"Eu Não me Lembro do Holocausto"
Um conto de Hugo Guimarães
Na minha tenra idade eu queria ser um arremessador de martelo no meu quintal. Eu girava gatos fugitivos pelo rabo. Girava e girava esperando lançá-los o mais longe possível. Ás vezes eu errava o arremesso e o gato se fodia na parede ou se fodia na grade de ferro ou apenas voava por cima de ambos, caía no chão do vizinho e saía andando. É uma questão de ver as coisas. Mas uma questão de vítima. Eu sou uma vítima. E eu não era forte o bastante para arremessar um martelo e nem vim a ser. Por isso eu arremessava gatos.
Acordei essa manhã rejeitando tudo. Dos meus remédios, eu sei, até minha gata que desejo ás vezes arremessar da janela do meu apartamento, ás vezes quando faltam meus remédios. Eu me pergunto se criar uma gata é redenção ou perseguição, comigo culminando em realmente arremessá-la da janela. Minha médica disse que isso é transtorno bipolar. Eu pensava que bipolares eram os ursos bissexuais até aquele dia. Eu não me importo. E eu não vou á análise. Eu só tomo remédios por pura e barata diversão sem graça, e meu médico é uma mulher. Que crédito eu posso dar á uma mulher?
Eu odeio todos os americanos de todas as Américas nessa manhã. Estou sujo como um europeu velho. Eu desisti da minha mãe, eu desisti do meu desejo e me escondi dos amigos engraçados. Desisti de tudo. Mas é engraçado, muito engraçado que eu acordei e meu pau estava duro quando eu fui mijar, e foi difícil, é difícil quando você tem um pau doce e pequeno enchendo a sua boca; a vida comendo seu cu de pau mole e você goza, você goza, entende? Eu faço muito isso e preciso parar. Gozar é algo que entra na minha cabeça, vindo do lado de fora da porta. Esse “algo” são os garotos, e eles são garotos heterossexuais, e isso precisa parar. Eu poderia ser densamente introspectivo observando freiras da minha janela, mas eu observo garotos, só garotos.
Na verdade, é da janela do meu amigo Ivan que eu observo esses garotos. Da minha janela eu só consigo ver os garotos no parque que construíram do lado da favela. Garotos negros e sujos circulando e ninguém deste prédio vai até lá por medo, por nojo, pela superioridade interna que é clara, por manter a cadeia social como ela é. ‘Nós perdemos o parque, os favelados perdem tudo’ esse é o espírito. Eu estava feliz por estar lá encima do prédio desejando um grande incêndio para queimar a favela, desejando alguma atitude do governo para simplesmente sumirem com ela daqui.
Se eu fosse surdo, podia ser o silêncio. Se eu tivesse uma abelha presa dentro do meu ouvido, poderia ser o grito; mas são as rodas de skate. Rodas de skate no asfalto que infernizam minha cabeça até o pau que eu tenho aqui na mão não parar de pulsar e isso tudo é um lindo, lindo garoto. Algo está errado. Como vou dividir minha casa com espíritos, silêncio, feiúra, sujeira, puro ódio se aqueles garotos ensolarados estão lá no asfalto? Todos eles dissolvidos em sangue dentro do meu pau que pulsa e pulsa. Eu sinto a morte encapuzada com um pau enorme, como uma picareta. Eu sinto uma estátua de cemitério com um pau de pedra. Tudo por causa dos lindos garotos que saem da minha cabeça e assustam a minha casa. Eles se transformam nos espelhos e dizem “Você é feio, garoto”. Eu sei disso e eu não posso apenas desistir. Meu desejo anda com rodas de skate pelo centro da cidade, e eu preciso continuar acreditando que uma foda de verdade vai acontecer e essa manhã eu comecei a fazer algo, de verdade. Eu realmente comecei um dia na vida fazendo algo. Eu pensei que teria o meu Sk8er perfeito.
