17 de fev. de 2020

VELAS


Cheguei a pensar
Que o problema era com o meu sexo
Que eu deveria mudá-lo
Mas agora eu vejo
Que não há nada de errado
Com o meu sexo
O que eu tenho certeza
É que eu não sei o que há de errado;
Eu poderia levantar mil hipóteses
Todas elas perdidas
Na imensidão do espaço
E no espacinho das suas bocas;
O acasalamento
É o motivo original da vida
E não os livros
Não as meras conquistas
E os meros talentos
Desconfio que o certo seja
Acabar como Sylvia Plath ou Ana C.;
Afinal o amor platônico
E estar apaixonado e ter alguém
Também é ruim
Tudo é ruim
Me fazem envelhecer
E eu era um poeta do romantismo
Fadado a morrer cedo por suicídio
Meu terceiro livro era uma carta de despedida
E estou aqui com a minha cara de pau
Vendendo cópias do quarto livro
Ganhando dinheiro;
Tudo o que eu tenho feito
Significa vida
Mesmo que o que está na coleira
Ao meu lado me acompanhando
Seja a depressão com o apelido fofo
De morte
Talvez eu devesse me entregar, mas não
Eu tomo remédios
Para mantê-los na coleira;
Tenho medo
Das velas do bolo que vou soprar em abril.



XOXO

16 de fev. de 2020

COBRA


“Cobra”. Depois que uma cobra me picou/ minhas orelhas caíram/ meus pelos caem/ meu nariz cairá/ mas minha alma trucidada/ já repousa no céu# Os cd’s eu deixo para L.T.M, um fascista/ os VHS’ eu deixo para J.S./ as roupas eu deixo para L.C, uma vulgar/ os direitos sobre o cadáver eu deixo para M.A, um roteirista/ todos os escritos eu deixo para M.V, e os discos rígidos também/ o esperma eu deixo para minha mãe caso alguém queira um filho meu/ os jornais eu deixo a quem quiser ter o filho/ as revistas eu deixo para D.G, uma manicure/ os direitos do livro ‘Sangramento’ eu deixo para L.T.M, um fascista/ os documentos e as fotografias eu deixo para minha mãe/ os K7’s  e os direitos das músicas gravadas inclusive, eu deixo para L.C, uma vulgar/ o conteúdo da primeira gaveta de madeira, eu deixo para A.P.V.D, uma loura/ dois dentes eu deixo para L.T.M, um fascista/ os livros dos outros eu deixo para a mãe do filho, para ler durante a gravidez# Sperm. It doesn’t stay in liquid state/ for a long time/ it gets hard and dies/ in love/ like we are going to# R.E.M. Rabeca – ant viol/ radiante / adj – subs – adj “ed”/ radiante/ ebulição, extremo, eclipse, eco, écloga, eclosão, éden (paraíso), efígie, eflorescência, efusão (demonstração viva de sentimentos íntimos), eixo, elenco, elevação, elo/ radiante éden macroscópico/ radiofônico éden macroscópico/ radiofônica efusão manancial# Vande, vande, mama/ you’re going to nirvana/ to a reserved mountain/ where there is no really space getting bigger/ to non noble different vibrations/ but if she goes away would who stay/ (she’s full of lacks)# Wait for me/ you drive me crazy/ since I was born/ you force me/ to the suicidal valley naturally, always/ but the whole thing has aged/ and over eventided/ it’s over flowing all its meaning/ above the hot smoke# Will. It was not the periphery as we see/ at the shows in TV/ It wasn’t a place with its culture, parties, that most faraway periphery/ it was not the half class either/ not the periphery/ it was a place without fun/ any field, any culture, any program, any movement/ It was a place of nothing/ I spent all my life on that place# Man like an ox. Please don’t kill my man/ the bastard will make me happy/ don’t tell him to be naked/ or you’ll want to kill him/ if he tells you something, don’t hit him/ hear him. If you kill him/ kill him as he would kill you/ kill him as he would kill you/ I will wait a little bit more/ I will die a little bit too/ but keep him in the hook/ and I’ll breathe alive/ please don’t kill my man#  Cucharo. Amo o fato/ de você ter um ventilador de mesa/ amo o fato/ de você mijar de pé# Garotos Mortos. Garotos não fodem e correm/ garotos morrem/ quando emudecem# Nails. You cut your nails every week/ why don’t you never cut your fist?# Champagne. I’ll wear the same wet white powder/ which I smell when dry/ to paint my nails/ I hold a bottle/ and it release fire/ from champagne, cocaine and alcohol#


