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- Preciso de dinheiro para comprar dinheiro;
posso comprar tantas roupas que até me conforta o instante, mas eu não posso
comprar um ser humano, ter a estima dele, faze-lo feliz, que ele me faça feliz,
não posso comprar juventude, nem a morte
- Agora tudo acabou de novo, sou a criança velha
de maus hábitos de novo, que não prospera e não evita envelhecer, como se eu
pudesse controlar essas curvas; hoje, acordar e fazer qualquer som ou ruído me
faz sentir culpa apenas por existir, é pior quando eu ouço o som das latas se
abrindo, e o quanto elas se abrem, e o que elas fazem, somem aquele que aceita,
que não vê mal nenhum, para aquele que me ignora, que tem sim vergonha, e é por
isso que eu tento tanto forçar uma masculinidade contra a parede quando
conversamos, é elevar além de praticar a tolice; é sempre melhor criar do que
continuar
v
- Em um suspiro de uma vida, imaginando/sonhando numa vida impossível, naquela casa grande e linda que não existe mais, minha irmã estaria na Alemanha fazendo sei lá o que, meus pais me deixariam uma empresa para cuidar, mas eu só ia lá um vez por semana e eu não passava nem duas horas lá, e certo dia, um dos funcionários da minha casa queria me desenferrujar, mas viu que minhas peças não estavam enferrujadas, elas estavam quebradas
- Em um auspício de vida, vou ficar sozinho em casa novamente, não vou fazer a bagunça de Macaulay Culkin queria que fosse, mas eu vou puxar a corda de novo, trazendo um garoto qualquer para cá, o sexo fica melhor com uma ajudinha, não? Mas é sempre para os outros, nunca é para mim, você já jogou vôlei? Quando você disputa uma bola na rede, primeiro você espera o seu adversário fazer força, só depois você faz força, sempre dá certo, meu pai vai visitar um irmão com má saúde em Curitiba e minha mãe tentará vender um apartamento de sete milhões
v
Ao amanhecer, em um cenário minimalista, em frente a uma casa de madeira e barro, próxima a um rio largo, limpo, vivo e extenso que brilhava, o homem sai para trabalhar, a mulher lhe entrega o almoço.
- Fica com deus, mulher.
- Vá com deus!
O homem sai andando pelo caminho decorado
A mulher, que gosta de cantar, entra na casa cantarolando;
- Vá com deus! O amor não está aqui... vá-com-deus!
Na ampla janela em frente à pia de lavar louças, brilha Jaqueline Jarilane Jucilene de Jesus, morena, nem negra, nem branca, longos cabelos ondulados, mas não crespos, vestido singelo, de alça fina, era meio amarelo, talvez, ao lavar louças, começa a cantar um forró com letra bem pornográfica, do jeito que ela gosta;
Ê boceta do Satanás
Ê boceta do Satã
Vem boceta do Satanás
Vem boceta do Satã
Vem boceta do Satanás
Vêm boceta do Satã
Só na boceta
Só na boceta do Satã
Só na boceta
Só na boceta
Só na boceta
Mas vai ser só na boceta do Satanás
Vem boceta do Satã
Vem boceta do Satanás
Vem boceta do Satanaaaaaaaiiiiiiii!!!!!
Jaqueline deu um berro ao ver um homem louro pela sua janela, e o olhando para ela e a casa um tanto curioso
- Quer me matar de susto? – vai me matar é de vergonha, com certeza me ouviu cantar essa música (brotou um balãozinho sobre Jaqueline)
Logo apareceu junto uma mulher branca, mas não era loura, ambos eram do censo; A mulher é que começou a abordagem
- Bom dia! Nós somos do censo, a senhora se incomodaria em responder algumas perguntas? É muito importante a sua participação
O rosto vermelho, vermelhinho de Jaqueline já chamava atenção
- Posso responder sim, pois se entrem!
Jaqueline os acomodaram na mesa da cozinha
- Esse cafezinho está novo, novinho aqui na térmica, faço questão de servir
Os dois funcionários se olharam em sinal de recusa, mas permaneceram calados
Jaqueline pegou três xícaras e serviu
- Qual a espécie do domicílio ocupado?
- Sei não
- Qual é o tipo de residência?
- É a essa casa aqui mesmo
- A senhora faz uso de bebida alcoólica?
- De vez em quando né? Senão ninguém aguenta
- Quantas pessoas moram nesse domicílio?
- É de sequilho?
- Quantas pessoas moram nessa casa?
- Ah, sim, mora eu e o meu marido
- Pode dizer o nome completo de vocês dois?
- Jaqueline Jarilane Jucilene de Jesus e meu marido é Michael Jackson de Jesus
- A senhora já sofreu alguma violência doméstica?
- Sofri não senhora! Pois ele que se atreva! Aquele magrelo desgraçado, pois eu derrubo essa casa em cima da cabeça dele, xibungo desgraçado... violência mesmo eu já sofri de porco gordo, num sabe? E nem é daqui! Pois eu não tava cuidando de estender uma roupa e aquele monstro veio correndo e me bateu bem nas pernas? E foi! Me derrubou que nem um pino de boliche, tive que pedir ajuda a fazenda próxima aí, quebrei o braço na queda! E foi! Eles que me levaram na cidade pra engessar, pois eu fiz pedido especial para o dono da fazenda, quando matarem esse porco, eu queria ser a primeira a comer da carne!