Bom, tudo isso eu pensei na manhã de ontem, na verdade. Ontem á noite eu fui á casa dos meus amigos. Eu queria não ter amigos. Eu queria encontrar a casa deles vazia ou que eles pudessem ser só vazios, que não pudessem me ver. Eu queria entrar lá como um fantasma curioso. Eu queria ouvir o que eles dizem, queria ver o que eles fazem, mas eu não queria ter que concordar com tudo, não ter que dividir garrafas que não tem o gosto que eu quero. Eu sempre me sentia assim, mas ontem eu podia sentir meu corpo mais vivo, meu copo mais vivo, ironicamente. Eu queria existir. Eu queria fazer algo.
Eu e mais três veados, nós somos a banda “The Five AIDS” ou “Os Cinco AIDS”. Mentira, esse era o nome que eu queria para ela, mas ninguém quis porque ninguém mais pega AIDS. Ou então essa doença jamais existiu, como falam do holocausto. A verdade é que essa doença não assusta mais ninguém. Ela é velha e nós somos jovens. Ela é fraca e nós somos fortes. Então decidimos pelo nome “Travis Bates Band”. O nome significa o filhinho de dois grandes homens maníacos: Travis Bickle, o maníaco socialpata do filme “Taxi Driver” e o matricida Norman Bates de “Psicose”. Parece perfeito. Temos famílias desastrosas dentro de um caos urbano. Anthony Perkins, um veado de beleza frágil, combinando, claro, com a beleza cachorra e violenta do Robert de Niro. Imaginá-los trepando é uma cena perfeita para uma banda de rock de veados musicar, e principalmente por não sermos cinco e sim quatro. Na verdade, não temos nome nenhum. Colocar nomes em grupos de amigos é norte americano, é pretensioso, é egocêntrico, é inútil. Assim como o autor da idéia: eu. É tão engraçado não termos nomes... Então decidimos nos chamar uns aos outros apenas com as primeiras letras dos respectivos nomes: Eu sou Hugo, e tem o Ivan, o Van e o Summer. O que nos faz os HIVS! Poderia ser engraçado, mas não é. Ninguém fala nome nenhum.
Lá eu estava com meus amigos. Até a noite de ontem não éramos nada além de eu, escritor. Ivan, um amante de mijo. Van, um fanático por câmeras e Summer, o garoto Baseball. Ivan é o dono da casa, o típico migrante do interior do estado que vive em um velho apartamento da família. Ele mija porque o mijo dele é claro o bastante. Eu acho que ele mija porque está na moda. Eu não creio que ninguém mijou nele na infância, porque acho que as pessoas não colocam traumas em fodas. Eu imagino isso porque meu pai espanou minha cara muitas vezes e um dia, quando eu achei que seria legal apanhar de um garoto na cama eu lembrei o quanto odiava meu pai. E meu coração disparou. E meu ar sumiu. Acho que o Ivan mija como um cachorro mija um poste, eu acho. O faz por uma questão de fluência, eu penso. Mesmo porque quando ele goza, ele não consegue lambuzar os meninos como ele gostaria, ele não consegue gozar como eu faço.
“Van the cam” ou “Van the man...” Nenhum de nós seria imortal se não fosse pelas câmeras dele. Nós somos imortais porque ele não gosta de fotografias. Ele não gosta de filmar o céu e as estrelas e como elas se movem. Ele gosta de filmar paus, ele gosta de filmar fodas, ele gosta de filmar qualquer coisa que não seja só obviamente quente. Ele não filma somente ejaculações em super closes, mas ele filma sk8ers nas ruas e sua câmera foca só o cu deles. O cu deles em movimento... Passeando... Entende? Em outros de seus filmes curtos de ruas, ele filmava os mais belos garotinhos de 10 anos de idade do bairro de Pinheiros chupando melancias. Sabe o que eles ganhavam por participarem dos filmes? Melancias. Depois ele editava os filmes colocando sua narração dizendo que ele estava se masturbando enquanto filmava os garotos com as bocas, pescoços e mãos encharcadas de melancia. Em outro dos filmes, não se via skate nenhum, nem boné e nem cu dentro de jeans grande. Mas se via um garoto ruivo de 14 anos que ele conseguiu prender com a ajuda de dois amigos, levando um banho de refrigerante em um parque. Todos esses filmes eram coisas melhores para fazer do que beber em frente á uma TV como estávamos fazendo ontem.
