher lhe entrega o almoço.
– Fica
com deus, mulher.
– Vá
com deus!
O
homem sai andando pelo caminho já decorado.
A
mulher, que gosta de cantar, entra na casa cantarolando;
– Vá
com deus! O amor não está aqui... vá-com-deus!
Na
ampla janela em frente a pia de lavar louças, brilha Jaqueline Jarilane Jucilene
de Jesus, morena, nem negra, nem branca, longos cabelos ondulados, mas não
crespos, vestido singelo, de alça fina, era meio amarelo talvez, ao lavar louças,
começa a cantar um forró de letra bem pornográfica, do jeito que ela gosta;
Ê
boceta do Satanás
Ê
boceta do Satã
Vem
boceta do Satanás
Vem
boceta do Satã
Vem
boceta do Satanás
Vêm
boceta do Satã
Só na
boceta
Só na
boceta do Satã
Só na
boceta
Só na
boceta
Só na
boceta
Mas
vai ser só na boceta do Satanás
Vem
boceta do Satã
Vem
boceta do Satanás
Vem
boceta do Satanaaaaaaaiiiiiiii!!!!! – Jaqueline
deu um berro ao ver um homem louro aparecer em sua janela, e ele olhando para
ela e a casa um tanto curioso.
– Quer me matar de susto? – (brotou um balãozinho
sobre Jaqueline), vai me matar é de vergonha, com certeza! Me ouvindo cantar
essa musiquinha...
Em
seguida, logo apareceu também uma mulher branca, mas não era loura, ambos eram
do censo, ela é que começou a abordagem
– Bom
dia! Nós somos do censo, a senhora se incomodaria em responder algumas
perguntas? A sua participação é muito importante!
Jaqueline respondeu com o rosto vermelho vermelhinho, por conta de ter
sido pega cantando a música que escava cantando;
– Vocês marcaram comigo aqui?
Logo hoje que estou escravizada de serviço? – Ao dizer “escravizada”
desenhava um ciclone no ar.
– Nós não “marcamos”
com ninguém, senhora! Acha que seria fácil marcar com todos os cidadãos do
país, marcar e remarcar? Marcar e remarcar? Assim
seria difícil saber quantas pessoas existem no Brasil! Ainda mais em lugares
como
–
Pedro, por favor! – cutucou lhe a outra agente
–
Sendo assim...
Jaqueline os acomodou na mesa da cozinha.
– Esse
cafezinho está novo, novinho aqui na térmica, faço questão de servir.
Os
dois funcionários se olharam em sinal de recusa, mas permaneceram calados.
Jaqueline
pegou três xícaras e serviu.
– Qual
a espécie do domicílio ocupado?
– Sei
não
–
Qual é o tipo de residência?
– É
a essa casa aqui mesmo.
– A
senhora faz uso de bebida alcoólica?
– De
vez em quando né? Senão ninguém aguenta.
– Quantas
pessoas moram nesse domicílio?
– É
de sequilho?
–
Quantas pessoas moram nessa casa?
– Ah,
sim, mora eu e o meu marido.
–
Pode dizer o nome completo de vocês dois?
– Jaqueline
Jarilane Jucilene de Jesus e meu marido é Michael Jackson de Jesus.
– A
senhora já sofreu alguma violência doméstica?
– Sofri
não senhora! Pois ele que se atreva! Aquele magrelo desgraçado, pois eu derrubo
essa casa em cima da cabeça dele, xibungo desgraçado... violência mesmo eu já
sofri de porco gordo, num sabe? E nem é daqui! Pois eu não tava cuidando de
estender uma roupa e aquele monstro veio correndo e me bateu bem nas pernas? E
foi! Me derrubou que nem um pino de boliche, tive que pedir ajuda a fazenda
próxima aí, quebrei o braço na queda! E foi! Eles que me levaram na cidade pra
engessar, pois eu fiz pedido especial para o dono da fazenda, quando matarem
esse porco, eu quero ser a primeira a comer da carne!
– Depois
que foi verificado que a dona daquela casa não estava alcoolizada e nem tinha
sofrido violência conjugal, apenas animal, que apenas era muito
"falastrona", e talvez tinha "probleminhas", terminaram as
perguntas mandatórias.
Jaqueline
os acompanhou até seu rumo e foi inevitável para os agentes comentar sobre a
beleza do rio que ficava a menos de cem metros de sua casa.
–
Nossa! Que belo esse rio tão próximo a sua casa, dona Jaqueline! - disse a
mulher do censo.
– Tem
é cobra nessa desgraça!
A
mulher do censo até tropeçou.
– Bom,
então é melhor pegarmos logo o carro para voltar para a estrada, temos muitas
casas para visitar hoje - disse o homem do censo.
Os
dois agentes fizeram um sorriso apressado e amarelado.
– Ah,
pois eu gostei muito! Venham mais vezes...
O
carro foi embora com pressa levantando poeira. Já na estrada os agentes falavam sobre a entrevistada;
– Aquela
mulher não é normal – ele disse
– Ah,
você notou mesmo? Além de demonstrar estar fora da realidade várias vezes, ela
fala sobre violência e morte com uma banalidade... não percebeu?
– Olha,
psiquiatria não é meu forte, mas aquela música que ela estava cantando quando
chegamos é música que gente doida canta na rua
– Que
música?
– A
da boceta
– Da boceta?
–
Mas olha... nem perguntaram da minha água... antes de trazerem essa cisterna
para cá e o caminhão pipa começou a passar toda semana, passei o diabo para
pegar água nesse rio, com medo de cobra, com medo de onça, chegava na beira com
a lata na cabeça, correndo na ponta dos pés, veja só, correndo na ponta dos
pés!! Enchia aquela lata com tanto cuidado, nem respirar eu respirava!
