5 de jun. de 2020

HISTÓRIA DO PAU

eu nasci em um deserto
vivo em um deserto
estou velho
mas pareço jovem
tenho uma beleza
contestável
e não paro
de pensar em você
em cada hora
penso onde você está
o que está fazendo
se está bem
sei que somos
ambos de esquerda
mas preciso escalar um pico
meu alpinismo social
apenas começou
vamos nos encontrar
na pista quando tudo isso
acabar
nas competições
de salto triplo
e dessa vez
eu é que vou perder
pra você
e eu não me importo
eu daria todas
as medalhas de ouro
do mundo pra você

***

desconfio com base
de que não vou
conseguir outro homem
que vou ficar sozinho
daqui até morrer
hoje mesmo eu pensei
em desistir de usar
batom preto o tempo todo
de deixá-lo só para os palcos
e para as competições
quero um menino novo
e menino novo
quer menino novo
a não ser que eu seja
uma estrela
e eu já comecei
apenas comecei

***

me arrependo
profundamente
de não ser virgem
todos os homens
que me relacionei
formam um monte de bosta
o primeiro era gordo
e não gostava de gordos
era afeminado
e não gostava de afeminados
era de São Mateus
e detestava quem era
de São Mateus
tinha a língua presa
e sérios problemas
com a própria imagem
tentou matar minha gata
colocando-a
dentro da geladeira
me dava presentes
quando eu estava
com o pé na porta
me pegou com
uma charme barato
vinha me buscar em casa
pagava o rolê
e me deixava em casa
me deu uma aliança
no dia em que eu pretendia
me livrar dele.
começou a engordar
depois que me deu
aquela aliança
era feio
bem feinho
conseguiu fazer sexo
com homens muito bonitos
por minha causa
fazíamos sexo a 3
e os homens bonitos
só aceitavam fazê-lo
por minha causa
eu ficava
com vergonha alheia
dele
ainda deu-se ao luxo
de me trair
como eu também
o traia muito
por precisar
de um garoto belo
ás vezes
e com um pênis maior
o pênis dele parecia
uma banana nanica
acabou trazendo
em uma caixa
todos os presentes
que eu lhe dei
e passou a me cobrar
dinheiro
e ameaçar sequestrar
minha gata.
um ano e quatro meses
amassados e jogados no lixo
tudo o que eu queria
era um homem bonito
e educado
de boa família
que morasse
em um lugar bom da cidade
e eu perdi várias oportunidades
para ficar com aquele feinho
por dó
tinha dó de terminar
até que terminei.

o próximo me apresentou
a cocaína
que até hoje não consegui largar
plenamente
era pobre
os outros o achavam feio
eu o achava bonito
só após o termino eu enxerguei
que ele era feio
feio e louco
racista
bem pobre
morava em uma casa
bem pobre
o levei para morar comigo
no meu apartamento
e lá nos entupíamos
de cerveja e cocaína
muito depois
só muito depois
eu pude perceber
que eu não estava
apaixonado por ele
e sim pelo melhor amigo dele
um louro deslumbrante
daí eu mantinha o relacionamento
para ter oportunidades
de ver o melhor amigo dele
de ir á casa dele.
um ano e quatro meses
amassados e jogados no lixo

o terceiro era bonito
mas era gay
mesmo assim
eu morria
de ciúmes
ele tinha vergonha de mim
talvez por causa do meu nariz
eu o trazia para a minha
confortável casa
pagava o rolê
ele me introduziu á cena BDSM
me chicoteava
e eu gostava
ninguém gostava de mim
no clube dominatrix
tudo o que eu precisava
era de um homem de verdade
quatro meses e uma boa quantia
em dinheiro amassados e jogados
no lixo.

o quarto também era bonito
mas era um sangue suga
cheirava mais do que eu
um dia cheirou o dinheiro
do aluguel inteiro
e se convidou para morar comigo
não consegui dizer não
ele pagava menos aluguel que eu
e eu pagava toda a cocaína
cocaína da boa
até ambos de nós
emagrecermos quinze quilos
e eu perdi meu corpo perfeito
que esculpi até 2017
agora estou aqui
no meio do deserto
tentando recuperar
um corpo parecido
porque vou precisar de um corpo
quase perfeito
porque vou voltar a lançar dardo
vou voltar a fazer salto triplo
e você, espero que tenha
morrido de overdose
ou falido e voltado para Lins
pra sempre
o nosso vizinho o chamava
de bicha pão com ovo
e era exatamente o que ele era.
quatro meses e um belo
e musculoso corpo amassados
e jogados no lixo
há males que vem para bem
publiquei outro livro depois disso

tudo o que eu quero agora é você
você que perdia pra mim as provas
de salto triplo
e que tem uma beleza
exuberante.

tudo o que eu quero agora
é um homem de verdade.