A mãe do Van não está nessa cidade. Ele veio para estudar cinema e foi o que ele fez. Eu tenho inveja porque ele é mais bonito do que eu, mas eu o perdôo, posso viver com isso. Porém eu o golpearia na cabeça. Eu tenho que dizer que eu estouraria a cabeça dele se eu tivesse oportunidade. Só porque ele tem mais dinheiro. Eu o acho saudável demais, como se fosse uma vaca que comeu mais grama do que eu, grama melhor. Como o Ivan, ele também veio do interior do estado e eu poderia morar em um bairro mais alto se não fossem os migrantes. Claro que a presença deles não é grave como a dos nordestinos, mas é um mini caos. Se eu estivesse perto de não ter escolha, eu o acertaria na cabeça, sem dúvida.
Summer é uma cadela. Se eu tivesse uma cadela, esse seria o nome dela: Summer. E esse é também o nome do nosso último amigo. Feio. Nós outros parecemos três garotas perto dele. Ele é norte americano (...). Quem se importa? Foda-se, contudo... Ele é o maior e mais forte e tem um pau gigante. Aquele pau imenso foi o protagonista do final de muitos dos nossos porres... A última estrela da noite... A última gota de sangue para os bêbados... O último gosto da noite, a ambulância. Tudo isso é tão trágico como o pau do Summer. Ele tem dois paus. O outro é um taco de Baseball. Um brinquedo para jogos risíveis e um taco de violência, claro. Todos os garotos feios desejam destruir algo, eu acho. Eles querem enfear o mundo também. Eu e os garotos só queremos uma parte da raiva dele além dos paus, naturalmente. Por isso, Summer não nos destruiu literalmente e esteve na noite passada conosco.
“Eu não quero estar aqui agora” Eu disse á minha cerveja preta. “Esses moleques não são a companhia que eu deveria ter” eu disse ás teias. “Eu simplesmente não consigo ser feliz como esse lindo momento sugere... Drinks... Risadas... A mesma depravação... E nada eu espero a mais e eu não tenho esperança” Eu pensei e pensei e logo conclui que eu não deveria fazer do mesmo jeito, devia dar um passo adiante. Muito rápido, subi dos porões da escuridão do isolamento e da morte para a excitação e o desejo, e foi com eles que eu fiquei.
Eu entrei na casa do Ivan ontem com a minha gata e começamos a filmá-la tentando sair de dentro de uma sacola plástica amarrada. Isso não é sofrimento. Eu comecei a pensar em sofrimento quando os olhos azuis da minha gata lembraram os olhos azuis do Lucas, um sk8er que mora na rua vizinha. Nós quatro o foderíamos facilmente, e quatro continentes inteiros, também. Nenhum de nós tinha levado estupro á sério até a noite passada, e ele era apenas um garoto belo andando por aí e... Nós não tínhamos nada como o sofrimento dele em nenhuma droga de filme. Eu disse ao Van que isso era uma vergonha e ele disse que não estava bêbado, que ninguém estava e que não estávamos brincando.
Podíamos ainda ouvir algumas rodas de skate lá embaixo. Só o que ouvíamos. Pois felizmente, já tinha acabado o maldito culto dos evangélicos malditos. Então eu comecei mais uma vez á discursar sobre meus ideais homo terroristas; havia o primeiro deles que não era homo, era sobre nordestinos. Um projeto de lei que limitaria empresas nas contratações de pessoas de fora do estado. Algo como cinco por cento do quadro ou algo assim. Isso inibiria a migração para a nossa cidade e impediria que ela continuasse transbordando. Os fodidos dos nordestinos são os que mais transbordam a cidade e todos os cidadãos e universitários daqui que conheço, gostam da idéia. Todos racistas, essa é a verdade.