Depois que foi verificado que a dona daquela casa não estava alcoolizada e nem tinha sofrido violência conjugal, apenas violência animal, que apenas era muito "falastrona", e talvez tinha "probleminhas", terminaram as perguntas mandatórias
Jaqueline os acompanhou até seu rumo e foi inevitável para os agentes comentar sobre a beleza do rio que ficava a menos de cem metros de sua casa
- Nossa, que belo esse rio tão próximo a sua casa, dona Jaqueline! – disse a mulher do censo
- Tem é cobra nessa desgraça!
A mulher do censo até tropeçou
- Bom, então é melhor pegarmos logo o carro para voltar para a estrada, temos muitas casas para visitar hoje – disse o homem do censo
Os dois agentes fizeram um sorriso apressado e amarelado
- Ah, pois eu gostei muito! Venham mais vezes
O carro foi embora com pressa levantando poeira
Já na estrada os agentes falavam sobre a entrevistada;
- Aquela mulher não é normal – ele disse
- Ah, você notou mesmo? Além de demonstrar estar fora da realidade várias vezes, ela fala sobre violência e morte com uma banalidade... não percebeu?
- Olha, psiquiatria não é meu forte, mas aquela música que ela estava cantando quando chegamos, é música que gente doida canta na rua
- Que música?
- A da boceta
- Da boceta?
- Mas olha... nem perguntaram da minha água... antes de trazerem essa sisterna e o caminhão d'água começou a passar toda semana, passei o diabo para pegar água nesse rio, com medo de cobra, com medo de onça, chegava na beira com a lata na cabeça, correndo na ponta dos pés, veja só, correndo na ponta dos pés!! Enchia aquela lata com tanto cuidado, nem respirar eu respirava
Sem que Jaqueline percebesse, passava pelo rio, numa canoa, dois filhos de um fazendeiro;
- Olha lá a Jaqueline falando sozinha de novo!
- Filma! Filma!
Depois que eu enchia a lata, até tremendo, aí eu disparava feito uma ladra! Podia até ter ido para as olimpíadas! - levantou o indicador com a soberba
Jaqueline voltou para casa porque tinha coisas a fazer
Pôs-se em frente ao tanquinho e começou a lavar as roupas dela e do marido
Cantava
“Sabããão pedacinho assim
Olha a água um pinguinho assim
Do tanque um tanquinho assim
A roupa um tantão assim
Ensaboa mulata, ensaboa
Ensaboa, tô ensaboando
Eu não tenho nada
Tristeza não tem fim
A felicidade sim”
Ao que Jaqueline vira para o varal para estender as roupas, deixa a bacia cair no chão e dá um grito, vê uma onça caminhando pela borda do rio
Jaqueline abandonou roupa, tanquinho, torneira aberta e, correndo com a ponta dos pés se enfurnou dentro de casa, fechou janelas e portas, mesmo sabendo que, uma onça a derrubaria toda se assim o quisesse
Jaqueline abriu uma fresta da janela do quarto para a espionagem, olhava muito atenta
Outra onça menor vinha logo atrás, parecia ser a cria
- Jesus gato! Agora são duas... isso é lugar?
A onça decidiu beber água do rio
Assim a onça começou a dar os primeiros goles, surgiu uma sucuri do rio e os dois animais travaram uma luta, que foi breve, pois a onça conseguia se esquivar dos ataques da cobra com sua rapidez; a cobra, com uma só mordida da onça, virou caça
Jaqueline acompanhou a cena embasbacada, fechou a janela
- Será que eles brigam só entre eles? E se vierem aqui para casa? Uma onça dessa me devora inteira, só sobra cabeça... e essas cobras? Vivem só no rio ou rastejam na terra também? Se uma dessas aparece aqui, eu nem vou ter uma morte horrível, vou morrer só de susto
Enquanto isso, na casa do fazendeiro
Dois funcionários responsáveis pela viabilidade da criatura, dão dados novos aos filhos;
- Acabamos de ter mais um embate entre uma onça e uma sucuri – diz Verena
- E o que aconteceu? – diz Fox
- A onça levou a melhor mais uma vez
- Que merda! Não é possível! Essas onças velhas, cansadas... - diz Dakota, o outro filho
- É pouco provável dar notícias melhores, uma onça velha, é sempre uma onça – diz Verena
- Precisamos ter uma conversa com o seu pai - disse Júlio, o outro funcionário
- Sobre a Jaqueline? – diz Dakota
- Sim
- Há! Meu pai está lá no meio do mato feito a Madre Teresa de Corumbá!
Jaqueline passou o resto do dia aflita, não fez mais nada, ficou sentada no chão da cozinha segurando a carabina, recuperando energias, ouviu passos regulares se aproximando da porta tentando abrir a maçaneta, Jaqueline fazia a carabina tremer, perguntou com medo;
- Quem é?
- Ora! Como assim quem é, mulher?
Jaqueline levantou com pressa e abriu a porta para o marido, abraçou-o
- O que é que e foi? Você nunca me recebe assim...
- Passei o dia todinho com medo!
- Medo de quê?
- Pois eu estava lavando a roupa e quando me virei, vi duas onças a passeio na borda do rio, veja só!
