30 de nov. de 2023

paralelepípedos arredondados




Fiz escolhas erradas

Ir até lá foi uma escolha errada

E fiz escolhas erradas

Uma barreira caiu na estrada

Comunicação entre pessoas

Não funciona.

Me vi naquele inferno de paralelepípedos disformes

E grandes

E barros

De botas

Mesmo com um mapa, aquilo parecia um mapa ao tesouro

Cansei muito até chegou ao local do meu lançamento

Meu editores estava me procurando na rodoviária

Eu os acalmei

Minha bateria de celular deu para morrer bem lá

Fiquei em um lugar da casa carregando-a até a hora

Quatro lançamentos consecutivos debaixo de uma tenda

Mesas e cadeiras de plástico

Não parecia lançamentos de livros

Parecia um happy hour de firma

Não se faz lançamento de livro em mesa e cadeira de plástico

Mesa e cadeira de madeira é o mínimo que se espera

Mas... o que se esperar de um cara escroto como o Eduardo Lacerda?

 



 

O lançamento acabei e eu comecei a perambular

Comecei a procurar algo

Mas a cidade pisou em cima de mim

A única coisa que consegui foi uma reação alérgica

Que se manifestou no dia seguinte

Host me today

But nobody did

A minha bateria não alcançava os 3%

Quando eu finalmente desisti

Aceitei por aguardar meu ônibus

Ás 23:50

Esperei quarenta graus, mas passei frio. Sujei minhas botas.

E pude ver que

Se você é alguém, você é tratado como alguém

Se você é um bosta, você é tratado como um bosta.

O que vai me fazer ser alguém?

Mágica.

 

***

 

Sejam bem vindos!

 

“O Memorial de Kristen Pfaff”                    

 

Saí de casa com uma cara de lixo

Não queria sair

Sem escovar os dentes

Sem banho

 

Escondi a cara de lixo

Escondi o cabelo de lixo

Com um boné

 

Vesti um suéter

Não estava aquele frio

 

47 dias e eu ainda não sei

Se eu fechei um caixão

Ou se eu abri um caixão

 

Pior que um gosto de sangue

É um gosto de manhã

 

Não queria sair

A vida é pior quando se fica acordado

Dezoito horas por dia

 

Disse que estou ok

Disse para ele orgulhoso que estou ok

Mas não estou

 

Será que custa muito

O diabo parar de comer azeitonas na minha varanda

Todos os dias?

 

Não importa que não pare de chover

Não há idealismo, não quero falar o que se plantou

E que hoje marca-se quanto tempo ele me faltou.

 

* Juntos, mais uma vez uma budista, um ateu e um discípulo de um charlatão que pensa que sabe o que é deus, vão comemorar o natal como se esse fosse uma sarna.

* Naquele filme, um garoto francês louro, de boa família, viciado, passou o réveillon preso em um ônibus cheio de moradores de rua por engano. Ele balançava as portas, mas só se ouvia os uivos dos mendigos bebendo um álcool paupérrimo enquanto o ônibus rodava pelo centro, durante os fogos.

* Jura que você tem que se manter limpo? Você sem pó é a estátua de uma vaca sentada.

 

“Been a Son” (K. Cobain)


XOXO

15 de nov. de 2023

a publicidade do impopular

 é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta  é sexta



A orelha do meu livro é a mais criativa já feita. Você nunca viu outra igual.


é no @editoraarpillera é no @editoraarpillera é no @editoraarpillera é no @editoraarpillera

é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h é ás 20h


Estamos conversados?

Pois bem, eu não demoro quatro anos para publicar para entregar qualquer porcaria.


***


Elsewhere:


Estou escalado para uma sessão de autógrafos da FLIP deste ano. No dia 24/11 ás 11h. Que coisa... jamais pensei que um dia eu estaria na FLIP como autor, mas estarei. Darei mais detalhes no post de domingo.


Elsewhere II:


*Você acha mesmo que ela mudou? Não se conserta um demônio.


Feliz aniversário.