Outra brilhante idéia era juntar os garotos para criar o movimento “Quebre um skate”. A idéia simplesmente consiste em quebrar um skate para cada caso de violência homofóbica já praticado em nossa cidade. A abordagem seria feita em bando contra sk8ers desacompanhados que ouviriam “Um skate por um veado espancado”. A idéia original mesmo era quebrar o skate na cabeça do garoto, mas isso não seria viável... Mas só quebrar o skate na frente dele já seria prazeroso. Meus amigos amam a idéia, amam.
“Play”. Começamos a filmar a noite com o infame banho da minha gata. Ela já estava presa no banheiro quando começamos a mostrar o quando estávamos sincronizados para o Lucas... Nossos três paus duros dentro das calças apontavam para a mesma direção. Nada muito relevante, que culminaria em um estupro de um boneco inflável que atuaria como Lucas. Várias tomadas depois de apertões de paus duros dentro de calças e eles queriam já pular para fora. Só que não de uma forma usual. Não era o que a noite propunha. Já era madrugada e essa, uma cheia de ódio. Então descemos as escadas filmando e alguém deveria cair no final do filme e não seria nenhum de nós... Ao menos era essa a narração, essa a idéia.
Lá nós estávamos na rua. Eu tinha uma faca. Eu não sei se é porque meu pai matava animais – matava gatos que entravam no nosso quintal e as paredes amanheciam com pegadas de sangue – destroçava bois mortos para vender anos depois, mas a única arma que eu podia manusear bem era uma faca. Eu podia mostrar e podia usá-la, facilmente. Summer tinha o seu taco de baseball e ninguém joga baseball nesse país, especialmente na rua de madrugada. Isso significava que alguém cairia. Ivan, bem... Nós estávamos na casa dele e toda casa precisa de uma arma de fogo e lá estava ele mostrando ela dentro de suas calças e aquilo significava que alguém se furaria e não poderia vender a pele morta tatuada.
Lucas, o garoto que íamos estuprar era colega de colégio do Ivan. Eles não conversavam. Era belo quando ele sentia frio e vestia uma blusa, cada um dos pêlos de algodão que tocavam sua pele naquele gesto, comoviam e retardavam o pensamento do Ivan. Belo quando ele comia um sanduíche, a forma tão rápida que podia mastigar – os fluídos cerebrais do Ivan tornava saliva, ketchup, cebola, mostarda, seu corpo morria enquanto ele estava dentro da mastigação do Lucas - O quanto sua boca era grande. Ele não conseguia fazer nada além de andar em um skate e ele continuava belo com o passar dos anos, e as garotas feias podiam capturá-lo e derrubá-lo em uma cama ou em alguma arquibancada porque a vagina era a razão da existência do mundo. Qualquer vagina. Talvez menos as vaginas negras, mas grande parte das vaginas. Os garotos da área sempre foram regulamentados pela vagina e lá estávamos naquela noite, famintos pelo cu virgem do Lucas. Famintos por sua pele virgem. Famintos por sua boca. Famintos por sua pele seca.
Dois ou três garotos como Lucas andavam de skate com ele. Mas eles não tinham sincronia e mantinham distâncias que não eram uniformes. Estava muito escuro. Estávamos na rua de trás do museu e éramos quatro. Ficamos lá parados como fantasmas. Estávamos lá por algo e Lucas pensou o mesmo. Então ele veio até nós e dirigiu as primeiras palavras ao Ivan depois de todos esses anos.
– Blz, mlk? e Ivan disse: “Blz...”
– O que você tem? Então Ivan mostrou o que carregava no bolso e não era pastoso, não era em pó, era metal.
– Ta loko mlk?
– Cale a boca. Eu disse. Eu que nem mesmo o conhecia. E essa não é uma forma educada de se apresentar. Foi aí que Lucas percebeu que algo não ia bem.