Sem
que Jaqueline percebesse, passava pelo rio, em um barco motorizado, mas
silencioso, dois filhos do um fazendeiro;
–
Olha lá a Jaqueline falando sozinha de novo!
–
Filma! Filma!
– Depois que eu enchia a lata, até
tremendo, daí eu disparava feito uma ladra! Podia até ter ido para as
olimpíadas! - levantou o indicador com a soberba.
Jaqueline
voltou para a casa porque tinha coisas a fazer, pôs-se em frente ao tanquinho e
começou a lavar as roupas dela e do marido;
Cantava;
“Sabããão pedacinho assim
Olha
a água um pinguinho assim
Do
tanque um tanquinho assim
A
roupa um tantão assim
Ensaboa
mulata, ensaboa
Ensaboa, tô
ensaboando
Eu não
tenho nada
Tristeza não
tem fim
A felicidade
sim”
Ao
que Jaqueline virou para o varal para estender as roupas, deixou a bacia cair
no chão e deu um grito, vê uma onça caminhando pela borda do rio. Ela abandonou roupa, tanquinho, torneira aberta e,
correndo com a ponta dos pés se enfurnou dentro de casa, fechou janelas e
portas, mesmo sabendo que, uma onça a derrubaria toda se assim o quisesse.
Abriu uma fresta na janela do quarto para espionar e olhava muito atenta.
Outra
onça menor vinha logo atrás, parecia ser a cria.
–
Jesus gato! Agora são duas... isso é lugar?
A
onça decidiu beber água do rio, começou a dar os primeiros goles. Daí então, surgiu
uma sucuri do rio como um míssil submarino, e os dois animais começaram a
travar uma luta, que foi breve, pois a onça era mais rápida e conseguiu se
esquivar dos ataques da cobra, com uma só mordida da cobra, virou caça.
Jaqueline
acompanhou a cena embasbacada, fechou a fresta
devagar, voltou ao seu cotidiano lesada.
–
Será que eles brigam só entre eles? E se vierem aqui para casa? Uma onça dessa
me devora inteira, só sobra cabeça... e essas cobras? Vivem só no rio ou
rastejam na terra também? Se uma dessas aparece aqui eu nem vou ter uma morte
horrível, morro só de susto.
Enquanto
isso, na casa do fazendeiro.
Dois
profissionais responsáveis pela viabilidade da criatura, dão dados novos aos
filhos;
–
Acabamos de ter mais um embate entre uma onça e uma sucuri – diz Verena.
–
E o que aconteceu? – diz Fox.
–
A onça levou a melhor mais uma vez.
–
Que merda! Não é possível! Essas onças velhas, cansadas... – diz Dakota, o outro filho.
–
É pouco provável dar notícias melhores, uma onça velha, é sempre uma onça – diz
Verena.
–
Precisamos ter uma conversa com o seu pai –
disse Júlio, o parceiro de Verena.
–
Sobre a Jaqueline? – diz Dakota.
–
Sim.
–
Aha! Meu pai está lá no meio do mato feito a Madre Teresa de Corumbá!
Jaqueline
passou o resto do dia aflita, não fez mais nada, ficou sentada no chão da
cozinha segurando uma carabina carregada, recuperando energias, de noite
ouviu passos regulares se aproximando da porta adentro tentando abrir a
maçaneta, Jaqueline fazia a carabina tremer, perguntou com medo;
–
Quem está aí?
–
Ora! Como assim quem é, mulé?
Jaqueline
levantou com pressa e abriu a porta para o marido, abraçou-o.
–
O que é que foi? Você nunca me recebe assim...
– Passei o dia todinho com medo!
–
Medo de quê?
–
Pois eu estava lavando a roupa e quando me virei, vi duas onças a passeio na
borda do rio, veja só!
–
E ficou apavorada por isso?
–
O pior veio depois! Me enfiei dentro de casa e fiquei espiando pela janela do
quarto com esse olho! Com esse olho! (Jaqueline apontava o dedo para o olho) de
repente não é que apareceu uma sucuri para dar o bote na onça? Homem, pense
numa briga feia! A onça não conseguiu dar o bote na sucuri no dente?
–
Ô, minha flor, esses bicho selvagem não atacam gente não...
–
Ah, atacam sim! Que eu já vi nessas internet aí.
– É tudo mentira o que tem nessas internet, ... e tu passou o dia só nessa agonia?
– Pois! De manhã veio o pessoal do incenso aqui.
– Estou
com uma fome... tu não fez a comida?
– Pois eu faço agora, como é que eu ia
fazer comida apavorada? Sem saber se quem ia para a panela era a comida ou se
era eu? Aproveite e tome seu banho enquanto apronto tudo aqui.
Enquanto
isso, na casa do fazendeiro;
– Vamos
começar? Todos concordam? – diz Fox
–
Verena? – pergunta Dakota
–
Sei que meus valores não vem ao caso, e que vocês contrataram o “projeto” (ao
dizer a palavra “projeto”, Verena desenhava em sua feição os enganados,
inclusive o dono da fazenda), mas caso o senhor Mattia vier a ter conhecimento
deste projeto, espero não ter de dar explicações, nessas condições estou de
acordo.
–
Júlio?
–
Acompanho a Verena.
–
Ok, vou fazer uma introdução, explanação clara e sucinta do protótipo – disse
Verena.
– O casco é bastante resistente, suporta ataque de
outros animais além das... (ela abaixou a cabeça e levantou os olhos para todos
os presentes, que assim responderam em movimento de entendimento) pode se
locomover a qualquer profundidade deste rio, foi todo pensado e idealizado por
IA; também se locomove por terra, é monitorado por humanos, precisamente
através de drones.