XOXO


9 de nov. de 2023

la demora



 

A voz de cachorro dele

Sempre arreganhando a porta da sala para arejar a casa só para punir alguém como sempre, mas quatorze graus não areja casa nenhuma, resfria. Um dia o resfriado pode ser no porco, outro dia o resfriado pode ser em você. Mesmo você e sua mulher insistindo que o porco é seu filho, o porco é você, quando você sai do banho o cheiro é tão desagradável, assim como é barato o que é de macho.


Sempre começa a assoviar quando está nervoso. E não fez isso à toa, faz porque nota que alguém se incomoda. E ama incomodar, parece que é para mostrar que ele ainda está aqui, que ainda manda na casa, para que jamais esqueçam disso.

Ela chega, passa por tudo, entra no quarto e dorme, não constrói nada.

Ele aluga um andaime. Para fazer um serviço desnecessário. Essas telhas do teto solar do fundo do quintal não estão sujas a ponto de se ter o miserável trabalho de limpá-las. Não há nada de errado com a cor das paredes, elas continuam cereja, o andaime serve também pra isso? Para pintar esse sobrado enorme com mais tinta cereja?

Ok, onde estão os homens jovens e fortes para fazer o serviço? Não precisa, né? Como sempre você dá conta do trabalho sozinho, com uma pequena ajuda vez da sua esposa, vez do seu filho. Do lado de dentro do seu crânio, que não tem quase nada, sabe que tem um joelho podre, sabe que tem mais de setenta anos e continua querendo a provar para si mesmo que os homens jovens de hoje são os uns bostas. A verdade é que ele não assume nem para si mesmo que a juventude dos outros o ofende.

Brigas de trânsito. É o que este ancião mais gosta. As últimas duas foram com homens jovens e ele levou a melhor. Um tiro na boca. É só o que ele precisa para nunca mais soltar uma gota da podridão.

Você não percebe que a gata está quase secando as patas na minha apostila de Ídiche? E você jamais viria a saber que eu tomei apenas uma aula de Ídiche e que se eu falasse um monte de palavrões na sua cara em um Ídiche fluentíssimo, tampouco.


A geladeira é dele, o armário é dele, o panetone é dele, a esposa é dele, a mesa é dele, a porta é dele, o micro ondas e dele, o verão é dele, tudo é dele. Você, filho? Você vale o mesmo que uma torneira nessa casa. Você, filha? Não vale mais do que o cinto que usei para dar nas suas costas ontem. Quem inventou a posição de “chefe de família?”, para que os filhos fossem ensinados de que eles não pertenciam nada naquela casa, para que em nem um momento se sentissem donos dela, cada um dormia em um quarto, mas ter um quarto era apenas uma sensação, era lúdico. Ele tinha chaves, evidente. Por que você entrou no meu quarto? A casa é minha, eu entro aqui a hora que eu quiser.

Um velho que anda pela casa de cuecas feito um palhaço.

Tchau, cocaína. Seu voo para Tel-Aviv foi anunciado, seu ônibus para Gaza estará lá esperando por você. Eu tentei, tentei muito. Pois tente melhor da próxima vez, foram seis anos me doando nisso, agora faço votos para sua morte. Do pó ao pó, agora que o amor está dormindo.

A voz

Tente contrariá-la pela terceira vez seguida. Ela começa a gritar feito uma galinha

A voz de uma galinha

Na realidade isso só acontece com o filho louco, indefeso, que não tem nada a oferecer, é oneroso, não tem atividade remunerada, então ela se sente bem à vontade para gritar com ele, só não o agride por causa das consequências, o que a vizinhança, o que o resto da família, talvez até a imprensa iria pensar, não é mesmo? E o que você ia fazer? Você seria muito contrariada, ia gritar com tudo mundo?

Já viu uma galinha muda?

***




Só um prêmio ou uma indicação a um prêmio pode me tirar dessa areia movediça. Mas eu acredito cada vez menos. Cada vez mais meus inimigos estão em júri dos prêmios.

Quem está no Júri na final prêmio Oceanus deste ano? O editor novo da Editora Nós (mandei um convite no facebook para ele, ignorado) e a dona da Editora Nós me detesta. Eu não estou concorrendo, mas se eu estivesse, eu teria alguma chance? Lógico que não.