O Summer pediu a porra, apontando para o skate, então Lucas não era mais um sk8er. Era um frango, alguém vestido de frango. E não tinha mais skate. Summer é que tinha, além de um taco de baseball. E era feio e assustador.
– Vamos passear, tente relaxar. Eu disse. Eu poderia ter usado a palavra ‘rolê’ mas essa não era a minha língua. Ele é que deveria falar a minha língua, e eu pisaria no peito do pé dele em toda falha de pronúncia da língua portuguesa que ele cometesse desde então. Mas ele não disse nada.
Nós subimos pelo elevador e o zelador estava dormindo como sempre. O elevador era pequeno para cinco garotos e eu comecei a acariciar a pele do braço dele com a ponta da minha faca.
O garoto disse que não tinha nada, estupidamente e ingenuamente.
– Eu também não. Eu disse
Dentro do apartamento do Ivan, Lucas já estava desesperado. Ele dizia que podia conseguir qualquer coisa, legal ou ilegal.
– Repita para a câmera. Eu disse. Então Van tinha finalmente algo real e fascinante em película, jamais registrado. O garoto repetia roboticamente.
Van me devia.
Summer entrou em cena empurrando o garoto no chão e então nós começamos nossas intimações poéticas ao garoto no chão.
– Palavras
– Com
– Asteriscos
– E
– Caveiras
Ele revidou:
– Pegue o que quer, me deixe ir embora.
Eu juro que tentei entender dessa forma. A frase não foi corretamente pronunciada, claro. Era outra língua que o garoto falava. Mas o mais inaceitável é que um Sk8er não pode oferecer nada material, simplesmente não pode fazer isso para se safar de coisa alguma, esse é o espírito, por isso ele merecia apanhar bastante.
Summer usou seu primeiro golpe norte americano cutucando a bochecha do garoto com a ponta do taco de baseball, sentindo o que tinha entre a maçã do rosto e a mandíbula direita do garoto: pele e dentes. Os poucos golpes o deitaram assim como o extremo bom humor de todos nós. Mas Lucas reagiu como um animal de rua.
“Para com essa porra, filho de uma p***!” Foram suas últimas palavras, a última, interrompida. Eu disse “Não vá perder nada com essa p*** de câmera!”. Ivan sentou no colo do garoto e segurou um dos braços dele contra a parede. Summer prendeu seu outro braço e segurando pela sua mandíbula, onde tinha quatro dedos na língua da vítima e o polegar pouco acima da garganta, chocou a cabeça do Lucas contra a parede de uma forma tão viril e tão animal que ele nem correu o risco de ter a mão mordida. Eu voltei da cozinha com uma garrafa de vinho barato. Summer substituiu sua mão de açougueiro e enfiou na boca do garoto tudo o que pôde da garrafa. Summer passou a cuidar só do outro braço da nossa presa e eu tomei-lhe a garrafa para pressioná-la na garganta dele o mais forte e ritmado que eu pude. Fiz isso até ele se debater tanto a ponto de expressar que estava sufocado, mesmo por que a garrafa estava aberta. Risos. Eu disse “Olha Van, como ele está lindo... E nem está sangrando...”. O vinho ainda escorria pelo pescoço dele assim como seu estado ofegante, então Summer começou a usar o taco de baseball como deveria. A regra era simples, se Lucas não abrisse bem a boca por vontade própria ele levaria um golpe na cabeça até que o fizesse. Logo ele sangraria muito. Ivan dizia “Abra a boca, putinha... Abra a boca”, então o garoto tentava abrir a boca o quando podia depois de dois bons golpes. Tentava abocanhar o taco, mas era inútil... Aquele taco não cabe na boca de ninguém. Mais risos. Summer acertou-lhe o olho mais três vezes. Ainda estava só roxo. Então, antes que começasse de fato a sangrar começamos a fazer o ritual clássico dos sk8ers, começamos a chutá-lo todos juntos. Eu preferi chutar o rim, Summer chutou na face mesmo, Ivan preferiu usar a sola do tênis no peito. Repetimos os golpes várias vezes. Só eu, acho que acertei uns oito chutes. Lucas já estava fraco. Fraco como um passivo.