Todos
batem palma.
De
noite na cama, Michael Jackson tenta encostar na mulher, mas nota que ela já
ronca.
Brota
um balãozinho da cabeça de Jaqueline “Ainda bem que eu aprendi a roncar”.
Raiando
o dia, Jaqueline apronta o almoço do marido e também prepara o café da manhã. O
marido chega à cozinha desmazelado.
– Não
se aprontou ainda, homem?
–
Depois do café me apronto.
– Não
está comendo por que, Jaqueline?
–
Essa hora tenho fome não, homem.
Jaqueline
e Michael Jackson sob aquele belo amanhecer, dão um brevíssimo beijo e desejam
bom trabalho um para o outro. Jaqueline
volta para casa com pressa, já que nas segundas-feiras de manhã ela sempre tem
pressa, sequer tirou a mesa do café, sendo que a partir dessa, elas não serão
mais tão doces assim, ela começou a pesquisar no celular vídeos de ataques de
sucuri e ataques de onças à seres humanos.
– Tem
alguns vídeos de ataques de sucuri em gente, mas o momento do ataque está
cortado em todos eles, deve ser uma coisinha bem da horrível de se ver mesmo
senão não estavam todos cortados... eu vou ver se encontro vídeos de ataques de
onças em gente depois porque agora tenho coisa melhor pra fazer.
Jaqueline montou na bicicleta com sua sacola de pano e
rumou para a casa do fazendeiro, eram cerca de dez minutos de carro, Jaqueline
fazia em vinte e cinto de bicicleta, porém ela já estava acostumada a pedalar
rápido,
o som das rodas gastas da bicicleta de Jaqueline
aborrecia toda a casa, aborrece mais ainda o fato de ela chegar sempre na hora
do café da manhã nas segundas-feiras.
Jaqueline
vai se entrando sem anúncio, sem ser convidada, ultrapassando os cômodos, sorridente,
diz;
– Bom
dia, meu povo! – em um tom de voz alto que irrita a todos
Ela
chega até a sala de jantar e já se posiciona ao lado do dono da casa
– Que bom lhe ver, senhor Matias!
Ele
nem se incomoda mais
– É
Mattia, Jaqueline, não Matias – O filho Fox a corrige sem paciência.
Jaqueline nem mexe o rosto, como se aquilo fosse tão insignificante.
Comenta
sobre a comida;
– Olhe, aquele queijinho é tão bom... mas Michael Jackson ganha tão pouco, coitado...nunca pode
comprar.
–
Sente-se, Jaqueline, tome o café conosco – disse o senhor Mattia, o fazendeiro.
–
Ôxe, pois é pra já! – Jaqueline tomou a primeira cadeira vazia que viu, na
fileira à direita do dono da casa.
Brota
um balãozinho sob a cabeça de Dakota "Puta que o pariu! Acho que deviam
ser mantidas na mesa só as cadeiras das pessoas que moram aqui!".
Jaqueline se achegou rapidamente, bem feliz; a empregada, Gessyjane, se
aproximou;
– Vou lhe servir o café, dona Jaqueline.
–
Pois eu mesma me sirvo, mulher! O café já não está aí na mesa?
–
Tudo bem, se precisar é só chamar.
Jaqueline
serviu-se com quase metade do "queijinho especial", banhou-o com a
geleia de amora importada, comia o pedaço enorme de uma vez ao invés de
fraciona-lo, a geleia que escapava do queijo na toalha, ela pegava com o dedo e
comia, a cada engolida, fazia "Hummm", brotou um balãozinho "Nojenta, idiota" sobre a cabeça de dona
Grazia, uma senhora de bastante idade, cabelo branquinho, branquinho, mãe de
Mattia.
Jaqueline não parou, pegou um pedaço bem grosso do pão
de brioche e o lambuzou com a manteiga de primeira qualidade, todos olhavam o
celular para fingir que não estavam incomodados, mas não puderam disfarçar em
perceber quando ela pegou o grande pote de doce de leite de primeira qualidade
já aberto e tomou para si, quase no mesmo movimento pegou uma colher e começou
a comer o doce como se ele fosse individual, todos pararam de comer, a
empregada ficou atrás de Jaqueline a dois metros de distância
Quando
o dono da casa termina de comer, o café se dá por encerrado, todos se levantam com certa pressa de se livrar do
ambiente, o fazendeiro recebe Jaqueline
em seu escritório;
–
Como estão as coisas na tapera?
– Tá
é do mesmo jeito.
– Ruins?
–
Ruim! Ruim, sim senhor!
– As
onças pararam de aparecer?
–
Pior! Agora tá aparecendo cobra também.
– Quantas
vezes eu já disse para você e seu marido virem morar e trabalhar aqui? Por que
não vem logo de uma vez?
–
Vixe, Michael Jackson é orgulhoso feito o diabo.
–
Vocês já estão em terras minhas, qual a diferença?
– Ele
acha que aquelas terras não tem dono.
– Só
porque o pai dele morreu no rio quando trabalhava pra mim?
–
Olhe, eu não tenho nada que ver com essas desgraça do passado, só sei que
aquela tapera é a miséria! E ainda por cima ter de receber visita de onça, de
cobra de rio quase na minha frente! Qualquer dia vou cair numa situação
daquela!
– Então fale com ele, Jaqueline, fale com jeito.
–
Posso tentar, Senhor Matias, vou aqui me bolando algo pra falar, mas o homem é
teimoso, viu? Parece uma cobra venenosa.