Há uns dois ou três anos eu inscrevi um texto muito bom para uma edição do Programa Nascente da Usp (prêmio que já ganhei menção honrosa). Mas... que estava no júri? A Paulo Fábrio (Uma caminhoneira que me detesta e eu nem imagino por que). Meu livro não ficou sequer entre os finalistas.

Inscrevi um livro no prêmio Kindle de literatura esse ano. O Marcelino Freire é um dos jurados. Ele não fala comigo há uma década. Será que ele vai me dar uma nota justa? não sei...


Será que eles são mesmo bem-vindos?


XOXO

30 de out. de 2023

cinco bebês

 



Nasceu. Depois de quatro anos de silêncio, dois deles por causa de um cancelamento absurdo, o meu quinto livro (o segundo de poemas) está aí para quem não acreditava que eu não ia segurar a barra, que eu não ia seguir em frente, pois aqui está, meu volume de poemas "LIXEIRA DE CELOFANE", acaba de sair do forno pela editora Arpillera. Eu sou tão xenofóbico que escolhi uma editora baiana para publicar. Que curioso, né? Em breve eu terei a data do lançamento virtual e divulgarei por aqui com exaustão. Quero agradecer as pessoas especiais que sempre estiveram do meu lado principalmente nesses sombrios últimos dois anos, vocês sabem quem são. 



Each of these my babies
Have brought you closer to me
No longer mad like a horse
I'm still wild but not lost
From the thing that I've chosen to be

(Sinead O' Connor)

***

Sejam bem-vindos!


Quer atenção?          

Seja um cachorro perdido

Nos braços de um bombeiro fortão

Nas enchentes de Minas Gerais

Ou da Bahia.



(H. Guimarães)

***

Tenho óleo nos cabelos

Tenho diesel na boca

Tenho fumaça preta nos poros

Tenho o fim dos meus ouvidos.



(H. Guimarães)

***

Tatuar “esqueça-o”

No pulso

É lembrá-lo


Esqueça-o.


(H. Guimarães)


*Não aja como uma estrela enquanto você ainda é um cometa.

*Ele não é um padre, é um modelo. Que se recusou a viver uma vida de padre pobre.

*Minha primeira parada em 2005. Eu e minha amiga descansávamos e uma evangélica nos abordou. “Vocês tem interesse em ser salvos?”. Eu era mais temperamental, mas minha amiga se antecipou e respondeu por nós “Não, obrigado”. Daí ela seguiu pela parada destilando seu veneno, fazendo gays desavisados fazerem ter a sensação que vão para o inferno em uma festa tão linda. Só que depois ela foi embora para casa. Para sua família quebrada, para sua infelicidade, pessoas infelizes não toleram a felicidade dos outros. Ainda bem que eu não dei o soco na cara dela, como eu queria.







XOXO

19 de out. de 2023

seis cordas e dois dedos podres

 





  •  

         Eu não menti, eu apenas inflei as informações que passei. Era a terceira entrevista com o gestor da área, não sei se eu o agradei, mas a analista da agência foi muito fria comigo, demorou para responder a minha primeira pergunta após a entrevista e ignorou a segunda. E na única resposta que deu disse que “estava aguardando o retorno. E todos sabemos o que significa a palavra “retorno” no meio corporativo, significa que você está desclassificado do processo e existe pessoa tão desclassificada quanto você?

           Estou exausto de participar de tantos processos, ir longe e sempre cair no final, e ter que aguentar esse processo de zoomorfização imposto pelos meus pais, que já não fazem a menor questão de esconder que sou estou estorvo, um peso morto, vi o Globo Repórter ontem, eu seria mais feliz em um abrigo para idosos.

     

          Eu tinha dezesseis anos quando comprei minha guitarra. Juntei dinheiro com a esmola que aquela seguradora me pagava. Já que meu pai colocou tanto peso nas minhas coisas me obrigando a fazer coisas que eu não gostava, como lutar capoeira e jogar futebol, que nunca me levaram a lugar nenhum, minha mãe deveria consertar o erro, devia ter procurado uma escola de música razoável para eu tocar guitarra e ter feito a matrícula sem eu saber, eu podia pagar as mensalidades com o meu salário, isso era o de menos, mas a atitude era o que contava, mas não, minha mãe nunca se importou com a felicidade dos outros.