O gift de hoje é a lição de casa do professor de canto, uma performance de "Back to Black" da Amy Winehouse.



XOXO

15 de fev. de 2020

A MORTE DE LENINGRADO


Vocês são muitos e estranhamente
Cada dia mais
Mas vocês
Estão no cerco
No cerco
Assistindo a minha morte
Tenho de passar
Por essa fome?
Daqui a quarenta anos
Uma garota dopada
Vai bater o recorde mundial
Do salto em distância
Nessa cidade
Eu vou estar velhinho.
E você?
Como estará?

Hoje o gift é uma performance de "The Garden" da P J Harvey 



XOXO

14 de fev. de 2020

SANGUE TRIPLO

Sangue no travesseiro
É sangue ao cubo
Sangue triplo
Sou o homem do triplo
Mal podes imaginar
O quão meu treino
De salto triplo dessa noite
Foi bom
Mas três vezes e eu conseguiria
Alcançar a areia da tábua de onze
Quando era só pra fazer educativo
Da tábua de sete
Por que você apareceu
Tão mais masculino hoje?
Enquanto eu tento descobrir
De onde veio o sangue
Do travesseiro
Se da boca ou do nariz
Mas é melhor, bem melhor
Que venha desses buracos
Você, anti fascist
Eu não sei o que isso
Significa pra você
Mas deve significar muito
E isso implica no fato
De que você não quer
Mais falar comigo
Por motivo algum
Sua foto ainda aparece
No meu rolo de câmera
Quando vou mandar
As fotos do meu livro
E da orelha dele
Queria te expor
Sinto isso
Porque eu sou um fascista?
Eu não queria ser um fascista
Queria ser seu amigo
Assim como eu queria poder cantar hoje
“Ballerina” do Van Morrison
Não é difícil saber o quão difícil
É cantar essa música.
Igor na Chuva vendeu 100 cópias
Em menos de dois meses
Checked
Amanhã é minha aula de música.
O gift de hoje é uma performance de “Air Bag” do Radiohead.


XOXO

12 de fev. de 2020

COCAINE HEROES


“COCAINE HEROES”

This hotel could stink if you could smell it
Yes I’m here 2 a.m. because I was almost
Arrested for sell it but can´t see it

I would stroke if I’d sniffed love too much
This white friend is not strong as love

Upstairs, my friend, the room is yours
Thirty non-stop hours sniffing
Is that my personal best?

You want someone to blame?
Then blame the shame

My personal best was the shame
Mom and dad came to save me
Take me from hotel
Took me to the hospital

No stroke again
I don’t know how I came
To land in this clothes

Life turned off lights
For two days
When the light came
I was a hero.

(Hugo Guimarães)

Primeiro lapso
E você é tão gatinho, sabia?
Saltando sob aqueles colchões
Daí a Liz Phair acaba de me cantar no ouvido:
“Me processe por tentar”
“Será que eu tenho problema?”
Mas ela também diz
“Ou talvez você ache isso sexy”
Antes do lapso eu bati meu recorde
De agachamento livre do ano
E fui á minha primeira aula de canto
Cantei “Winter Lady” do Cohen
Ele disse que não tenho problemas de afinação.
Depois do lapso, atravessei a pista
Para pedir desculpas para a Flora.
Sabe o que é um braço bom?
Eu tenho um braço bom
Meu primeiro treino de lançamento de dardo
Foi awesome!
O gift de hoje é uma performance de “Subterranean Homesick Alien” do Radiohead   