XOXO


30 de mai. de 2020

UM MONTE DE GENTE MORTA

me sinto um deus grego por um instante
em me comparar com o marcelo solidão
que deveria estar bem trancado em um hospício
até morrer
ou morrer na rua
de pauladas na cabeça
as das mortes são plausíveis

você eventualmente
beija homens?
eu não seria um deles, seria?
você me olhava com cara de interrogação
nas competições
o que você pensava
eu queria um beijo
um beijo
em um momento você vai perder
uma das pernas em um acidente de carro
até a sua boa morte
confortável
um beijo

de repente se chega aos cinquenta
ainda assim você seria meu
are you my man?
até morrer de uma morte inglesa
vítima de dieta gorda

e eu vou voltar
para a velha casa no pântano
para devolver a educação
até morrer bem tarde
por ser tão ruim
aos 120.



O gift de hoje é uma performance de "Hard to make a stand" da Sheryl Crow.



XOXO

27 de mai. de 2020

GRASS

meu pai 
irritantemente resolveu
que as paredes precisam de reforma
que estão em ruínas
como algum monumento na Grécia
derrubou água e sujeira em mim
de propósito.
é o efeito "batom preto"
sim, falei para a minha mãe
que ia começar a usar batom preto
ela reagiu
"Só quando você estiver cantando, longe daqui"
o que é um homem que não pode ser livre?
não, ainda não posso dar o fora daqui
me senti morto e enterrado por um dia.

é o destino ou o lítio?
no dia seguinte recebi
uma crítica positiva para o meu romance novo
de uma indicada ao Jabuti talentosíssima
os jejuns do esnobe me inspiraram
perdi três quilos
estou ficando forte
e estou lançando um pedaço de madeira
bem longe
na rua deserta da delegacia
e tenho melhorado a técnica
quando as aulas na USP voltarem
quando os treinos de atletismo voltarem
eu estarei pronto para a batalha.

agora é oficial
eu e Fernando Bocaletto fundamos uma banda
ela se chama "Grass"
eu já compus 16 músicas
e aos poucos, ele está criando
as linhas de guitarras para cada uma delas
não vou morrer sem ter uma banda de rock
toma, sociedade!

o gift de hoje é uma performance de "Make me wanna die" do Tricky.



XOXO

23 de mai. de 2020

AS HORAS

e se te mandarem a crítica?
vai durar uma fascinação de cinco minutos
como foi por último
como o esnobe disse, "Igor na Chuva"
é um recém nascido.
e eu escrevi um romance novo este mês
em apenas dez dias
e o romance é bom
não tenho paciência
quero publicá-lo ontem
e se te mandarem as críticas?
espero por duas esse fim de semana
music is boring me to death
não sei mais como empurrar as horas
com a barriga, deprimido
por eu me sentir preso
dentro da pandemia
e da casa dos meus pais
depois que as criticas chegarem
parabéns, hugo e daí volta o velório
faltará depois disso só a leitura dos editores
que são de fato  as mais importantes.
lock down?
prorrogação?
que mi mundo está vazio y aburrido
que me mueran por tener te aqui comigo

e o rock'n roll como vai Hugo?
vamos bem.
Fercando Bocaletto gravou as guitarras
para cinco dos meus vocais
e ele já tem quatro novos vocais
para criar as guitarras
estou esperando o momento certo
para perguntar ao Fernando
se ele quer começar
um projeto paralelo comigo
não quero "roubá-lo" da banda do Breno.

um mês sem cocaína
um mês sem sexo
só duas masturbações
libido mega baixa
por causa dos remédios
dos remédios.
eu faria
eu faria sexo pra agradar
se algum Ian Brown aparecesse
na minha frente.

O mundo de ansiedade e agruras
tem uma necessidade básica no dia
estou fazendo musculação
e treinado técnica de lançamento de dardo
e salto triplo na rua deserta da delegacia.

O esporte faz bem á mente
do contrário estaria pensando de novo
em me auto extinguir.

você quer ser meu Ian Brown?
acabaria o velório
for sure.