- E ficou apavorada por isso?
- O pior veio depois! Me enfiei dentro de casa e fiquei espiando pela janela do quarto com esse olho! Com esse olho! De repente não é que apareceu uma sucuri para dar o bote na onça? Homem, pensa numa briga feia! A onça não conseguiu dar o bote na sucuri no dente?
- Ô, minha flor, esses bicho selvagem não atacam gente não...
- Ah, atacam sim! Que eu já vi nessas internet aí
- É tudo mentira o que tem nessas internet... e passou o dia só nessa agonia?
- Pois... de manhã veio o pessoal do incenso
aqui
- Estou com uma fome... não fez a comida?
- Pois eu faço agora, como é que eu ia fazer
comida apavorada? Aproveite e tome seu banho enquanto isso
Enquanto isso, na casa do fazendeiro
- Vamos começar? Todos concordam? – diz
Fox
- Verena? – Pergunta Dakota
- Bom, o casco é bem resistente, suporta ataque
de outros animais, pode se locomover a qualquer profundidade deste rio, foi
desenvolvido por IA, se locomove por água e por terra, é monitorado por
humanos, mas IA traz informações úteis em tempo real – disse Júlio
Todos batem palma
De noite na cama, Michael Jackson tenta encostar
na mulher, mas nota que ela já ronca
Brota um balãozinho da cabeça de Jaqueline;
- Ainda bem que eu aprendi a roncar
Raiando o dia, Jaqueline apronta o almoço do
marido e ainda prepara o café da manhã. O marido chega à cozinha desmazelado
- Não se aprontou ainda, homem?
- Depois do café
- Não está comendo por que, Jaqueline?
- Essa hora tenho fome não, homem
Jaqueline e Michael Jackson sob aquele belo amanhecer,
dão um brevíssimo beijo e desejam bom trabalho um para o outro;
Jaqueline volta para casa com pressa, já que
agora ela sempre tem pressa, sequer tirou a mesa do café, e começou a pesquisar
no celular sobre ataques de sucuri e ataques de onças à seres humanos
- Tem alguns vídeos de ataques de sucuri em
gente, mas o momento do ataque está cortado em todos eles, deve ser uma
coisinha bem da horrível de se ver mesmo... eu não vou ver os vídeos dos
ataques das onças agora porque tenho coisa melhor pra fazer
Jaqueline subiu na bicicleta com sua sacola de
pano e rumou para a casa do fazendeiro, eram cerca de dez minutos de carro,
Jaqueline fazia em vinte e cinto de bicicleta, porém ela já estava acostumada a
pedalar rápido
O som das rodas gastas da bicicleta de Jaqueline
aborrecia toda a casa, aborrece mais ainda o fato de ela chegar sempre na hora
do café da manhã naquele dia da semana
Jaqueline vai se entrando sem anúncio, sem ser
convidada, ultrapassando os cômodos, sorridente, diz;
- Bom dia, meu povo! – em um tom de voz alto que
irrita a todos
Ela chega até a sala de jantar e já se posiciona
ao lado do dono da casa
- Que bom lhe ver, senhor Matias!
Ele nem se incomoda mais
- É Mattia, Jaqueline, não Matias
Ela nem mexe o rosto, como se aquilo fosse tão
insignificante
Comenta sobre a comida;
- Olhe, aquele queijinho é tão bom... mas
Michael Jackson ganha tão pouco, coitado...nunca
pode comprar
- Sente-se, Jaqueline, tome o café conosco – disse
o dono da casa
- Oxê, pois é pra já! - Jaqueline tomou a
primeira cadeira vazia que viu, na fileira à direita do dono da casa
Brota um balãozinho sob a cabeça de Dakota
"Puta que o pariu! Acho que deviam ser mantidas na mesa só as cadeiras das
pessoas que moram aqui!"
Jaqueline rapidamente foi se achegando, bem
feliz; a empregada, Gessyjane, se aproximou
- Vou lhe servir o café, dona Jaqueline
- Pois eu mesma me sirvo, mulher! O café já não
está aí na mesa?
- Tudo bem, se precisar é só chamar
Jaqueline serviu-se com quase metade do
"queijinho especial", banhou-o com a geleia de amora importada, comia
o pedaço enorme de uma vez ao invés de fraciona-lo, a geleia que escapava do
queijo na toalha, ela pegava com o dedo e comia, a cada engolida, fazia "Hummm",
brotou um balãozinho "Nojenta, idiota"
sobre a cabeça de dona Grazia, uma senhora de bastante idade, cabelo
branquinho, branquinho, mãe de Mattia
Jaqueline não parou, pegou um pedaço bem grosso
do pão de brioche e o lambuzou com a manteiga de primeira qualidade, todos
olhavam o celular para fingir que não estavam incomodados, mas não puderam
disfarçar em perceber quando ela pegou o grande pote de doce de leite de
primeira qualidade já aberto e tomou para si, quase no mesmo movimento pegou
uma colher e começou a comer o doce como se ele fosse individual
Todos pararam de comer
A empregada ficou atrás de Jaqueline a dois
metros de distância
Quando o dono da casa termina de comer, o café
se dá por encerrado, todos se levantam
com certa pressa de se livrar do ambiente, o
fazendeiro recebe Jaqueline em seu escritório;
- Como estão as coisas na tapera?