XOXO

7 de fev. de 2020

BRAVE AND CHICKEN SHIT


São 03:09 da manhã
E você não vai dormir
Até esse vinil dos Rolling Stones
Acabar, não é?
Ficou vendo os bíceps no espelho hoje
Porque conseguiu arrastar o martelo
Até a academia hoje
Quer saber?
Eu engoli o martelo
No metrô fiquei pensando
Se é charmoso ser um autor
De cem leitores e alguns fãs
Ou se não é charmoso
É vergonhoso
Eu, embaixo do meu falso
Cabelo ruivo
Você pode aumentar
Os bíceps, o trapézio,
As pernas já estão
Um tanto grandes
Mas já parou pra pensar
Quem quer ver isso?
Dá para parar e pensar
Um pouquinho que você é
Um borderline e enfiar
Sua sheela-na-gig no traseiro
Porque nada disso, repita: nada
Vai mudar as coisas
Ele vai te ignorar pra sempre
Porque além de narcisista
Você é feio e velho.
Bem agora chegamos
Na minha canção favorita do vinil
“Soul Survivor”
Só cantar é o que você tem feito
De bom
E amanhã é meu primeiro dia de aula
Sinead O’Connor usava as aulas de canto
Para ajudar na depressão
Vá lá, amanhã, vá
Mostrar sua voz estranha
Tem muitas vozes iguais
É preciso vozes estranhas.
O gift de hoje é uma performance razoável de “Anywhere I Lay My Head” do Tom Waits.




XOXO

6 de fev. de 2020

O CLUBE DO TABACO



Sangue por sangue?

(segundos de silêncio)
Sangue ao quadrado?
(risadas)
Não há ressaca moral
Não há perda da gymn
Há o cinzeiro cheio
O clube do tabaco
Eu puxo o fumo
Ora forte
Ora fraco
Ora na claridade
Ora no escuro
E mais um criação
Mais um livro
É entregue
E quem diria?
Quem?
Que eu sairia da cama hoje?
Peguei duas linhas de metrô
É preciso coragem pra isso
Muita coragem pra comer
Pedaços de pão e café
Para a gymn que acabou
Por não sendo, mas eu fui
Alguém saiu da coleira hoje
Alguém que estava preso na coleira
Há algumas semanas
Será que podemos
Chamá-la de demônio?
Passei o dia inteiro na cama
Dormindo, muito triste
Quer voltar para a clínica, Hugo?
Minha mãe me disse
Na porta do quarto
Mommy and daddy ple-e-ease
Send his love to me-e-eee
Ontem a depressão estava na coleira
Aguentei todo o treino pesado
O treino para lançadores
Não aguentei a última série
De circuito, perdi o ar
Fume. Dessa vez a Flora só pensou
Fiquei sentadinho olhando
Os outros completarem o treino
Daí o Lucas Jaeger passa por mim
Vamos dar uma pausa para o cigarro, sheela-na-gig
You exhibitionist!





“Igor na Chuva” vai bem.
Veja trecho que saiu na Mallarmargens.com (revista de poesia e  arte contemporânea) neste link: http://www.mallarmargens.com/2020/01/jeans-trecho-do-livro-igor-na-chuva-de.html?fbclid=IwAR2A5PIH-rEMm76XBX_GOcthP6lSXfL6d_W7QE-MQDJSAmSmsdbNPB8Xvto e na revista Ruído Manifesto:

 Jeans

Deuses mudam. Homens são os deuses. / .