XOXO



10 de mai. de 2020

NESSE BURACO

não consigo estudar
porque estou esperando ele
agora já nem sei se ele vai ler
de estar brabo comigo
porque eu o incomodei
a crítica dele sempre foi
de suma importância para mim
estou treinando saltos no quintal
mas se eu for reprovado em mais de uma matéria
terei minha vaga cancelada de novo
é tão ruim ser inferior
e estar suscetível a um tratamento
dado a um qualquer, que não vale nada
talvez ele leia até o dia 31 de maio
tenho fé que sim
ou leia antes
para me tirar desse buraco.
quando não estou saltando
estou um posição fetal na cama.
triste, muito triste
talvez eu deveria ter parado com "Igor na Chuva"
e ter morrido
mas calhou que pari outro livro
para encher o saco dos outros
me sinto tão pequeno
não meço o quanto
agora vou dormir
e esperar que quando eu ligue o computador
eu tenha a surpresa que ele tenha lido
e os comentários dele
sempre quando acordo, ligo o computador
e o messeger está sempre vazio
o e-mail não há nada de novo
nesse buraco.

XOXO

8 de mai. de 2020

DEI A LUZ

Agora me sinto morto
deve acontecer com outros escritores também
não só com a clarice
meu livro está morto
agora que está entregue á algumas pessoas do meio literário
sinto ansiedade para saber o que vão achar
afinal meu novo romance (pós "Igor na Chuva")
foi escrito em apenas uma semana
no finalzinho de abril comecinho de maio
me ocorreu uma ideia muito forte e muito fixa
e eu não podia deixa-la ir embora
então escrevi dias e noites até ter a obra concluída.

eu acho que consegui a intensidade dramática que eu pretendia
agora vamos ver o que os outros acham
como é um livro muito novo e faz apenas cinco meses que publiquei um livro
não vou comentar muito sobre ele
basta dizer que se trata de um romance sobre a transexualidade na adolescência e violência doméstica.

Agora que acabou o livro (que pretendo publicar ainda este ano)
ficou a depressão pós parto.
ficou o vazio da quarenta onde não há o que fazer além de ouvir música
e fingir que se está estudando.
sim, dois professores da USP estão dando aulas remotas.

Não posso voltar a treinar saltos no quintal
porque as paredes do quintal estão em reforma.

Sonhei com o Daniel Blanco essa noite
havia uma festa aqui em casa
ele deixou eu beijar a mão dele
mas foi embora sem se despedir de mim.

Ele desapareceu.

O gift de hoje é uma versão em inglês para a música "No Escuro" da Pitty: "In the Dark"



XOXO


7 de mai. de 2020

POESIA GAY UNDERGROUND REVISITADO

Resenha crítica feita pelo querido Daniel Manzoni de Almeira sobre o meu primeiro livro "Poesia gay underground: história e glória (2008, ed. Annablume)


A SUBVERSÃO DA MANCHA DO MAL NA POESIA DE HUGO GUIMARÃES

 Daniel Manzoni-de-Almeida1 GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008.

Na ocasião, eu pesquisava e tentava desvelar os principais símbolos do mal do preconceito pela orientação sexual representados nos textos de autores cânones do universo dos escritos LGBTI+. Tateando no escuro e experimentando o desconhecido dos escritos literários em blogs na internet – espaço típico dos muitos escritores contemporâneos – deparei com os escritos de Hugo Guimarães, em especial, seu primeiro livro publicado de poemas: Poesia gay underground, de 2008. Na minha primeira camada da leitura os escritos de Hugo Guimarães, detectei a captura do subterrâneo do espaço literário LGBTI+ brasileiro (em especial de um homem gay) como forma de testemunho do sexo no escuro entre homens na regionalidade da cidade de São Paulo. Ultrapassando as demais camadas da leitura e ligando ao meu interesse de então – o mal na literatura – os escritos de Guimarães, em especial em seu livro de poesia citada, percebi o contato de uma experiência do autor com o pensar sobre a realidade do preconceito, com o aparecimento dos símbolos comuns do mal do preconceito quanto à orientação sexual dos sujeitos em seus escritos. No universo desse escritor aparece sua experiência com a linguagem no escuro e sujo, uma filosofia do dark room que passa a servir como uma potente maneira de falar, de forma subversiva e provocativa, sobre uma faceta da homofobia que é ancorada, no que entendo, e faço uma ligação simbólica com a “mancha do mal” em Paul Ricouer, o que torna Hugo Guimarães como um poeta da sinestesia gay. Hugo Rodrigo Guimarães (1985-), com assinatura de literatura como apenas Hugo Guimarães, é um escritor nascido no município de Guarulhos, em São Paulo, que até o momento já escreveu livros de contos, romance e poesia na forma de publicações independentes, além de 1 Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto – Brasil, com período sanduíche em University of Pennsylvania – Estados Unidos da América. Professor no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – Brasil. E-mail: danielmanzoni@gmail.com.

VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173

manter um blog literário2 no qual divide com seus leitores-seguidores suas produções. A inspiração literária de Guimarães é o “mundo underground” da cidade de São Paulo. Atualmente, o escritor é estudante da graduação de Letras, habilitação grego, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). O “mundo underground” que o autor adota e testemunha vai para além de lugares físicos, envolvendo as condições de vida. Situações de vida não tidas como nobres, regadas a pílulas de diazepan, a música e até a condição de atleta. Poesia gay underground: história e glória é o livro que reúne a primeira produção de poesia de Hugo e está divido em nove capítulos que reúnem as poesias produzidas de 2004 a 2007, que o poeta escrevia e distribuía independentemente, mão a mão, por bares, casas de swing, saunas, crossing-bar, rodas de amigos próximos. É para estes ambientes, conhecidos no universo LGBTI+, que a poesia de Hugo nos leva e convida para uma viagem sinestésica e simbolista do sexo gay – entre homens. Este escrito de poemas faz encher de sensações, do toque da pele, do gosto do sexo entre dois homens, do prazer do sexo proibido, do sexo no subterrâneo nos lugares escondidos, codificados de prazer do sexo explícito em lugares públicos, temas que nos achados da literatura LGBTI+ têm sido reorganizados de forma a atender o mercado editorial, a lógica do capital rumo à tendência heteronormativa, como discutido em Maia (2015). Porém, Hugo não deixa sua viagem sinestésica para si, é por meio da sua poesia que ele testemunha o mundo subterrâneo e o glorifica. Escuridão, pode ser noite ou dia, tanto faz, o importante é a ausência de luz, é dentro de casas escuras, labirínticas, propositalmente, com paredes pintadas de preto e feitas de madeira-tapume para ajudar a baixar ainda mais a luminosidade. Neste ambiente, a visão é o sentimento menos apelado. Tato, paladar e olfato são os mais requeridos e ovacionados nas descrições de Hugo. O tato, nas pontas dos dedos que escrevem e direcionam o caminho do testemunho do submundo, funciona como olhos do poeta e as palavras, como como mãos à frente do corpo, tateando, enquanto o olfato está com a atenção focada em encontrar cheiros particulares. Cheiro de suor, mas não qualquer suor: é suor de esforço físico, o que também não é qualquer esforço físico: é daquele que o líquido brotou de pelo menos dois corpos, e ali mais de dois corpos, às vezes, entrelaçados, corpos sem dizer nomes, anônimos, uns submetidos, outros submetendo. É cheiro de testosterona, que não é adocicada nem é amadeirada, que só se encontra nesses ambientes subterrâneos tão escuros, tão escondidos. É neste instante que a descrição do paladar entra na poética de Guimarães como a tradução do gosto das secreções corporais. Na poética de Hugo, o problema não é o falar delas, pois tudo é explícito: para se ter prazer, tem que conviver com elas.

2 Disponível em http://hugoguimaraesnoceu.blogspot.com.

VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.