–
Tente fazer um filho! E quando vocês tiverem filhos? Não se cria uma criança
naquela tapera, aquilo não é lugar para uma criança pequena.
–
Pois se não é nem pra mim!
Antes
de ir embora, Jaqueline deu a corriqueira passada na dispensa, acompanhada pela
empregada.
–
Quero brioche, essa manteiga, essa geleia, esse doce, não tem aquele queijinho
especial pra eu levar, mulé?
–
Claro que tem! O senhor Mattia sempre manda separar uma para você ás
segundas-feiras?
– Ah,
mas é a pura bondade, veja só...
–
Sim, ele é! Ele mandou separar esse pedaço de carne salgada e este pote de
comprimidos.
–
O que é isso?
–
São vitaminas para repor o que o corpo não pôde ingerir, é um frasco para você
e outro para o Michael Jackson.
As duas voltam para a sala de jantar onde
Jaqueline tomava o rumo de casa
–
Ué, todos já se foram?
–
Sim, começam a trabalhar cedo.
–
Pois deixe meus cumprimentos, mulé –
E deu-lhe um abraço apertado que incomodou a empregada.
Ouviu-se
a bicicleta barulhenta de Jaqueline indo embora e assim todos puderam respirar
novamente.
–
Pensei que não ia embora nunca! –
Disse Dakota
Dona Grazia pegou o pote de doce de leite onde
Jaqueline comeu, e com pressa despejou tudinho no lixo, enquanto dizia;
– Isso aqui não serve nem para os gatos!
–
Verena, o protótipo está pronto para ser usado? – disse Dakota
–
Sim... ele foi testado de madrugada, navega perfeitamente no fundo e no raso,
não incomoda as outras cobras, elas são indiferentes à ele.
Jaqueline
se aproximava de casa, mas a feição que saiu tão feliz da casa do fazendeiro,
mostrava uma certa agonia ao chegar na tapera. Desceu com a sacola, deixou a bicicleta cair no chão, e não reconhecia
aquela pequena imagem de santo sobre a porta, percebia que era culpa dele por
ela estar onde estava, com quem estava, e principalmente quem ela era. Pegou um retrato guardado, um cigarro escondido e foi
para fora com uma cadeira. Primeiro, fumou o cigarro calmamente e, enquanto
fumava, lembrava de suas agruras, pegou a fotografia e pegava com frequência,
ela, dez anos mais jovem, aos quinze e a professora, dez anos mais velha aos
vinte e cinco, ela, aos olhos de Jaqueline, era a pessoa mais bonita que já
tinha visto, a escola era ruim, não havia aula quando chovia, quando havia, e
aquela professora falava com ela, mal sabia o que falar, queria continuar perto
dela, o cheiro dela era também calmante, nenhum dos meninos lhe interessava,
talvez nem as meninas, uma vez foram à escola e a professora não estava mais
lá, apareceu uma pessoa da diretoria que ela nunca tinha visto para informar
que a professora não viria mais, disse que as condições eram muito ruins lá, e
era difícil manter uma professora lá por muito tempo, e deveriam ser mesmo, porque
as condições do mundo são ruins, tanto que nunca mais apareceu outra professora
lá, o jeito era frequentar outra escola tinha
outra escola em um lugar muito mais longe.
–
Eu não vou.
–
Como vai ser alguém na vida, menina? – disse o pai.
–
Eu já sou alguém na vida! Eu não existo, não?
–
Sem estudo não se é ninguém, coisa nenhuma!
–
Então você não é ninguém?
–
Quando eu tinha a sua idade, nem existia escola, menina!
–
Então eu vou casar, logo!
– Assim tão nova?
– É!
–
Vai casar por amor ou por raiva?
Voltando
a hoje, a esse fumo, a essa porta, com esse retrato,
– É
errado mulé sentir essas coisas por outra mulé, né? Pois se a professora
quisesse me levar com ela, eu iria, sem avisar pra ninguém, que se explodisse o
mundo!
Olhou
para trás, para o santo, levantou, foi até ele e o vandalizou, arranhou,
rasgou, amassou, tirou tudo! Enterrou tudo! Olhou para a terra e disse “Não é
por sua culpa que as pessoas tem que viver do jeito que não querem?”.
Jaqueline pegou da bicicleta a sacola que trouxe da
fazenda.
– Ô,
senhor Matias, sempre tão bom...
Entrou
na casa para guardar as coisas, com gana de raspar a cabeça.
Guardou
tudo na geladeira.
Pôs-se
a lavar louças.
Era o
momento em que saiu do rio uma imensa cobra, por ser artificial os outros
animais não se incomodaram, na fazenda,
Verena, Lúcio, Fox e Dakota assistiam toda a cena com a ajuda de um drone.
A cobra chegou calmamente em frente que janela
se abria em frente a pia da cozinha de Jaqueline, a cobra e se inclinou a ponto
de ficar maior que ela, que assim que a
percebeu, deu um grito como se o fosse
suficiente para matar a cobra.
Recuou, derrubou mesa, cadeiras. Ficou desorientada até conseguir
pegar a carabina, Jaqueline encarou a janela de
supetão e começou disparar contra a cobra, que recuou com uma velocidade que
Jaqueline nunca viu, mas só parou de atirar qual viu a cobra entrar no rio.
Jaqueline
subiu na bicicleta em direção à fazenda em busca de ajuda, mas parou no meio do
caminho, parou cansada, esbaforida.
–
Posso não... é o que precisam para tirar eu e Michael Jackson da nossa casa,
precisa enfrentar, pelo menos até ter outro lugar pra ir... ou eu é que
preciso, meu deus!