         A guitarra ficou lá encostada até que em um momento de crise eu fui a uma estação de metrô troca-la por dinheiro.

     



     

           Sim, desistir é uma opção, mas existem outras. Esse é um vídeo onde toco “Come as you are” do Nirvana em um dos aniversários do “Nevermind”. Comprei uma revista de cifras e tentei tirar outras músicas, o que não foi muito bem sucedido. Um violão que já nasceu maldito, dado por um baianinho de São Mateus que eu aceitei como namorado metade por pena metade pelo desespero de fugir dos meus pais quando ele alugou um apartamento, um psicopata que nunca teve coragem de mostrar sequer uma foto dos pais, inventou dois irmãos, inventou um irmão gêmeo, um cara que apenas “lembrava” ele, que ele sim era um homem bonito, formou-se na Uninove, mas tinha uma carteirinha falsa da FAAP para pagar meia entrada, inventou que morava em dois bairros diferentes até finalmente confessar que morava em São Mateus, certa vez recusou um homem para um ménage, por ele era de São Mateus, disse “Não, São Mateus é um lugar que só tem favela!”, psicopata porque em um belo dia ele levantou-se e prendeu a minha gata dentro da geladeira, só porque eu dava mais atenção para a gata do que para ele, a gata era amável e ele era desprezível, o que eu poderia fazer? Por sorte eu cheguei em casa a tempo de chamar minha amiguinha, ela tinha poucos meses, em dezembro ela faz quinze anos. Com ela eu consegui dividir uma vida, com macho eu nunca vou conseguir isso, a não ser que eu consiga um macho que nem minha gata, que não diga uma só palavra. O que dizer de alguém que mata animais? Saiba dizer não, saiba dizer não, lembra daquele episódio anti drogas da Punky? Pois é, eu ainda estou aprendendo a dizer não, mas uma hora é impossível continuar.

         Com o passar no tempo, eu fui percebendo que o meu melhor instrumento estava dentro de mim, minha voz e eu evolui muito como compositor. Consegui formar uma boa banda em 2022, o “Grasss”, mas em um ano conseguimos fazer três ensaios, o que mostra o comprometimento dos garotos. Compus vinte e sete músicas para o Grasss e agora não sei o que fazer com elas, enfiar no cu? Foi isso que pensou? Nem pra isso elas servem e também porque estou compondo coisas totalmente diferentes.

     

    Algo de “He War” da Chan Marshall

     


    Sejam bem-vindos!

     

    Breve em “Lixeira de Celofane”

     

    “Iguaria”        

     

    Papai pergunta:

    Não gosta desse pedaço?

    Você faz cara de nojo

    E tira a minha orelha

    Da feijoada.

     

    (Hugo Guimarães)

     

    *Se minha gata fumasse seríamos iguais.

    *E o tempo passando. E minhas costelas aparecendo.

    *Se as casas tivessem bunkers aqui, eu passaria o dia inteiro lá.

     

    Everybody run, run, run

    Everybody run, run, run

     

    Everybody scatter, scatter

    Some people lost some blood

    Someone nearly die

    Colonial mentality

    Eu não sou daqui

     

    Eu não tenho nada

    Tristeza não tem fim

    A felicidade sim

    Meu coração é a liberdade

    They leave sorrow

    Tears and blood.

     

    (Marisa Monte)

     

    XOXO



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9 de out. de 2023

a queda de açúcar

 



  •  

    I

         Para mim estava tudo certo virar as costas para eles para sempre no dia trinta. Eu não fui atrás, mas eles então vieram atrás de mim, vieram em uma profusão acima da média o que, por um instante, me fez acreditar em demônios. Pois eu aceitei ir no dia cinco só para ter certeza que eles de fato não valia a pena, quando voltei para casa em um pós horrível, tendo de andar três quilômetros até achar um ponto de ônibus em uma zona norte caótica debaixo de um calor de trinta e cinco graus, me perguntando “Valeu a pena, Hugo”?