O medo dos outros em não descer na poesia subterrânea emergida por Hugo talvez seja esse contato com as secreções, com os cheiros que exalam na poesia, como em “Que vício longo que vício longo, baby sangue, esperma e catarro no mesmo lugar ainda estou vivo” (p.47). Os sons trazidos pelos poeta não podem ser esquecidos. Os gemidos da cena sexual, que podem ser abafados pela música norte-americana de Bob Dylan, amplificada pela batida eletrônica metalizada, fabricada pelo aparelho de música, remixada mil e tantas vezes e que invade o escuro dos subterrâneos. Ajuda a bater mais forte o coração e liberar o corpo para fazer poesia. É o momento em que detecto o auge da simbologia do mal na poesia de Guimarães: encarcerado no símbolo de tudo que não pode e não deve enquanto homossexual, que o atinge e é dissolvido e invertido e passa a ser o Bem, no símbolo de tudo que pode e deve ser enquanto gay. O mal, em forma de uso do corpo, é assumido por Hugo como história e glória. O poeta gosta do mal que lhe dizem ser mal. O mal para Guimarães é não usar o corpo para fazer o Bem, e, para poeta, o Bem é poesia como deve ser dita. O mal, ao contrário, é não acreditar no esperma como fonte da poesia, como em “Em poetas de esperma” (p.31). Sensações que Guimarães nos traz na voz da personagem – ou pseudônimo interno do livro – Travis Bates, um escritor, um possível nome fictício que pode ser dito na porta da boate, na porta da casa de swing, de sexo sado-masoqui, para evitar reconhecimento, um anonimato permitido. Entretanto, na poesia de Hugo não está nada escondido. Tudo está explícito. Não há constrangimento de dizer, porque falar explicitamente sobre o que fazer com o corpo não é o mal para o poeta. O mal para Hugo é não extrair beleza do corpo, do ato sexual. E é esta aqui a questão que interessa. Hugo, enxergando em Travis Bates, é como Sartre, que enxerga em Genet sua filosofia do existencialismo. Funde poesia e corpo como Bataille funde Sade ao prazer da destruição do objeto (BATAILLE, 1989). O mal em Hugo Guimarães é não aceitar a mancha como explicitada por Ricoeur (2013). A poesia de Hugo traz a mancha de uma vida vista como impura, explícita com seus desejos e prazeres. Enquanto aos olhos dos Outros dizem que é uma vida suja e manchada, para o poeta é uma vida limpa; tem a mancha, a nódoa, e ser sujo e com a nódoa é o Bem. O trabalho poético dele percebe o mal como algo externo, imputado, dado, incrustrado, mas ao contrário de tentar trazer, é não tentar limpar a mancha do mal que lhe imputam, é deixá-la exposta e ainda mostrar como ela é feita incentivando como manchar-se. A poesia de Hugo Guimarães é a favor da mancha do mal, pois é sua opção. Estar manchado o faz na inspiração da linhagem de Baudelaire e Rimbaud, os ‘malditos’. Há um poema em especial neste livro que nos traz a ideia da reversão do símbolo do mal posto pelo preconceito externo. O poema é “Poetas do esperma”. Nele, Guimarães faz uma releitura radical do poema “Procura de poesia”, de Drummond, do livro A rosa do povo,

VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.

transgredindo o clássico poema, trazendo a luz o que é o mal em sua visão. A intenção do autor é clara: transgredir o poema tradicional, como se transasse com o poema de Drummond e trazer que poesia é feita com o corpo no ato sexual entre dois homens. A homossexualidade apontada com tons de mal, no sentido de um desvio da naturalidade, por Drummond, como uma “recusa do pasto natural aberto aos homens” ou “natureza ambígua e reticente”, no poema “Rapto”, em Claro Enigma (ANDRADE, 1998); anos depois da consagração da publicação destes poemas, e em tempos diferentes do discurso sobre a sexualidade, em Hugo a homossexualidade é assumida e explicitada. O corpo e o sexo não são encarados como sujos, mas o corpo, “manchado” pelo mal da homossexualidade antinatural dos caminhos dos homens – como levantado na tradicional poesia de Drummond – faz poesia. Podemos reler este poema de Drummond de Andrade na chave que o corpo não é, e também não deve ser, o motor da produção da poesia como exposto na “Procura da poesia”. Em A rosa do povo (1945), Drummond traz a expressão dos horrores de guerra e do nazismo da metade do século XX e o poema “Procura da Poesia”, em específico, remete à desesperança do fazer poesia com a realidade, diante do horror da guerra e do real social. Hugo, décadas depois, com a mesma massa de indagação, diante dos horrores da guerra contra as sexualidades dissidentes, reinventa esta mesma intenção, mas na subversão desta imagem do corpo colocada por Drummond para a produção da poesia. Para Guimarães, a poesia nasce do uso do corpo, nasce como um filho do sexo estéril entre dois homens, que a procriação, a criação é dada. Aquele corpo negado por Drummond é o corpo criado, via poesia, por Hugo Guimarães em um universo particular de símbolos, sensações e liberdades. Referências ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Ia ed. São Paulo: Compainha das Letras, 2012. ANDRADE, C. D. Claro enigma. 13a ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. BATAILLE, G. A literatura e o mal. Porto Alegre: L&PM, 1989. GUIMARÃES, H. Poesia gay underground: história e glória. São Paulo: DIX editora, 103 p., 2008. MAIA, H. T. A literatura gay é um cruising bar: reflexões sobre a literatura gay, o mercado e a obra de João Gilberto Noll. Revista Periodicus, n.3, v.1, p.183-199, 2015.
RICOEUR, P. A simbólica do mal. Lisboa: Edições 70, 2013.

Recebido em 27/10/2019. Aceito em 18/01/2020.

VALITTERA – Revista Literária dos Acadêmicos de Letras ISSN: 2675-164X – V.1, N.2 – 2020 – Pág. 170 – 173.

XOXO