Então começamos outra parte do ritual. Prendemos suas pernas para termos mais conforto. Ele gemia. Então finalmente demos o golpe no supercílio para que ele sangrasse, era o que queríamos. Então abaixamos as calças, todos, e começamos a nos masturbar olhando aquele garoto maravilhoso, sangrando, machucado, indefeso... Em nossas mãos. Era hora de a minha faca entrar em ação. “Fecha a boca dele, Summer” e eu fiz um pequeno corte em seu braço. Ele gritava pelo nariz. Tive que fazer mais dois cortes para desenhar a minha letra inicial, H. Então, com a minha boca no ouvido dele, disse didaticamente. “Agora você vai chupar, cada vez que não fizer direito, eu vou cortar mais o seu braço. Se você morder, eu vou cortar o seu pau e enfiar na sua boca, entendeu?”.
Porn stars. É o que queríamos ser. Mas a estrela era o Lucas quando ele começou a chupar cada pau, por ordem de tamanho. Ele não decepcionou nenhum e não mordeu. Então a paz tomou aquele apartamento. Beethoven, Bach, todos foram cogitados para musicar aquele deleite, mas o autoreverse de “Touch Me With Your Love” da Beth Orton, venceu. O banhamos com vinho tinto. Ele ainda chupou os paus molhados de vinho. Banhado de vinho ele parecia mais ensangüentado. Isso é cinema. Seu corte não sangrava tanto. Então o deixamos mais sexy ainda. Misturamos cores. Nós três gozamos na cara dele. Muita porra. Van usava os closes nas partes certas. Focava o garoto banhado de porra, vinho e sangue do jeito certo. Muito empenho do Van. Mesmo porque ele não quis tocar o garoto. Ia se masturbar vendo o filme depois. No final, há a limpeza. No final, há a ordem. Ivan é que protagonizou o final do filme, o esperado final: o mijo. Ivan tinha todas as vaginas da escola em sua urina naquele momento, eu sei. Todos os sons de rodas de skates viraram urina na bexiga do nosso querido amigo. E lá estava a redenção. Ivan lavou todo o vinho, o sangue e a porra da cara do Lucas, com jatos bem fortes... Dos que apertamos o pau e depois soltamos para ficarem fortes. Uma redenção.
Estávamos todos satisfeitos, mas faltava algo. Algo que podíamos começar aquela noite. E tínhamos que fazer intensamente como tudo o que tinha sido feito até então. Juntamos nossos três underwears, amassamos e enfiamos na boca do Lucas um por um. Fechamos com silvertape. Lá estava ele de novo, focado na câmera e Summer logo ao lado com seu skate na mão. Era o meu presente, então todos começaram uma vencedora contagem regressiva. Quando o número um chegou, Lucas recebeu a primeiro golpe do seu próprio skate na cabeça. No terceiro ele já não tinha mais os olhos abertos, aqueles lindos olhos azuis. Como era menos belo com a ausência dos olhos, merecia se foder mesmo. Foi preciso mais três golpes para finalmente quebrar o skate. O filme terminou com palmas, nossas palmas. Eu pensei que podia morrer aquela noite. Eu já me sentia realizado na vida. Eu sabia que eu poderia me considerar já uma pessoa boa e justa e que vingara muita violência homofóbica e muita covardia. Lá estávamos nós com aquele garoto fodido, finalmente. Não sabíamos o que fazer com o corpo. Sequer sabíamos se estava morto. Então decidimos guardá-lo. O colocamos no banheiro junto com a minha gata carnívora para que ela fizesse mais algum estrago e a gatinha teria alguma diversão na noite também. E lá os trancamos.