Jaqueline
pedalou de volta para a tapera o mais rápido que pôde, um pouco transtornada,
com duas lágrimas secas.
Chegou em casa e foi tomar banho, precisava lavar aquele calor, aquelas
lágrimas.
– Os
quatro espiões, Verena, Lúcio, Fox e Dakota, passavam mal de rir
– Vocês
viram o susto que ela levou com a cobra? – disse Fox
Verena torcia os lábios refutando aquilo, olhando para uma direção onde
não se via o rosto dela.
–
Saiu de bicicleta que nem uma bala, parou e voltou para casa, alguém duvida que
essa mulher tem probleminha? – disse Dakota.
Mais
tarde, Michael Jackson chegou em casa no mesmo horário de sempre, chegou e viu
a mulher em frente ao fogão, o cheiro da comida quente e fresca. Deu um abraço na mulher por trás e disse;
– Que
comida cheirosa! E você também está cheirosa! Já banhou?
– Já
– E
pra quê?
–
Tive que dar duas carreira de bicicleta até a fazenda
– Já
pedi quantas vezes pra você não ir na casa daquele demônio? E Agora você chega
banhada de lá?
–
Banhei aqui, Michael! Eu sou mulher do mundo, agora? Estão na geladeira as
coisas que trouxe de lá, tudo coisa boa para gente
–
Quando é que você vai ficar indo toda semana lá naquela fazenda mendigando
essas coisas, mulé?
– Eu
não mendigo nada não, homem! Eles me dão porque querem, eu nunca pedi nada, e
quer saber? Essa briga é de vocês dois! Eu não briguei com ninguém! Então não
tenho que odiar ninguém e nem deixar de aceitar uns mimos da fazenda para dar
uma “energia” na nossa geladeira, num sabe?
–
Ora! Pois ninguém dá nada para ninguém a troco de nada!
–
Sim! Tive uma prosa com o senhor Matias hoje
–
Ah, mas só podia ser! O que aquela raposa queria? A mesma conversa?
– É
a conversa dele, mas não é só isso não, homem
– É
o que então?
– É
o perigo dessa casa, meu amor, você fica fora o dia inteirinho, não percebe o
passo aqui, hoje mesmo eu estava lavando louças e uma cobra enorme apareceu na
janela, quase morri de susto!
– A
cobra veio rastejando do rio até aqui e subiu até a janela
–
Pois, eu nunca tinha visto uma cobra daquele tamanho!
– E o
que fez?
– Dei
um grito enorme e caí pra trás! Derrubei cadeira, mesa, foi tudo! Atirei
desesperada até ela ir embora!
– E
depois?
– Saí
pedalando com a moléstia para a fazenda, desisti no meio do caminho porque com
certeza iam querer tomar essa casa!
– Tu
não me faça isso nunca!
De
noite na cama, Jaqueline ainda pensa na professora, depois de tanto tempo, o marido
faz investidas e ela sempre responde o mesmo;
– Tô
aperriada, homem!
–
Oxê! Tu anda aperriada demais! – o marido virou metendo-se entre as cobertas e
deu-se um jeito de dormir logo
–
Jaqueline demorava a adormecer, preocupada com cobras e onças
De
manhã, na mesma do café, Jaqueline já tinha posto a mesa quando Michael Jackson
acordou meio tonto.
– Tá
aperriada ainda, mulé?
– A
gente tenta que procurar esquecer, né? Mesmo com esses bicho assassino por aí,
vai que some cobra e aparece crocodilo, né?
–
Mas, olha... esses bicho não mata gente não, minha linda...
– Eu
posso tocar num assunto então, Michael Jackson? Você mesmo não perdoa nunca o
senhor Matias pelo que aconteceu, não é?
– É
diferente, mulé! Estava meu pai e outro funcionário dele numa canoa com motor,
uma sucuri entrou na nossa canoa e matou meu pai, o outro saltou e foi todinho
comido pelas piranhas!
– Ô,
meu moreno, que coisa terrível...
–
Esses bicho ataca no rio, não ataca aqui na terra não, senão eu mesmo não ia
construir essa tapera bem aqui do lado do rio!
– Tá
certo...
– Eu
já era nascido, e o senhor Matias não me deu nada! O mínimo que podia fazer é
dar a escritura dessa tapera ou desse tantinho de terra! E faz anos que estamos
esperando.
– E pra
que você que você quer esse pedaço de papel?
–
Porque é meu por direito, ora! Por reparação que seja... se fosse um rolo de
papel higiênico eu faria questão do mesmo jeito!
–
Homem, e tu vai levar essa raiva pra cova? Ninguém dá terra pra ninguém não... por
que tu não aceita a proposta do senhor Matias para ir trabalhar na fazenda e
vamo-nos pra lá? É muito seguro! Deixe de ser cabeça dura, pelo amor!
– E
se fosse o seu pai que tivesse sido deixado para morrer de uma forma horrível
por negligência do senhor Matias?
–
Pois coma, Michael, não deixe esfriar nada não, esse pão fiz com tanto carinho,
olha como está fofinho....
– Tá
miudinha, né Jaqueline?
– É
que você trabalha fora o dia inteiro, e eu vivo com medo dessas peçonhentas,
dessas monstras dentuças!
Após
o almoço, Michael Jackson e seus chegados mais próximos do trabalhos, conversavam;
– Nada? – perguntou Joca.
– Nadinha – disse Michael.
– Você a procura?
– Ôxe, procuro é sempre.
– E ela?
– Diz que está aperriada, ou cansada.
– Muito estranho...
– Já pensou que ela pode ter outro?
– Nunca! Jaqueline é donzela.
– Ela pode ser assim pra você, quem fica com ela
quando você vem trabalhar?