- Tá é do mesmo jeito
- Ruins?
- Ruim! Ruim, sim senhor!
- As onças pararam de aparecer?
- Pior! Agora tá aparecendo cobra também
- Eu já disse para você e seu marido virem
trabalhar aqui, por que não vem de uma vez?
- Vixe, Michael Jackson é orgulhoso feito o
diabo
- Vocês já estão em terras minhas, qual a
diferença?
- Ele acha que aquelas terras não tem dono
- Só porque o pai dele morreu no rio quando
trabalhava pra mim?
- Olhe, eu não tenho nada que ver com essas
desgraça do passado, só sei que aquela tapera é a miséria! E ainda por cima ter
de receber visita de onça, de cobra de rio quase na minha frente! Qualquer dia
vou cair numa situação daquela!
- Então fale com ele, Jaqueline, fale com jeito
- Posso tentar, Senhor Matias, vou aqui me
bolando algo pra falar, mas o homem é teimoso, viu? Parece uma cobra venenosa
- Tente filhos! E quando vocês tiverem filhos?
Aquela tapera não é lugar pra crianças pequenas
- Pois se não é nem pra mim!
Antes de ir embora, Jaqueline deu a corriqueira
passada na dispensa com a empregada
- Quero brioche, essa manteiga, essa geleia,
esse doce, não tem aquele queijinho especial pra eu levar, mulé?
- Claro que tem! O senhor Mattia sabia que você
vinha e mandou separar um para você
- Ah, mas é a pura bondade, veja só...
- Sim, ele é! Ele mandou separar esse pedaço de
carne salgada e este pote de comprimidos
- O que é isso?
- São vitaminas para repor o que o corpo não
pôde ingerir, é um frasco para você e outro para o Michael Jackson
As duas voltam para a sala de jantar onde
Jaqueline tomava o rumo de casa
- Ué, todos já se foram?
- Sim, começam a trabalhar cedo
- Pois deixe meus cumprimentos, mulher
E deu-lhe um abraço apertado que incomodou a
empresa
Ouviu-se a bicicleta barulhenta de Jaqueline
indo embora e assim todos puderam respirar novamente
- Pensei que não ia embora nunca! - Disse Dakota
- Dona Grazia pegou o pote de doce de leite onde
Jaqueline comeu e com pressa despejou tudinho no lixo, enquanto dizia;
- Isso não serve nem para os gatos!
- Verena, o protótipo está pra ser usado? –
disse Dakota
- Sim... ele foi testado de madrugada, navega
perfeitamente no fundo e no raso, não incomoda as outras cobras, elas são
indiferentes à ele
Jaqueline se aproximava de sua casa, mas a
feição que saiu tão feliz da casa do fazendeiro, mostrava uma certa agonia ao
chegar na tapera
Desceu com a sacola, deixou a bicicleta cair no
chão, e não reconhecia aquela pequena imagem de santo sobre a porta, percebia
que era culpa dele por ela estar onde estava, com quem estava
Pegou um retrato guardado, um cigarro
escondido, e foi para fora com uma cadeira Primeiro, fumou o cigarro calmamente
e, enquanto fumava, lembrava das agruras da vida
Pegou a fotografia, e pegava com frequência, ela
dez anos mais jovem, aos quinze, e a professora, dez anos mais velha aos vinte
e cinco, aos olhos de Jaqueline, era a pessoa mais bonita que já tinha visto, a
escola era ruim, não havia aula quando chovia, quando havia, e aquela
professora falava com ela, mal sabia o que falar, queria continuar perto dela,
o cheiro era também calmante, nenhum dos meninos lhe interessava, talvez nem as
meninas, uma vez fomos a escola e a professora não estava lá, apareceu uma
pessoa da secretaria da educação para informar que a professora não viria mais,
disse que as condições eram muito ruins lá, e deveriam ser mesmo, porque as
condições do mundo são ruins, tanto que nunca mais apareceu outra professora
lá, tinha outra escola em um lugar muito mais longe
- Eu não vou
- Como vai ser alguém na vida, menina? – disse o
pai
- Eu já sou alguém na vida! Eu não existo, não?
- Sem estudo não se é ninguém, coisa nenhuma!
- Então eu vou casar, logo!
- Assim tão nova?
- É!
Voltando a hoje, a esse fumo, a essa porta, com
esse retrato,
- É errado mulé sentir essas coisas por outra
mulé, né? Pois se a professora quisesse me levar com ela, eu iria, sem avisar
pra ninguém, meu passado que se explodisse!
Olhou para trás, para o santo, levantou, foi até
ele e o vandalizou, apagou, rasgou, amassou, tirou tudo! Enterrou tudo! Olhou
pra terra e disse: não é por sua culpa que as pessoas tem que viver do jeito
que não querem?
Jaqueline pegou da bicicleta a sacola que trouxe
da fazenda
- Ô, senhor Matias, sempre tão bom...