Nós queríamos mais.
Lucas não poderia nos dar mais nada.
A mesma angulação de câmera, aquelas mesmas escadas nos levaram para a rua de novo. Levaram-nos para a mesma rua escura atrás do museu e bebemos mais. O ar frio da densa noite era o fumo depois da foda, era como a liberdade do assassino, do apartamento á rua. Nós estávamos esperando outro sk8er. Talvez não encontrasse nenhum porque era muito tarde, mas ficamos lá, na noite do foda-se, que a esquadrilha da fumaça das nossas bocas desenhava lentamente no baixo céu: f o d a – s e. Era uma noite mais enfumaçada do que as outras e foi por isso que não podíamos ver que estávamos em perigo.
Tínhamos telefones. Sim. Decidimos depois de algumas dezenas de minutos, nos separar e nos comunicar caso algum daqueles bostinhas aparecessem por perto. Eu pensava em um cu. Eu me perguntava algumas vezes porque não fizemos nada com o cu do Lucas e eu queria ter fodido. Devia estar o máximo aquele cu... Devia estar sujo, devia ser bem peludo e ele ficaria constrangido demais. “Seu veado de cu sujo” ia meter naquele cu dizendo isso e ele ia gemer. E se meu pau saísse do cu dele limpíssimo? Meu Deus... Isso provaria que ele é uma puta, uma putinha bem safada, bem cuidadosa... Mas teremos outra chance com outro daqueles filhos de puta. O Summer não vai deixar de brincar com o taco no cu do próximo moleque, não mesmo.
Lá estava eu no meu ponto de espera. Ansioso. Enquanto eu esperava, eu observava uma lésbica chata dando uma entrevista para um cara desses programas que ninguém vê. Eles escolheram uma rua escura, limpa e calma para a conversa; quando se gravava a discussão passou um caminhão de lixo atrás da sapatona. Isso deve ter ficado perfeito. E não é “lésbica”, não é “sapa”, nem “sapata” tampouco “gay”. É “sapatona”, essa é a palavra para definir essas chatas. O caminhão de lixo significou a perseguição contra lésbicas, deixando a entrevista feia. A perseguição subjetiva, eu digo. As lésbicas têm o mesmo problema dos negros nessa cidade: A frase “Coitada de mim” que anda com eles, que não sabem o que é ódio. Os odiados de verdade são os garotos homossexuais e eu estou pouco me fodendo para isso e meus amigos também. As lésbicas se fodem sozinhas com isso, o que faz delas umas idiotas.
O caminhão se foi, a lésbica se foi e eu fiquei lembrando-me de um tombo muito engraçado de um nordestino em uma rua mais abaixo. Ele tropeçou em uma mangueira de um caminhão que lavava a rua. Um tombo completo, fantástico. Só um nordestino muito estúpido poderia cair daquele jeito. Mas pensei também que os nordestinos não são o problema dessa bosta de cidade, sabe? O problema são os sulistas. Eles são mais bonitos que nós. Eles dizem que os nossos garotos são frangos de natal e as nossas garotas são barangas. E eles vêm andar nas nossas plataformas, veja só... E eles vêm andar nas ruas também e isso ás vezes me provoca pesadelos nos quais eu tropeço sucessivamente em plataformas como ovelhas pulam cercas. Por isso estou aqui esperando esse maldito sk8er, porque ele é belo.
“Lá vem ele”
Um sk8er chegou até o Ivan. Nós três estávamos prontos para nos aproximar e capturá-lo, mas algo estranho aconteceu. Cinco outros apareceram e começaram a espancá-lo antes que dissessem qualquer coisa. Ele levou vários chutes por todo, todo o corpo. Foi logisticamente chutado. Foi sortidamente alvejado. Foi deixado caído. Não sabia em que estado. Meu estômago ainda tinha espaço para medo. Mesmo com tanto vinho. Liguei para o Van:
– Van, você viu aquilo?
– Vi sim
– Você gravou?