         De volta ao pântano, no sofá que nunca me pertenceu, na casa que nunca me pertenceu, na casa onde sou um estranho, em um lugar tão remoto onde é quase impossível ter vida social, principalmente sem ter dinheiro, onde o mercado de trabalho insiste em não me absorver, eu pensei que a coisa estava resolvida. Era só uma questão de subtrair infernos, somar infernos, administrar infernos. Novamente eu não fui atrás deles, mas no dia sete eles vieram atrás de mim de novo, como a polícia de costumes do Irã entra no metrô atrás de uma mulher iraniana sem véu e saí do vagão com a mulher desacordada, alegando que ela passou mal por falta de açúcar no sangue.

         No dia sete eles me mandaram um carro para atravessar a cidade. E onde está a minha capacidade de dizer “não”? Ou apenas não dizer nada? Nunca aprendi e sigo sem aprender. Entrei no carro. Cheguei lá, fui usado e de madrugada não havia mais nada. Nem ele, nem o outro. Pensei que passaríamos o domingo, mas logo vi que fui coagido e descartado. Possivelmente eu fui enganado. Apareceram coisas muito boas no app, sim apareceram. O que mais me chamou atenção foi um garoto meio-japonês chamado Tisho, exótico, bastante másculo e eu posso ir à casa dele durante a semana, ele já disse que sim. Também me chamou atenção um garoto louro bem jovem chamado Enzo, que ao perguntar das minhas preferências, ele sugeriu que sentasse na cara dele até sufoca-lo, o que me pareceu muito bem.

         Acho que cheguei ao dia nove bem. Espero que eu tenha mesmo ganho alguns belos brindes e que o mundo não é branco e ele não se esfarela.

    II

    “The Boy Zone”

    (Letra: Hugo Guimarães/Música: Hugo Guimarães)

     


    III

    “Conheça o ódio”, Hugo Guimarães.

     

    CAPÍTULO UM: “Da alma à carne”

     

    Sou Audrey Hepburn agora. Na alma, mas sou. Da última vez que tentei decepar minha narina, só consegui um banho de sangue e é melhor esquecer, por hora.

    Uma vaca pode ser uma égua, sei lá. A verdade é que eu nunca quis saber por que não se deve usar a palavra vaca. Veado não se deve usar e se usa sem nenhum constrangimento e já que nada sabemos, é só odiar igual, não só a leiteira, quem me odeia eu odeio igual, mas e se não fosse a mulher? Claro que não, claro que você não pediu, mas e se não fosse ela? Já recusou a luz mil vezes, não? E ainda continua destruindo o sonho dos outros por esporte? Talvez, ninguém tenha o direito. Uma médica que te odeia por você ser podre, veado e ainda por cima por aceitar suborno, médica que tem nojo de ir trabalhar, fazer o mínimo para fazer essa gentalha acreditar que aquilo foi uma perícia e eu estou quase comprando uma casa maior em Angra com o meu marido.

    Pedi para o meu pai recorrer e eu não deveria odiá-lo, uma hora é antes uma hora é depois, mas eu já sei bem a região para onde vão vir as facadas, eu prefiro acumular as feridas abertas dessa camiseta branca, deve ser por isso que minha mãe me manda ir tomar banho o tempo todo, ele volta a falar comigo como se nada tivesse acontecido, traz doces como se aquelas porcarias comprassem minha honra e quando canso dessa merda toda, deixo minha mãe subir comigo até o banheiro, arrancar a camiseta grudada de sangue na pele, aceito o banho e ela mesmo costura o que sobrou. Minha irmã me deu uma televisão que eu vou vender para comprar um filhote de São Bernardo. Wannabe.

    Agora quero um homem, um perito homem, todo engomadinho o desgraçado, por que? Tenho de ter trinta internações por transtorno bipolar para conseguir esse benefício? Olha se eu tivesse tantas internações assim, eu sequer estaria em condições de ter me deslocado até aqui. Sendo assim, vocês negam o benefício por A ou por B.