Entrou na casa para guardar as coisas, com gana
de raspar a cabeça
Guardou tudo na geladeira
Pôs-se a lavar louças
Saiu do rio uma imensa cobra, por ser artificial
os outros animais não se incomodaram
Na fazenda, Verena, Lúcio, Fox e Dakota
assistiam toda a situação com a ajuda de um drone
A cobra chegou à janela de Jaqueline e se inclinou
a ponto de ficar maior que ela
Jaqueline deu um grito como se fosse suficiente
para matar a cobra
Recuou, derrubou mesa e cadeiras
Pegou a carabina e mirou na cobra, que recuou
rapidamente, Jaqueline atirou de desespero até a cobra entrar no volta no rio
Jaqueline subiu na bicicleta em direção à
fazenda em busca de ajuda e parou no meio do caminho
Parou cansada, esbaforida, transpirando,
- Posso não... é o que precisam para tirar eu e
Michael Jackson da nossa casa, precisa enfrentar, pelo menos até ter outro
lugar pra ir... ou eu é que preciso, meu deus!
Jaqueline pedalou de volta para a tapera o mais
rápido que pôde, um pouco transtornada, com duas lágrimas secas pelo calor
Chegou em casa, teve de tomar um banho
- Os quatro espiões, Verena, Lúcio, Fox e
Dakota, passavam mal de rir
- Vocês viram o susto que ela levou com cobra? –
disse Fox
Verena começava a torcer os lábios
- Saiu de bicicleta que nem uma bala, parou e
voltou para casa, alguém duvida que essa mulher tem probleminha? – disse Dakota
Michael Jackson chegou em casa no mesmo horário
de sempre
Chegou e viu a mulher em frente ao fogão e o
cheiro da comida quente e fresca
Deu um abraço na mulher por trás e disse
- Que comida cheirosa! E você está cheirosa
também! Já banhou?
- Já
- Por quê?
- Tive que dar duas carreira de bicicleta até a
fazenda
- Já pedi quantas vezes pra você não ir na casa
daquele demônio? Agora você chega banhada de lá?
- Banhei aqui, Michael! Olha na geladeira as
coisas que trouxe de lá, sabe o que aconteceu depois? Uma cobra, cobra
gigantesca apareceu aqui na nossa janela!
- E o que fez?
- Dei um grito enorme e caí pra trás! Derrubei
cadeira, mesa, foi tudo! Atirei desesperada até ela ir embora!
- E depois?
- Saí pedalando com a moléstia para a fazendo,
desisti no meio do caminho porque com certeza iam querer tomar essa casa!
- Tu não me faça isso nunca!
De noite da cama, Jaqueline ainda pensa na
professora, o marido faz investidas e ela sempre responde o mesmo
- Tô aperriada, homem!
- Oxê! Tu anda aperriada demais! – o marido
virou metendo-se entre as cobertas e deu-se um jeito de dormir logo
- Jaqueline demorava a adormecer, pensando em
cobras e onças
De manhã, na mesma do café, Jaqueline já tinha
posto a mesa quando Michael Jackson acordou meio tonto.
- Tá aperriada ainda, mulé?
- A gente tem que procurar esquecer, né? Mesmo
com esses bicho assassino por aí
- Mas, olha... esses bicho não mata gente não,
minha linda...
- Eu posso tocar num assunto então, Michael
Jackson? Você mesmo não perdoa nunca o senhor Matias pelo que aconteceu, não é?
- É diferente, mulé! Estava meu pai e outro
funcionário dele numa canoa com motor, uma sucuri entrou na nossa canoa e matou
meu pai, o outro saltou e foi consumido por piranhas!
- Ô, meu moreno, que coisa horrível...
- Esses bicho ataca no rio, mas não aqui na
terra, senão eu mesmo não ia querer construir essa tapera!
- Tá certo...
- Eu já era nascido, e o senhor Matias não me
deu nada! O mínimo que podia fazer é dar a escritura dessa tapera, e faz anos
que estamos esperando
- E para que você que você quer esse pedaço de
papel?
- Porque é meu, ora! Se fosse um rolo de papel
higiênico eu faria questão do mesmo jeito!
- Homem, essa raiva vai durar pra sempre? Vai
levar isso para cova? Por que tu não aceita a proposta do senhor Matias para ir
trabalhar na fazenda e vamo-nos nós dois para lá? É muito seguro! Deixe de ser
cabeça dura, pelo amor!
- E se fosse o seu pai que tivesse sido deixado
para morrer de uma forma horrível por negligência do senhor Matias?
- Pois coma, Michael, não deixe esfriar nada
não, esse pão fiz com tanto carinho, olha como está fofinho....
- Tá miudinha, né Jaqueline?
- É que você trabalha fora o dia inteiro, e eu
vivo com medo dessas peçonhentas, dessas monstras dentuças!
Após o almoço, os trabalhadores nos empregadores
conversavam
- Nada? – perguntou Joca
- Nadinha – disse Michael
- Você a procura?
- Sempre
- E ela?
- Diz que está aperriada, ou cansada
- Muito estranho
- Já pensou que ela pode ter outro?
- Nunca! Jaqueline é donzela
- Pode ser para você
- Quem fica com ela quando você vem trabalhar?