– Gravei
– O Summer não está no lugar dele, viu para onde ele foi?
– Não, não vi...
– Cacete... Vem pra cá, rápido!
Bem logo e bem assustado o Van apareceu com a câmera.
– Está tudo aqui, chame a polícia.
– Está louco? Você sabe o que tem mais aí nessa câmera?
– Eu edito e nós vamos.
– Nós precisamos achar o Summer primeiro, ta?
Então eu e o Van andamos pausadamente pelas ruas próximas. O telefone não respondia. Então ele apareceu em uma esquina, dormia levado pelos braços por dois daqueles moleques, sangrava. Eu não sei o que ele fez, não sei o que ele disse, mas eles fizeram igualzinho como fizeram com Jesus. Dois garotos o seguraram cada um por um braço, na posição de cruz. Outros garotos já chegavam e a cabeça era o principal alvo. Eles socavam a boca até conseguirem tirar um dente e o fizeram engoli-lo. Eu e o Van estávamos escondidos atrás de árvores. Eu cochichava para mim mesmo “Não perca...” eu não podia fazer barulho. Mas eu caí. Desculpe-me, mas eu caí. Eu escorreguei e rolei pela pequena colina coberta de grama que acabava na rua de baixo. Aquilo fez barulho, claro. Desculpe-me.
Quando rolei o bastante, eu me vi encima de uma sarjeta com grade. Eu estava bem cansado, mas consegui tirar a grade e me jogar lá dentro, porque eu tinha medo, muito medo. Lá de dentro, eu ouvi um som que sem dúvida era câmera do Van sendo destruída. Eu ouvi deleite dos garotos. Um grito torto do Van e nenhum som humano, só da câmera. Ela foi quebrada na cabeça dele, eu sei. E lá estava eu dentro daquela sarjeta quando tudo se dispersou. Lá estava eu dentro de uma droga de sarjeta. Era perfeitamente o meu lugar. O lugar de um veado pobre, podre e fodido. Era o lugar que a sociedade me colocou. O silêncio. Pensava que logo amanheceria e o sol, todos os tênis azuis e lindinhos dos lindinhos garotinhos da região dos jardins andariam sobre a grade daquela sarjeta em direção á escola. Aquela mesma grade que já havia sido pisada pelos prostitutos mais belos a modelar pela região dos jardins. Logo eles iriam dormir. Talvez doesse menos ter sido espancado também e ter o sol iluminando meu sangue lá encima, na rua. Onde eu teria socorro, piedade ou morte. E dentro daquele sol, eu brilharia como um anjo e á noite, eu brilharia como uma estrelinha. Brilharia a noite onde muitos, muitos sk8ers passeariam com muita, muita beleza.
Tudo o que eu sei de verdade, é que como em muitos outros amanheceres, amanheci sozinho, sujo e sem querer acordar cedo. Quando a manhã chegou, eu saí da sarjeta com dificuldade. E lá estava eu pisando no chão de novo, como um garoto das Américas sentindo ódio de novo. Era o fim da Travis Bates Band, mas estava tudo certo, sabe? Os garotos sequer sabiam segurar os instrumentos.
Eu quero ficar sozinho. Eu não quero ver corpos. Eu não quero saber se estão vivos ou mortos. Se algum deles me ligar, vou fingir que estou morto. Morto como me senti encarando a rua essa manhã em direção á esse centro podre. Minha gata ainda deve estar comendo aquele corpo, ou não. O garoto pode ter simplesmente ter acordado e ido embora. Foda-se, não me importo nem com ele e nem com a gata.
Uns montes de nordestinos estão aí fora por essas ruas podres vendendo porcarias, cantando porcarias, enquanto estou aqui nessa bosta de bar conversando com você tomando essa droga de café. A propósito, você está tanto tempo morando aqui que nem tem mais sotaque de nordestino, não é? O que você acha de irmos agora trepar em um desses motéis baratos? Eu não gosto de café.
p. hugo guimarães, 2010.