Pesadelo três: saí bem rápido de casa para cuidar de duas crianças, não lembro quais crianças. Logo, lá estava eu na sala cometendo a inconveniência do homem moderno: mostrando filmes que ninguém pode ou quer ver, o fazendo para dois amigos que por alguma razão, não podiam olhar para a televisão ao mesmo tempo. Pouco antes, vi uma espécie de casal discutindo no metrô, uma caipira bem jovem e um velho japonês tímido. Ela dizia que ele a estava levando para as drogas. Maconha parece pepino quando você está fatiando. Ela dizia isso de forma tão rude e enfática, abrindo aquele livro sobre religião para ele. Dizendo que era uma erva preta podre o que ele andava dizendo a ela. Um cara do meu lado comentou “Como é difícil entender uma religião, não é?”. Quando deixamos o vagão, eu tentei seguir o cara para conversar mais com ele, mas não o encontrei. De volta às crianças, eu tomava conta delas enquanto elas brincavam; não sei se eram meus olhos ruins, mas dei o escudo para o garoto que era o Batman, não para o garoto que era o Capitão América, quando acabou a brincadeira. Fui para casa e a família esperava por nós. Ninguém falava comigo. Dei os dois bonés que comprei para os garotos. Dentro de casa disse “boa noite para você também, mãe”. Ela olhou para mim com uma face muda e raivosa. Meu pai disse que se recusava a participar do natal com aquela atmosfera. Eu disse “eu que devo ir embora, pai, não você”. Abandonei o jantar dizendo à minha mãe que dessa vez seria diferente, que eu não ia esquecer, eu ia tomar nota daquilo nas minhas letras miúdas. Ela começou a chorar. Minha mãe então abandonou também o jantar e veio atrás de mim, veio, sim. Fizemos um passeio mágico pela noite de natal, como se um passeio de tapete mágico, não havia ninguém na rua. Fizemos uma viagem histórica sobre a comida. Minha mãe relembrava todas as comidas estranhas que já tinha cozinhado na minha infância, ou comidas estranhas em festas. Minha mãe colocou como foto de perfil no Facebook uma foto dela do lado de um cavalo, mas a imagem era tão ruim de velha que mal dava para perceber que era ela e um cavalo na imagem, e eu não fiz chacota, fiquei imaginando o quanto aquele cavalo era especial para ela. Fomos à velha casa da minha avó onde ninguém mais mora, onde passei boa parte da minha infância. Então chegou o garoto louro, sim, o que tenho me relacionado; ele, começando a falar inglês com a minha mãe e eu disse que ela não fala inglês, apenas um pouco de francês. Ela começou a cantar curtas canções em francês, o garoto louro fazia chacota, dizendo que ela cantava errado, com a melodia errada. Eu acordei do pesadelo e soube que precisava visitar minha mãe desesperadamente. / .

Inferno na terra: deuses mudam. Homem são os deuses. Deus da segunda-feira. Deus da quinta-feira. Deus árabe. Deus japonês. Louro. Deus de jeans. Deus de caquis. Deus pelado então. Deus é um objeto? É... Porque deus é feito de massa. Então deus existe? Se você o aceitar do jeito que ele é... Que seja. Uma massa. Um objeto. Sim, eu vejo deus. Eu vejo deus em todo lugar. Até que eu não sou um ateu. Não tenho nada de pagão como você acreditava; você que me julgava, você nunca viu nada, e eu sei disso. Uma massa, uma massa visível, um objeto visível feito de água, carne, fios, rocha. Mas é sobre beleza, só beleza. Então você não enxerga deus se você não consegue identificá-lo. Eu consigo. Eu vejo deus em todo lugar, toda hora. É um pouco diferente. Quando você o vê, você não idealiza encontrá-lo de acordo com seu comportamento, fé, ou o seu conceito de fé. Não, eu ando entre deuses o tempo todo, não estou em uma posição de subjugar e não, eu não tenho fé. Mas todo dia eu tento. Juro. Sério. Indo até lá, naquele lugar gay, com minha tatuagem no peito escrito “trust no one” que eu não posso esconder, procurando relaxar, eu nunca relaxo, já que aceito qualquer homem desde que tenha cocaína. Não quero me alongar nesse pesadelo já que ele é sempre tão simples, tão trivial, tão vazio, tão triste. Quando eu começo a beber álcool e cheirar repetidamente, eu começo a chamar deus. E eu sei o nome dele. Sabia o nome dele naquela noite. Comecei a repetir o nome dele. O primeiro, o do meio e o último nome. O fiz em cada intervalo de cada bebida e de cada tiro. E então aceitando homens mais e mais feios. Daí indo ao inferno. E chamando deus. Mas deus nunca responde. Mas você nunca responde. E ri bem gostoso. E aí, venceu a prova? Ganhou a medalha? Are you so fucking cool fucking cool now did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya did ya go tell your fucking friends! 1 / .