– Ninguém, ora.
– Eu acho que você deveria abrir o olho! – disse
Joca esticando o olho com o dedo indicador, e Michael Jackson levantou-se.
Os
outros todos já tinham voltado do almoço, Michael Jackson ficou sozinho por um
tempo, com um olhar fixo, um olhar de quem se sentia enganado, e cada vez menos
o rosto se movia, e os olhos não se moviam.
Ao
invés de voltar para o trabalho, Michael Jackson seguiu em direção à tapera,
quando chegou por perto da tapera, diminuiu a marcha, Jaqueline estava
almoçando, logo os dois se encontrariam, Jaqueline mantinha a carabina ao lado
da pia, ao dar uma garfada, ouviu os passos, ela congelou-se imediatamente e levantou
da mesa sem fazer barulho, pegou a carabina e prestava muita atenção aos passos
lentos que chegavam perto da porta, apavorada, sentou-se no chão com as costas
apoiadas na geladeira com a carabina apontada para de porta de madeira, pronta
para atirar, assim que ouviu o primeiro passo no assoalho da tapera, começou a
atirar na porta meio aberta para matar a onça sem dúvidas, pegou o cartucho e
descarregou novamente
Os passou cessaram e Jaqueline voltou a respirar, a respiração que estava
presa, o coração desceu de volta para o peito, mal conseguia abrir os olhos,
olhou para o céu, algumas nuvens passando, olhando-as mais e mais de perto elas
corriam mais e mais depressa, dobrou as pernas e apoiou os braços sobre os
joelhos, depois de muito tempo naquele chão e da necessidade de comunicar o
ocorrido a alguém, decidiu se levantar e ligar para o marido.
– Dó
ré mi fa só lá sí dó, estou calma, estou tranquila para ligar, estou bem
tranquila, só estou desesperada... – cai uma lágrima, mas Jaqueline liga mesmo
assim.
Jaqueline ligou para o marido, ouviu o primeiro toque,
o segundo, mas custou a perceber que o celular do marido tocou bem atrás da
porta onde estava a onça que acabara de matar. Não deveria pensar o pior, mas se pensa, o celular ainda chamava, ela deu dois passos;
–
Michael, me atenta! – deu mais dois
passos em direção à porta.
–
Michael, atenta homem! – deu mais dois
passos.
–
Michael, o que está acontecendo? – deu
mais dois passos até ficar rente à porta.
Em um
movimento decidido ela avançou para o outro lado da porta, mas não viu onça, o
que viu foi o marido no chão cravejado de balas. Jaqueline pôs as mãos nas orelhas e foi descendo até os joelhos em um
grito agudo, histérico. Com medo daquela
porta e daquela cena, pulou a janela, pegou a estradinha e pedalou o mais
rápido que pôde, chorava ao invés de transpirar, tão rápido que atrapalhou-se e
caiu na estrada de terra, não foi uma queda bonita, mas ela não se importava,
só queria ficar ali deitada o máximo que podia, não parava de chorar, pelo
marido, por tudo
– Eu
não aguento mais essa vida... agora eu sou uma criminosa também?
Enquanto
isso, outras duas ações aconteciam simultaneamente, o almoço acontecendo na
fazenda com todos participando, inclusive os responsáveis pelo protótipo da
cobra, e uma onça entra na tapera
Depois de um tempo deitada e machucada,
Jaqueline dormiu. Dois policiais que passavam acharam estranho uma mulher
deitada ao lado de uma bicicleta em uma estrada de terra sob o forte calor que
estava fazendo e decidiram parar.
Jaqueline
acordou com o barulho da viatura se aproximando. Perguntaram pela janela do
carro se estava tudo bem com ela, mas não tiveram resposta, desceram da viatura
e foram até ela, falaram e sacudiram o braço, Jaqueline reagiu assustada.
– O
que aconteceu com a senhora? Está com escoriações... dormindo na estrada...
– Eu
só caí da bicicleta, homem, só cochilei um pouco antes de voltar para a fazenda do Senhor Matias.
–
Aconteceu alguma coisa com você lá?
–
Aconteceu nada não.
–
Documentos, por favor.
–
Documento só em casa, moço.
–
Então vamos lá buscar – disse o policial colocando a bicicleta de Jaqueline na
carroceria e a colocando no meio do banco entre os dois policiais.
– Sei
onde tá documento não...
– Então
a senhora vai procurar na delegacia.
–
Arriégua...
– E
então?
–
Bora pra minha casa então, se não há outro jeito!
Chegando
na tapera, os policiais questionaram;
–
Esse lugar também faz parte das terras do Senhor Mattia?
– Meu
marido jura de pé junto que é.
Nesse
meio tempo, a onça que havia entrado na tapera pouco antes já tinha dado cabo
do corpo inteiro de Michael Jackson, deixou só a cabeça, lambeu os beiços e foi
embora, como se nada tivesse acontecido.
– A senhora pode pegar o documento agora?
–
Posso! Vou pegar essa desgraça!
Como
seria muito estranho entrar pela janela, Jaqueline reuniu frieza para passar
pela porta, mas dessa vez o que ela veria seria bem pior...
Os
policiais estranharam a demora, chamaram várias vezes até que decidiram entrar,
viram Jaqueline desmaiada de barriga e cara para baixo, com uma cabeça de homem
decepada. Com a experiência nesse tipo de ocorrência, com um olhar já viram do
que se tratava.
Jaqueline
acordou já no hospital. Sentiu-se
cansada, sentada, comia gelatina, calma.
Uma
enfermeira entra no quarto.
–
Conseguiste contato com meus pais?