- Ninguém, ora
- Eu acho que você deveria abrir os olhos! –
disse e Michael levantou-se
Michael Jackson ficou sozinho por um tempo, com
um olhar fixo, um olhar de quem estava sendo enganado, e cada vez menos o rosto
se movia
Ao invés de voltar para o trabalho, Michael
Jackson seguiu em direção da tapera, empunhava pela tapera, Jaqueline estava
almoçando, logo os dois se encontrariam, Jaqueline mantinha a carabina ao lado
da pia, ao dar uma garfada, ouviu passos, ela congelou-se imediatamente e levantou
da mesa sem fazer barulho, pegou a carabina e prestava muita atenção aos passos
lentos que chegavam perto da porta, assim que ouviu o primeiro passo no
assoalho da tapera, começou a atirar na porta meio aberta para matar a onça sem
dúvidas, pegou o cartucho e descarregou novamente
Jaqueline pôs a mão no peito e respirou fundo,
nem conseguia abrir os olhos, respirava fundo e suspirava ao mesmo tempo, era o
perigo que acabara de passar, e como precisou de uma força que tinha para
escapar, olhou para o céu, algumas nuvens passando, dobrou as pernas e apoiou
os braços sobre os joelhos, depois de muito tempo naquele chão e da necessidade
de comunicar o ocorrido a alguém, decidiu se levantar e ligar para o marido
- Dó ré mi fa só lá sí dó, estou calma para
ligar...
Jaqueline ligou para o marido, mas o celular
dele tocou bem atrás da porta onde estava a onça que acabara de matar
Não deveria pensar o pior, mas se pensa
O celular ainda chamava, ela deu dois passos
- Michael, me atenta!
Deu mais dois passos em direção à porta
- Michael, atenta homem!
Deu mais dois passos
- Michael, o que está acontecendo?
Deu mais dois passos até ficar rente à porta
Em um movimento decidido ela avançou para o
outro lado da porta, mas não viu onça, o que viu foi o marido no chão cravejado
de balas
Jaqueline pôs as mãos nas orelhas e foi descendo
até os joelhos em um grito agudo e histérico
Com medo daquela porta e daquela cena, pulou a
janela, pegou a estradinha e pedalou o mais rápido que pôde, chorava ao invés
de transpirar, tão rápido que atrapalhou-se e caiu na estrada de terra, não foi
uma queda bonita, mas ela não se importava, só queria ficar ali deitada o
máximo que podia, não parava de chorar, pelo marido, por tudo
- Eu não aguento mais essa vida... agora eu sou
uma criminosa também?
Enquanto isso, outras duas ações aconteciam
simultaneamente, o almoço acontecendo na fazenda com todos participando,
inclusive os responsáveis pelo protótipo da cobra, e uma onça entra na tapera
Depois de um tempo deitada e machucada,
Jaqueline dormiu; dois policiais que passavam acharam estranho uma mulher
deitada ao lado de uma bicicleta em uma estrada de terra eu forte calor que
estava fazendo, decidiram parar;
Jaqueline acordou com o barulho da viatura se aproximando
Perguntaram pela janela do carro se estava tudo
bem com ela, mas não tiveram resposta Desceram da viatura e foram até ela,
falaram e sacudiram o braço, Jaqueline reagiu assustada
- O que aconteceu com a senhora? Está com
escoriações... dormindo na estrada...
- Eu só caí da bicicleta, homem, só cochilei um
pouco antes de voltar para a fazenda do
Senhor Matias
- Aconteceu alguma coisa com você lá?
- Aconteceu nada não
- A senhora está com documentos?
- Documento só em casa, moço
- Nesse caso, nós lhe damos uma carona até sua
casa e você apresenta os documentos
- Sei onde tá documento não...
- Nesse caso, nós a levamos para a delegacia
- Arriégua...
- E então?
- Vamos pra minha casa então, se não há outro
jeito!
Chegando na tapera, os policiais questionaram
- Esse lugar também faz parte das terras do
Senhor Mattia?
- Meu marido jura de pé junto que é
Nesse meio tempo, a onça já tinha dado cabo do
corpo inteiro de Michael Jackson, deixou só a cabeça, lambeu a boca e foi
embora, como se nada tivesse acontecido
- A senhora pode pegar o documento agora?
- Posso sim
Como seria muito estranho entrar pela janela,
Jaqueline reuniu sangue para passar pela porta, mas dessa vez o que ela veria
seria bem pior...
Os policiais estranharam a demora, chamaram
várias vezes até que decidiram entrar e viram Jaqueline desmaiada de barriga
para baixo e uma cabeça de homem decepada; com a experiência desse tipo de
ocorrência, viram que tratava de um ataque de onça
Jaqueline acordou já no hospital
Sentiu-se cansada, sentada, comia gelatina,
calma
Uma enfermeira entra no quarto
- Conseguiste contato com meus pais?
- Eles disseram que não podem vir porque é muito
distante
- Eles disseram que fui eu quem devorei o
marido, não foi?
- Não, Jaqueline! Não disseram uma coisa dessas!
- Não mesmo, só diriam coisa pior
A enfermeira apertou o braço de Jaqueline em
solidariedade
Fox e Dakota se despediram de Verena e Júlio com
um sorriso cordial
No hospital, a enfermeira pergunta mais uma a
Jaqueline;
- Tem certeza de que quer mesmo fazer isso?