    Eu me formei em uma faculdadezinha medíocre, pública, mas medíocre, trabalhei quatorze anos em um ofício que eu odeio para ter esse maldito benefício, para pedir trégua em um momento como esse.

    Eu estou falando!

    Eu estou falando!

    Eu sou digno de bullynig, sem dignidade. Como é pra você? Ver um pobre de peruca achando que pode pisar ainda mais na cabeça? Você, que médico do JEF, de boa família, ganha bastante dinheiro, não deve faltar nada pra você, mas pra mim, falta. Quer minha CTPS? Faz dois anos e meio que não trabalho! Sabe por que? Porque ninguém me aceita mais. É difícil levantar da cama para fazer uma entrevista? Em setenta por cento das vezes é, mas eu não consigo convencer que eu sou o melhor candidato para a vaga, pois de fato eu nunca sou.

    Essas psicólogas de RH não são burras, depois do último trabalho, fiz vinte entrevistas, reprovado em todas elas, até que fui aprovado em uma, demitido no segundo dia. O dono deve ter me visto pela câmera pegando cocaína na janela de um carro na porta da empresa.

    Sim, não, sim, não. É o tipo de droga de resposta que vocês induzem para negar um benefício, não? Corruptos! Uma pessoa como eu vai para casa se matar quando você termina o laudo. Morrer é difícil, eu sei, mas quando se tenta, tenta, tenta, uma hora dá certo quando você nem queria de fato morrer.

    Está muito claro na minha cabeça colocar veneno na sopa, me trancar no quarto e esperar pra morrer, mas um ridículo também sonha, não estou falando “dele” que voltou a me perturbar, outros homens que não me perturbem, principalmente se for só uma coca cola, não me fascina. Veio de uma amiga branca uma das piores definições do motivo pelo qual ela nunca transaria com um homem negro, ela disse que imaginava um cocô entrando nela.

    Talvez nunca vou me livrar de você, penso muito em você, que tudo poderia ser mágico e é tão amargo sair desse sonho, onde sou insignificante, sempre fui e sequer tive o direito de saber por que. Um lixo, por incrível que pareça, tem sonhos e é por isso que a sopa fica em modo off, tenho uma ideia para causar polêmica e ficar famoso, rico, espere e veja, como Audrey Hepburn vai da alma à carne.

     

    IV

    Riot 


    Conheça “Sue Sue”.

     

    – Ô, sr. Jojo. A sua filha apareceu aqui no boteco com os peitos de fora outra vez!

    – Eu não acredito!

    – Pois acredite!

    – Eu vou pôr a Suzanne na cadeia cedo ou tarde, escreva o que estou te falando!

    Sue chega em casa e vai fumar no quarto. Jotabê entra lá em fúria.

    – Suzanne, você quer me matar de vergonha?

    – Vergonha tenho eu de você, vá ocupar a vida! Vá fazer um curso de inglês!

    – Pelo menos eu não ando por aí com a pistola de fora.

    – O que foi dessa vez?

    – O dono do bar me ligou dizendo que você foi lá com os peitos de fora!

    – Ele filmou? Fotografou?

    – Não.

    – Então, um beijo e um queijo.

    – Mas e a palavra dele? Não conta? Pois para mim conta, Suzanne. Portanto você esteve lá sim com os peitos de fora.

    – Pai, você anda sem camisa, não anda?

    – Mas eu sou homem!

    – E daí? Por eu ser mulher eu também não posso? Eu também sinto calor, está fazendo trinta e quatro graus, eu tiro a camisa, mas eu escondo as mamas, onde está o problema então?

    – Ah, não me venha com esse papinho feminista, não! Se alguém chamasse a polícia, você iria presa!

    – Mas não chamaram e eu não fui. Existe uma coisa chamada resistência. E a única que você conhece é a do chuveiro.

      

    Depois de muito tempo chega a viatura.

     

    V

    Do we carry on?

     

    * Um homem feio sem pó e sem Photoshop não existe no censo, é uma necropsia no app.

    * O que falta na nossa constituição? O direito de não voltar para casa.

    * Bᴭg.

     

    XOXO



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