Deuses…/.

Tentei uma saída falsa, mas não funcionou. Não preciso explicar o que é uma saída falsa, não? É quando você começa a corrida antes que o árbitro dê o tiro. A questão é que no atletismo isso é trapaça, você é desclassificado se fizer isso, é convidado a se retirar, mas na vida não, você tem que voltar. Houve fortes, estranhos ventos, ventos gelados, a temperatura talvez não passasse de dez graus; não que eu não soubesse disso, temendo Noah, jamais teria certeza, nunca checo o clima no meu telefone. O que eu faço com meu telefone? Faço e recebo chamadas. Aliás, com pouquíssima frequência, pois apesar de pai e mãe, eu não tenho amigos. Para estranhos, prefiro escrever e-mails. Onde estão as meias de cano alto? Não quero essas que vesti. Sujas, claro. Só tenho tempo para a máquina de lavar uma vez por semana, o dia que em que não treino. Às vezes eu perco a vez no dia da lavagem e então empilho, estoco roupa suja. Às vezes uso roupas sujas. Sim, pego de volta na pilha. Como tenho olhos ruins também tenho nariz ruim, cheiro ruim não me incomoda. Bem, afinal se eu não tivesse perdido o dia de lavar, eu teria problemas do mesmo jeito. Não há uma lava e seca nessa casa. O local coberto para secar as roupas é insuficiente para a quantidade de pessoas que moram aqui e chove há sete dias sem parar, a situação se torna inviável. Detesto meia bailarina para calçados que não são esportivos. Andar na rua de botas com meias desse tipo machuca o Aquiles, mas que se lasque. / .

1 Ápice da canção “Anti Pleasure Dissertation”, da banda de punk rock feminista americana “Bikini Kill”

***




Alexandre Melo fez um ótimo texto sobre “Igor na Chuva” que está disponível no Google reads e neste link: https://www.goodreads.com/review/show/3151426200?fbclid=IwAR1oCIY8oPKYXJbC2hqd3FlbCexE-NCB8ne8utqm3xEHSaTORC-yFbV-QDA




Alexandre Melo's review
Jan 20, 2020

really liked it

Chove lá fora e aqui. Faz tanto frio. Faz tanto faz, a chuva cai sem parar quando li e a chuva ia e vinha conforme as páginas desaguavam uma versão de mim que eu nem sabia existir.

Igor na chuva e eu na cisma de que aquela história podia ser minha. Parecia minha. Parece minha. Minha história se parece com a dele? Ou a dele se parece com a de tantos outros que vivem na chuva de sexo, amor, app, sexo, amor, drogas, sexo, amor, cidade fria, sexo, amor, chuva feroz, sexo, amor, busca que não busca nada, sexo, amor, vontade de acabar com o mundo apunhalando o centro do planeta gente.

Igor carrega pela cidade alagada seu peso-martelo feito um penitente. Ele ao menos tem esse peso real a lhe dar a medida exata de seus problemas reais ou não, o peso-martelo está ali, acompanhando feito cachorro obediente, estimação, doenças do corpo e alma de estimação, estima. Quantos de nós não sabem o peso-martelo que carregamos e ficamos andando pela cidade-casa-trabalho-casa-cidade apenas acumulando pesos-martelos?

Há um quê de loucura. Que loucura? Quem é louco? O louco que sabe que é louco ou o louco que acha que loucos são os outros? Que é ser louco? Conversar consigo para tentar obter algum diálogo que faça sentido quando as pessoas só querem falar com seus onliners? Querer sexo gostoso porque sexo é bom mas se vier com algum tipo de amor-de mentirinha-mas pode ser de verdade-até de margarina-mas passe devagar que sou pão delicado não seria melhor? Não necessariamente, sexo apenas é apenas sexo e nada mais e isso é bom, gozar é viver e eu ontem sonhei com vocês.