- Tenho, tenho sim
O dia do enterro estava marcado, também havia um
cemitério nas terras do Senhor Mattia, o que ninguém esperava era como
Jaqueline apareceu, era um susto total que, cada um tentava esconder o seu,
Jaqueline apareceu corajosa, triste, mas corajosa, de cabeça raspada, batom
preto e roupas de homem, bota, calça jeans e camisa, tudo do marido, tentavam,
mas ninguém tirava os olhos dela, a única que a enfrentava de frente, porque se
sentia enfrentada, era dona Grazia, muito provavelmente por ser a mais velha da
família
Senhor Mattia fez questão de enviar passagens de
avião para que os pais de Jaqueline comparecerem ao velório do genro, senhor Mattia
tomou Jaqueline de lado e disse para conversarem no escritório
- Eles não vieram?
Mattia só balançou a cabeça em negativa
Jaqueline baixou a cabeça em um movimento reto
- Não me diga que você pretende ficar naquela
tapera...
- Claro que não! Aquilo não é vida
- E o que pretende fazer?
- Vou me embora daqui, quero ir morar na cidade,
senhor Matias
- Quer ir começar uma vida nova em Campo Grande?
- Não, eu quero é ir pra São Paulo mesmo, tive
pensando que lá é o lugar pra mim
- São Paulo, Jaqueline?
- São Paulo, sim senhor, com aqueles policiais
com aqueles uniformes parecendo umas tartaruga ninja, atirando em bandido, em
gente, em criança, veja só... quem não ia ter medo de uma polícia dessa...
Mattia franzia a testa e não sabia o que dizer
diante a "certas coisas" que Jaqueline dizia ás vezes
- E eu preciso da ajuda do senhor para me ir
para lá, me arranjar num lugar até conseguir trabalho, não sei se Michael
Jackson ou o pai dele tinha alguma coisa a receber... Michael nunca disse...
- Legalmente eles não tem nada, Jaqueline, mas
na minha consciência, eles tem sim
Para senhor Mattia, cheques ainda existem e ele
estava preenchendo um para Jaqueline
Entregou o cheque á ela e disse;
- Isso é o suficiente para você não passar
necessidades em São Paulo
Jaqueline pegou o cheque, olhou o valor, olho
para o senhor Mattia e fez uma expressão de quem não sabia que ganhou
- Não sei o que dizer para o senhor...
- Não precisa dizer nada
Mesmo assim ela deu a volta na mesa e deu-lhe um
forte abraço que até rendeu lágrimas
Mattia e Jaqueline foram os últimos a chegar no
enterro, ela chegou e ficou bem do lado do marido
- Por que não pediu um caixão aberto para ver
seu marido pela última vez, Jaqueline? – Provocou Fox
- Para velar uma bola de boliche? Peça para
abrir você, se quiser ver
A tapera começou a queimar pela cobertura,
começou a queimar pelas quatro estruturas, cada uma delas foi queimando de cima
para baixo, tanto as madeiras tanto o que as preenchiam, queimaram por completo
até calço e todo o material queimado se reduziu à entulho; um lindo crepúsculo,
uma linda lua e um lindo amanhecer depois, como acontece todos os dias naquele
lugar, veio um caminhãozinho recolher o entulho, o calço ficou, mas os
operários tinham ordens de terminar o serviço naquele dia; deu trabalho, mas o
fizeram, araram o chão, ninguém mais moraria ali, a tapera foi ocultada, e desaparecida
com a noite
v
Você vai aprendendo, aprendendo, aprendendo, aprendendo, e a medida que você vai aprendendo, você vai morrendo
- Hoje estive assistindo um jogo de futebol com meu pai, o que tem acontecido com estranha frequência, jogavam Flamengo e Palmeiras no Rio de Janeiro, meu pai disse que um jogador do Palmeiras já tinha jogado pelo Flamengo e os ex companheiros faziam chacota quando ele errava, "Faz parte esse tipo de coisa, eles precisam jogar seja lá onde for, o futebol em alto nível é uma profissão...", meu pai disse; eu olhava para a TV e eu não me identificava com absolutamente nada do que se passava naquela televisão, porque aquilo representava a grande decepção que eu causei para ele
- Eu fiquei no mínimo triste quando o Alexander Sverev declarou que "O tênis é um negócio", e o pensamento não deveria ser esse, pois só existe o dinheiro porque existe o esporte, ou seja, você pratica um esporte que você ama e, por acaso, a premiação dos torneios é muito alta e os melhores jogadores ficam ricos; mesmo sem amor, Zverev é o número três do mundo, mas não é famoso por isso, e sim pela cultura do ódio, a cultura de destruir reputações nas redes sociais, Zverev sempre será lembrado por causa de duas mulheres que alegam ter sido agredidas por ele; quando ele foi vice campeão do Australian Open, ao receber seu troféu, junto com o campeão (Um momento que todos os amantes do tênis estavam aguardando), feministas levantaram cartazes e gritaram palavras de ordem, um dos cartazes dizia "A Austrália não vai esquecer!", eu gosto do tenista Zverev, a pessoa Zverev, cabe a justiça resolver, quem você pensa que é para condenar?
- Lembro que certa vez, no meu trabalho, disse que eu pretendia dar um livro da Simone Beauvoir de presente no dia das mães, o garoto adolescente evangélico rebateu
- Mas essa mulher foi acusada de pedofilia!
