15 de dez. de 2022

DESPEDIDA DA AVAREZA, ÓDIO E CANIBALISMO






Conheci Manaus. For good.

                Gente bagunceira. Gente avarenta. Gente porca. Gente falsa. Gente egoísta.

                Aka

                Bicha bagunceira. Bicha avarenta. Bicha porca. Bicha falsa, tem vários nomes. Bicha egoísta, mora em uma casa cheia de viado, mas não queria que nenhum deles me chupasse e não foi falta de eu pedir, mas adorou a ideia de eu levar meus amigos ativos para ficarmos em pé em volta dele. Levei 3g para dividir, mas ele relutava em dividir um cigarro. No meio da noite perguntei se ele viu minha cueca, ele perguntou por quê, eu disse que dormia mais confortável com ela e ele disse que era para eu procurar no chão, mas não achei. No dia seguinte, depois do banho, antes de ir trabalhar quando eu ainda estava despertando, vi de rabo de olho a bicha vestindo minha cueca. Meu, ele roubou a minha cueca! Sim, fui pra casa sem cueca. Depois de vinte e quatro horas sem comer por causa dela, eu pedi algo para comer, qualquer coisa, para não incomodar (ele fez a pior cara do mundo e foi fazer dois pratos de miojo). Miojo? Alguém ainda come miojo? Que ele demorou dez minutos pra fazer, não entendo como, sendo que aquilo se faz em três minutos. Mesmo exausto, ele não teve a bondade de oferecer que eu ficasse descansando na casa dele e depois fosse embora (não é que ele furta coisas que eu também furto). Me arrancou da cama ás sete para sair com ele rumo ao trabalho. Pedi uma toalha para tomar banho. O mínimo que eu esperava era uma toalha seca. Pois ele me deu a mesma toalha molhada que ele tinha tomado banho. Não menos que isso. Tomei o banho e quando saí, tive a curiosidade de cheirar a toalha, uma toalha fedida. A única coisa que me agradou foi a cachorra dele, uma chow chow misturada extremamente carinhosa. Tive na hora vontades de ter uma cachorra igual, não que minha gata também não seja carinhosa, mas eu podia ter as duas. Um dia terei um lar e espaço para uma gata e uma chow chow. 

 

                Porém, dessa vez, algo de muito novo aconteceu: eu joguei cocaína fora.

 

                Não, a tal empresa de Guarulhos não me aceitou. Me convidaram para me prostituir para pilotos gringos de avião. Pagam cem dólares. Logo, quinhentos e quarenta reais. Gostei da ideia, mas pouco depois eu lembrei que nesse ponto não faz mais sentido vender meu corpo, nem que, quando eu quero eu consigo parecer sexy. É que eu decidi que preciso ficar quieto, preciso ficar vestido. Dá-se um jeito para pagar as dívidas. Aquelas mulheres gestoras de RH nunca param de ligar usando fotos de dez anos atrás no whatsapp me oferecendo empregos formais, que depois de todo o esforço de chegar na final com outros dois finalistas, sempre sou preterido. Porém, cedo ou tarde algo deve dar cerdo, cedo ou tarde os olhos gordos do meu pai devem murchar, cedo ou tarde minha irmã deve tirar meu nome da fogueira da umbanda. 

 

                ***

               

                Tão exausto na cama, dei um tempo a mim mesmo para ver o que ia fazer da minha vida e isso incluiria se eu ia permanecer vivo ou não.

                A literatura não funciona. A música não funciona. Os homens não funcionam.

                Percebi que eu preciso de carinho. Percebi que eu não sei mais o que faço. Percebi que eu estou perdido.

                Resolvi que depois de três anos, estou repensando minha sexualidade, o que não exclui a falta dela. Cansei de fazer papéis só para forjar uma vida sexual que eu sei que não tenho. 

                Contudo, eu ainda não tomei minha decisão. Florbela Espanca já estava morta na minha idade. Sylvia Plath e Ana Cristina César também. Virgínia Woolf esperou até os quarenta e cinco. Será que eu devo esperar? A questão é que não há um bom motivo.

                Ter quatorze anos de carreira na literatura, quatro livros publicados, dois premiados e mesmo assim, tudo o que eu ganhei na literatura foram quatorze mil reais. Dez mil reais do proAC e quatro mil reais para ir dar as palestras no SESC Campinas. Ah, tá, e os trezentos reais de cachê da mesa na balada literária 2009.

             Não entendo, sofro cancelamentos por coisas que eu não fiz e por coisas que eu não sou. Continuo escrevendo livros incríveis. Quer publicar, Hugo? Cinco mil reais. Não parece justo, não parece valer a pena. Ter que pagar para publicar até eu tiver cinquenta anos até que a grande crítica vá com a cara de um dos meus livros e eu ganhe um Jabuti ou um Prêmio São Paulo; e eu finalmente saia da merda e seja contratado por uma editora grande. Vou passar minha vida esperando por isso? E até lá? Vou ficar enfurnado trabalhando nove horas por dia infeliz em um escritório fazendo um trabalho que eu odeio? Porque meu pai me tirou o sonho de ser o melhor saltador em distância do mundo quando eu tinha vinte e dois anos? Eu estava olhando para um moleque louro puro lindo no ônibus terça-feira e pensei que se ele me quisesse, tudo bem, eu jogava tudo pro alto. Mas o ponto dele chegou. E ele desceu.


* Mercedes fúnebre.

* Drop.


XXX


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