–
Eles disseram que não podem vir porque é muito distante
–
Eles disseram que fui eu quem devorei o marido, não foi?
–
Não, Jaqueline! Não disseram uma coisa dessas!
– Não
mesmo, só diriam coisa pior.
A
enfermeira apertou o braço de Jaqueline em solidariedade.
Fox e
Dakota se despediram de Verena e Júlio com um sorriso cordial
No
hospital, a enfermeira pergunta mais uma coisa a Jaqueline;
– Tem
certeza de que quer mesmo fazer isso?
–
Tenho, tenho sim.
O dia
do enterro estava marcado, também havia um cemitério nas terras do Senhor
Mattia, o que ninguém esperava era como Jaqueline apareceu, foi um susto total
que, cada um tentava esconder o seu, Jaqueline apareceu corajosa, triste, mas
corajosa, de cabeça raspada, batom preto e roupas de homem, bota, calça jeans e
camisa, tudo do marido, tentavam, mas ninguém tirava os olhos dela, a única que
a olhava de frente, porque se sentia enfrentada, era dona Grazia, muito
provavelmente porque era de uma época em que era comum ser enfrentada, senhor Mattia fez questão de enviar passagens de avião
para que os pais de Jaqueline comparecerem ao velório do genro, ele tomou
Jaqueline de lado e disse para que conversassem no escritório.
–
Eles não vieram?
Mattia
só balançou a cabeça em negativa.
Jaqueline
apenas baixou a cabeça em um movimento reto.
– Não
me diga que você pretende ficar naquela tapera...
–
Claro que não! Aquilo não é vida.
– E o
que pretende fazer?
– Vou
me embora daqui, quero ir morar na cidade, senhor Matias.
–
Quer ir começar uma vida nova em Campo Grande?
–
Não, eu quero é ir pra São Paulo mesmo, tive pensando que lá é lugar pra mim.
– São
Paulo, Jaqueline?
Mattia franzia a testa e não sabia o que dizer diante a "certas coisas" que Jaqueline dizia ás vezes.
– E eu preciso de uma ajuda do senhor para me ir para lá, me arranjar num lugar até conseguir trabalho, não sei se Michael Jackson ou o pai dele tinha alguma coisa a receber... Michael nunca disse...
– Legalmente eles não tem nada, Jaqueline, mas na minha consciência, eles tem sim.
Para senhor Mattia, cheques ainda existem e ele estava preenchendo um para Jaqueline, entregou o cheque à ela e disse;
– Isso é o suficiente para você não passar necessidades em São Paulo.
Jaqueline pegou o cheque, olhou o valor, olhou para o senhor Mattia e fez uma expressão de quem não sabia que ganhou.
– Não sei o que dizer para o senhor...
– Ora, não precisa dizer nada.
Mesmo assim ela deu a volta na mesa e deu-lhe um forte abraço que até rendeu lágrimas.
Mattia e Jaqueline foram os últimos a chegar no enterro, ela chegou e ficou bem do lado do marido.
– Por que não pediu um caixão aberto para ver seu marido pela última vez, Jaqueline? – Provocou Fox.
– Para velar uma bola de boliche? Peça para abrir você, se quiser ver.
A tapera começou a queimar pela cobertura, começou a queimar pelas quatro estruturas, cada uma delas foi queimando de cima para baixo, tanto as madeiras tanto o que as preenchiam, queimaram por completo até calço e todo o material queimado se reduziu à entulho; um lindo crepúsculo, uma linda lua e um lindo amanhecer depois, como acontece em todos os dias naquele lugar; veio um caminhãozinho recolher o entulho, o calço ficou, mas os operários tinham ordens de terminar o serviço naquele dia, deu trabalho, mas o fizeram, araram o chão, ninguém mais moraria ali, a tapera foi ocultada, e desaparecida com a noite.
v
Você vai aprendendo, aprendendo, aprendendo, aprendendo, e a medida que você vai aprendendo, você vai morrendo
- Hoje estive assistindo um jogo de futebol com meu pai, o que tem acontecido com estranha frequência, jogavam Flamengo e Palmeiras no Rio de Janeiro, meu pai disse que um jogador do Palmeiras já tinha jogado pelo Flamengo e os ex companheiros faziam chacota quando ele errava, "Faz parte esse tipo de coisa, eles precisam jogar seja lá onde for, o futebol em alto nível é uma profissão...", meu pai disse; eu olhava para a TV e eu não me identificava com absolutamente nada do que se passava naquela televisão, porque aquilo representava a grande decepção que eu causei para ele
- Eu fiquei no mínimo triste quando o Alexander Sverev declarou que "O tênis é um negócio", e o pensamento não deveria ser esse, pois só existe o dinheiro porque existe o esporte, ou seja, você pratica um esporte que você ama e, por acaso, a premiação dos torneios é muito alta e os melhores jogadores ficam ricos; mesmo sem amor, Zverev é o número três do mundo, mas não é famoso por isso, e sim pela cultura do ódio, a cultura de destruir reputações nas redes sociais, Zverev sempre será lembrado por causa de duas mulheres que alegam ter sido agredidas por ele; quando ele foi vice campeão do Australian Open, ao receber seu troféu, junto com o campeão (Um momento que todos os amantes do tênis estavam aguardando), feministas levantaram cartazes e gritaram palavras de ordem, um dos cartazes dizia "A Austrália não vai esquecer!", eu gosto do tenista Zverev, a pessoa Zverev, cabe a justiça resolver, quem você pensa que é para condenar?
- Lembro que certa vez, no meu trabalho, disse que eu pretendia dar um livro da Simone Beauvoir de presente no dia das mães, o garoto adolescente evangélico rebateu
- Mas essa mulher foi acusada de pedofilia!