- Preferi deixá-lo falando sozinho
- Eu acho que não deviam regulamentar nada, deviam cortar os dedos; porém eu me safei de ter os dedos ou uma mão mutilada, tem um adolescente do Mato Grosso na área, conversei muito com ele e furei dois encontros, ele não reagiu bem, depois começou a mostrar seus feitos com fotos em miniatura, todas elas em miniatura, passariam desaparecidas por grande parte, mas para mim não passou, e se eu tivesse ido? O que terá acontecido comigo? Bem que psiquiatra disse "Esses aplicativos estão cheios de psicopatas...", e agora eu mesmo conheço um? Meu melhor amigo não deu a mínima sobre, queria saber dele se devo ir à polícia, mas só se importa quando é para ir ao motel, eu já vi dois casos, devo esperar o terceiro?
- Tive uma breve elucidação sobre o sonho; e tive a conclusão que ele é nada mais que um vício; você sonha, sonha, e ao invés de você possuir o sonho, ele é que possui você, a maioria das pessoas não percebe que ele (ou eles) é um vício e que devemos nos livrar deles, do café, do cigarro, do açúcar, da beleza, do sexo, das drogas recreativas e do monte de roupas que você compra e que você acha o máximo, mas ninguém está nem aí para as suas roupas; então, o que há de distração na Terra? Ser gentil, talvez; eu sou o suicida da família e nós sempre somos os últimos a morrer, é sempre assim, quem vai cuidar dos meus pais quando eles estiverem muito velhinhos? Eu, claro, não é possível esperar nada da cobra da minha irmã, se ela tem amnésia seletiva, eu não tenho, eu não esqueci das coisas horríveis que ela fez na nossa infância, eu não esqueci das coisas horríveis que ela fez na nossa infância e principalmente disse na nossa adolescência, eu não esqueci e nunca vou esquecer; quando estiverem todos mortos, os velhinhos e os jovenzinhos, aí sim, calmamente, de forma lúcida, eu vou poder pensar na minha vez de morrer, talvez antes, eu comece a devorar a pilha de livros que comprei e nunca consegui lhe, a pilha está cheia de clássicos, e é uma pena que vou ter tanto tempo para usufruir dessa sabedoria
- Voltando à esses tempos, será que vamos mesmo ultrapassar a famosa barreira dos 1,5º ? É claro que vamos
- Outro esteve aqui nessa manhã, pode ser fácil esconder sangue, mas esconder esperma é difícil...
- Ele voltou com raiva, deu bronca sobre a sujeira da comida enquanto eu ainda a estava a preparando, não sei se ele de fato se acha burro, mas desagradável é, e ações assim, diminuem meu espaço, e não é espaço físico na casa, essas atitudes fazem com que as paredes diminuam e se aproximam de mim, e assim elas vão diminuindo minha respiração bem aos poucos, sentir vale tanto o quanto saber, se eu pudesse apostar, além de me divertir, apostar para ganhar, eu afirmaria que tem câmeras na casa, pelo menos duas, já que é melhor que o filho louco não tenha privacidade alguma, o mesmo que ele dirige a palavra quando se sente tão só, tenta ser gentil mesmo sem saber ser gentil, nem gentileza, e nem empatia, persegue pessoas que, ofende pessoas que ele deveria proteger, e nem poderia, pois suas sete décadas e meia de vida já começaram a deteriorar sua lucidez, o que é um perigo, não uma fragilidade, não sou eu que tem histórico de matar animais e nem de atacar pessoas com facões; quando se recorda que o fato da minha homossexualidade o incomoda demais a ponto de nem me dirigir a palavra,
e se diverte reclamando de mim para a minha mãe o tempo inteiro,
instala um rastreador no celular da minha mãe sem o consentimento dela (o que é
ilegal nessa república), inferniza a vida dela a acusando de uma traição que ele
inventou, (sim, ele inventa coisas e as torna em verdade absoluta), rastreia a minha mãe ilegalmente, a acusa sem uma
única prova, diz que a "união" está por um fio, mas nunca esteve,
pois naqueles tempos obscuros, o que se assinava era um "acordo de
posse", e o certo era os dois se aturarem para sempre, mas em qualquer
tempo, quase a totalidade das pessoas não compreendia o que a coisa é, o
casamento não é um contrato, é uma celebração e, se a sua está por um fio faço
votos para que quebre logo, minha mãe merece coisa melhor, é muito mais bonita
que uma mulher da idade dela, é comunicativa, agradável, ainda fala coisa com
coisa, e meu pai é o Quincas Borda, ele que se dane com a bipolaridade, demência
ou sei lá com o que o ataca; As pessoas terminam sozinhas, divorciadas, sem
filhos nem sobrinhas porque “cada um tem o que merece”
- Minha mãe chega do trabalho, nunca me
cumprimenta na vez dela, vou a cozinha mesmo sabendo que não é a minha vez, não
posso pedir o mínimo para ela, senão ela diz que preciso parar de pedir coisas,
o diz como Silas Malafaia, e então cai um teto da sala sobre o meu fêmur, e
então ela ajuda a aplicar água oxigenada na ferida do pescoço da gata
- Minha mãe chega do trabalho, nunca me
cumprimenta na vez dela, vou a cozinha mesmo sabendo que não é a minha vez, não
posso pedir o mínimo para ela, senão ela diz que preciso parar de pedir coisas,
o diz como Silas Malafaia, e então cai um teto da sala sobre o meu fêmur, e
então ela ajuda a aplicar água oxigenada na ferida do pescoço da gata
xoxo




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