A cidade berra através da chuva e do concreto armado que atira na cara de todos nós. Concreto armado, calibre grosso, veia grossa, estupro cimento, violação de esgoto, vomitar o que não serve e comer tudo de novo. Igor na chuva e eu na sua. Igor na chuva e eu atrás dele para ver que a cidade é uma besta-fera-bela-escrota-damadanoite-donadodia-senhora-mãe-puta-madama que deseja apenas nos comer e comer e comer e comer, não nossas almas que já as demos quando aqui nascemos mas nossa carne que é dela que sai o suco que sacia a sede da cidade doida e depois o doido sou eu ou somos nós.

Igor na chuva. Talvez ela limpe tudo. Pelo menos lava. Se lava bem ou mal já não sei, não é comigo. Não fiz a chuva. Apenas a consumo. Somos consumidores. De Igor na chuva. Da chuva de Igors que andam pelas avenidas-veias-abertas-sujas-imensas da cidade que chove em nós todos os dias sem dó ou piedade.

Somos a chuca dessa cidade que põe Igor na chuva.

***




Jorge Ribeiro, conhecido revisor, professor e escritor também publicou um belo texto sobre meu livro no Facebook:

Texto que escrevi sobre o livro de um amigo.
O livro Igor na Chuva, de Hugo Guimarães, editora Folhas de Relva. Autobiografia? Ficção? Autoficção? Fiquemos com esta última, sem nos atermos à complexidade de sua conceituação, mas procurando encontrar no conteúdo algumas evidências que o situam no terreno complexo da autobiografia ficcional.
O narrador, um protagonista cheio de ódio e de dúvidas que narra suas aventuras e suas reflexões, em primeira pessoa, desde o amanhecer no quarto onde mora, até sair às ruas e chegar ao centro de esportes da USP.
A chuva. Sempre a chuva. Sexo. Humor.
A ambiguidade narrativa desafia o leitor a se situar entre a realidade e a ficção. Chove no que é real. Chove no que é irreal. E o literário fica sempre em primeiro plano com metáforas e ironias desde o início e durante toda a narrativa. “Sou o último homem de uma geração de homens, e eu não me importo. Só consegui pegar no sono às 7 da manhã devido ao ódio”. “...comecei a chorar desesperadamente dentro das minhas duas mãos”. O ódio explícito do protagonista e o choro diante das inusitadas situações no transcorrer do enredo são recorrentes e revelam pouco a pouco sua conturbada personalidade.
Igor caminha por conhecidos endereços de São Paulo, encontra poucos personagens, conversa com alguns, apenas olha uns outros e esses encontros funcionam como pretextos para suas reflexões de crítica, de raiva e também para provocar e instigar o leitor que se vê mergulhado entre o que é e o que não é. Mas nesse mergulho no poço da contradição da fantasia e do real realiza-se um envolvimento que conduz o leitor a uma leitura ininterrupta como que hipnotizado pelo fluxo narrativo do narrador. O protagonista não é Igor, ele é apenas uma estratégia textual para mostrar o mundo do autor, Hugo Guimarães. Portanto, Igor é o alter-ego do escritor.
Este é um livro sem doçura, sem afagos. Conteúdo indigesto. Uma narração sem piedade de quem lê, escrita para incomodar com palavras e imagens. Para surpreender com um ritmo em que jorram ideias que ora estão no presente, ora voltam ao passado e constroem a vida do protagonista, revelando sua infância, sua adolescência e seu momento atual.
O narrador, ao contar a história, avança e retrocede durante todo o percurso e utiliza o tempo para expandir a percepção do leitor em um mundo ficcional ambíguo, expresso com linguagem que encanta e preocupação estética que alicerça a história com eficácia poética.

O gift de hoje é uma performance razoável de “What Ever Happened” dos Strokes.

XOXO