- Preferi deixá-lo falando sozinho
- Eu acho que não deviam regulamentar nada, deviam cortar os dedos; porém eu me safei de ter os dedos ou uma mão mutilada, tem um adolescente do Mato Grosso na área, conversei muito com ele e furei dois encontros, ele não reagiu bem, depois começou a mostrar seus feitos com fotos em miniatura, todas elas em miniatura, passariam desaparecidas por grande parte, mas para mim não passou, e se eu tivesse ido? O que terá acontecido comigo? Bem que psiquiatra disse "Esses aplicativos estão cheios de psicopatas...", e agora eu mesmo conheço um? Meu melhor amigo não deu a mínima sobre, queria saber dele se devo ir à polícia, mas só se importa quando é para ir ao motel, eu já vi dois casos, devo esperar o terceiro?
- Tive uma breve elucidação sobre o sonho; e tive a conclusão que ele é nada mais que um vício; você sonha, sonha, e ao invés de você possuir o sonho, ele é que possui você, a maioria das pessoas não percebe que ele (ou eles) é um vício e que devemos nos livrar deles, do café, do cigarro, do açúcar, da beleza, do sexo, das drogas recreativas e do monte de roupas que você compra e que você acha o máximo, mas ninguém está nem aí para as suas roupas; então, o que há de distração na Terra? Ser gentil, talvez; eu sou o suicida da família e nós sempre somos os últimos a morrer, é sempre assim, quem vai cuidar dos meus pais quando eles estiverem muito velhinhos? Eu, claro, não é possível esperar nada da cobra da minha irmã, se ela tem amnésia seletiva, eu não tenho, eu não esqueci das coisas horríveis que ela fez na nossa infância, eu não esqueci das coisas horríveis que ela fez na nossa infância e principalmente disse na nossa adolescência, eu não esqueci e nunca vou esquecer; quando estiverem todos mortos, os velhinhos e os jovenzinhos, aí sim, calmamente, de forma lúcida, eu vou poder pensar na minha vez de morrer, talvez antes, eu comece a devorar a pilha de livros que comprei e nunca consegui lhe, a pilha está cheia de clássicos, e é uma pena que vou ter tanto tempo para usufruir dessa sabedoria
- Voltando à esses tempos, será que vamos mesmo ultrapassar a famosa barreira dos 1,5º ? É claro que vamos
- Outro esteve aqui nessa manhã, pode ser fácil esconder sangue, mas esconder esperma é difícil...
- Ele voltou com raiva, deu bronca sobre a sujeira da comida enquanto eu ainda a estava a preparando, não sei se ele de fato se acha burro, mas desagradável é, e ações assim, diminuem meu espaço, e não é espaço físico na casa, essas atitudes fazem com que as paredes diminuam e se aproximam de mim, e assim elas vão diminuindo minha respiração bem aos poucos, sentir vale tanto o quanto saber, se eu pudesse apostar, além de me divertir, apostar para ganhar, eu afirmaria que tem câmeras na casa, pelo menos duas, já que é melhor que o filho louco não tenha privacidade alguma, o mesmo que ele dirige a palavra quando se sente tão só, tenta ser gentil mesmo sem saber ser gentil, nem gentileza, e nem empatia, persegue pessoas que, ofende pessoas que ele deveria proteger, e nem poderia, pois suas sete décadas e meia de vida já começaram a deteriorar sua lucidez, o que é um perigo, não uma fragilidade, não sou eu que tem histórico de matar animais e nem de atacar pessoas com facões; quando se recorda que o fato da minha homossexualidade o incomoda demais a ponto de nem me dirigir a palavra,
e se diverte reclamando de mim para a minha mãe o tempo inteiro,
instala um rastreador no celular da minha mãe sem o consentimento dela (o que é
ilegal nessa república), inferniza a vida dela a acusando de uma traição que ele
inventou, (sim, ele inventa coisas e as torna em verdade absoluta), rastreia a minha mãe ilegalmente, a acusa sem uma
única prova, diz que a "união" está por um fio, mas nunca esteve,
pois naqueles tempos obscuros, o que se assinava era um "acordo de
posse", e o certo era os dois se aturarem para sempre, mas em qualquer
tempo, quase a totalidade das pessoas não compreendia o que a coisa é, o
casamento não é um contrato, é uma celebração e, se a sua está por um fio faço
votos para que quebre logo, minha mãe merece coisa melhor, é muito mais bonita
que uma mulher da idade dela, é comunicativa, agradável, ainda fala coisa com
coisa, e meu pai é o Quincas Borda, ele que se dane com a bipolaridade, demência
ou sei lá com o que o ataca; As pessoas terminam sozinhas, divorciadas, sem
filhos nem sobrinhas porque “cada um tem o que merece”
- Minha mãe chega do trabalho, nunca me
cumprimenta na vez dela, vou a cozinha mesmo sabendo que não é a minha vez, não
posso pedir o mínimo para ela, senão ela diz que preciso parar de pedir coisas,
o diz como Silas Malafaia, e então cai um teto da sala sobre o meu fêmur, e
então ela ajuda a aplicar água oxigenada na ferida do pescoço da gata
- Minha mãe chega do trabalho, nunca me
cumprimenta na vez dela, vou a cozinha mesmo sabendo que não é a minha vez, não
posso pedir o mínimo para ela, senão ela diz que preciso parar de pedir coisas,
o diz como Silas Malafaia, e então cai um teto da sala sobre o meu fêmur, e
então ela ajuda a aplicar água oxigenada na ferida do pescoço da gata
xoxo









